domingo, 23 de junho de 2024

Lula caminha para um vespeiro com revisão na previdência dos militares, Elio GAspari, FSP

 De boas intenções, o reino de Asmodeu está cheio. Com a melhor das intenções, o governo de Dilma Rousseff criou a Comissão Nacional da Verdade. Ela resultou num relatório repetitivo, capenga e superficial.

Listou o brigadeiro Eduardo Gomes, ministro da Aeronáutica de 1965 e 1967, entre os militares responsabilizados pela prática de torturas, colocando-o na companhia de assassinos que executaram prisioneiros que atenderam a convites oficiais da tropa.

Onde? Nas matas do Araguaia de outubro de 1973 a outubro de 1974. Essa e outras insensibilidades jogaram um parte da oficialidade no colo do ex-capitão Jair Bolsonaro.

A imagem mostra uma cerimônia militar com várias autoridades em destaque. Alguns dos homens estão fardados e fazendo a saudação militar, enquanto outros estão de terno. O fundo parece ser uma estrutura coberta, possivelmente um palco ou tribuna.
Comandantes das Forças Armadas prestam continência ao presidente Lula (PT) - Gabriela Biló - 19.abr.24/Folhapress

Agora Lula 3.0 caminha para uma revisão na previdência dos militares. Trata-se de um vespeiro. Os inativos custam R$ 31,2 bilhões e os militares na ativa custam R$ 32,4 bilhões. Há penduricalhos e abusos, mas tudo gira em torno de uma realidade: os militares brasileiros ganham pouco.

Faz tempo, quando um general da intimidade do presidente Ernesto Geisel reclamou, comparando seu salário com o de um paisano, ouviu: "Você é realmente muito burro, entrou para o Exército para ganhar bem?"

Um general brasileiro vai para a reserva, depois de pelo menos 35 anos de serviços bem avaliados, com R$ 37 mil de salário. É pouco e essa anomalia estimula governantes a criar as tenebrosas boquinhas para oficiais amigos. Num caso, um general na reserva recebia menos de R$ 20 mil líquidos e reclamava, mas não mencionava a boquinha pela qual passara, rendendo mais de R$ 50 mil mensais.

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Pode-se mexer nesse vespeiro desde que fique claro que as mudanças tornarão o sistema mais transparente e justo. Parece impossível, mas o marechal Castello Branco fez uma reforma profunda no sistema de aposentadoria dos militares, modernizou as Forças e acabou com aquilo que ele chamava de os generais chineses. Seu amigo Oswaldo Cordeiro de Farias ficou 23 anos no generalato.

Era possível que um general de quatro estrelas ficasse mais de dez anos na patente. Castello criou uma escadinha de cotas compulsórias, pela qual os quadros de generais de brigada, divisão ou Exército são obrigados a uma renovação de 25% a cada ano.

A mesma escadinha funciona para a Marinha e Aeronáutica. Disso resultou que ninguém fica mais de quatro anos numa patente, nem mais de 12 no generalato.

Os generais chineses viraram fumaça, ninguém reclamou e as três Forças modernizaram-se, menos do que precisavam, mas como era necessário.


Juízes estimulam ações impróprias das PMs, Elio Gaspari ,FSP

 Em outubro do ano passado, o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, representando a Associação de Delegados do Estado de São Paulo, pediu ao corregedor nacional de Justiça que recomendasse aos magistrados o respeito ao dispositivo constitucional que delimitou as jurisdições das polícias civis e militares.

O artigo 144 da Constituição é claro:

"Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares."

"Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de
defesa civil".

A imagem mostra um policial abordando uma pessoa contra uma parede vermelha. O policial está de costas, vestindo uniforme cinza e segurando uma arma. A pessoa abordada está de chinelos. Há alguns objetos no chão, incluindo sacolas plásticas.
Policial militar faz revista durante operação na Cracolândia, em São Paulo - Danilo Verpa - 6.jun.24/Folhapress

Contam-se às centenas os casos em que magistrados deferem pedidos de busca e apreensão solicitados pelas polícias militares. Mariz de Oliveira é um respeitado criminalista e já foi secretário da Segurança de São Paulo (1990-1991). Conhece de cor e salteado os dois lados do balcão.

O que ele pede é que o Conselho Nacional de Justiça recomende aos magistrados que não defiram pedidos encaminhados pelas PMs invadindo a competência das polícias civis.

A questão foi remetida ao Tribunal de Justiça de São Paulo e, em maio passado, seu corregedor respondeu que "em situações de urgência específicas" os magistrados podem deferir pedidos de buscas e apreensões solicitados pela Polícia Militar, sempre apoiados pelos representantes do Ministério Público.

É o jogo jogado, desde que se defina o que vem a ser uma "situação de urgência específica". As estatísticas indicam que as palavras "urgência" e "específica" são sinônimos de negro e pobre.

Indo ao coração do problema, o juiz Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi, auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça, informou, num parecer em que repisou a clareza da Constituição:

"Pesquisa recente realizada pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), a partir da análise de dados da região metropolitana do Rio de Janeiro, informa que é no cumprimento de mandados de busca e apreensão, ao lado da repressão ao tráfico de drogas e armas, retaliações por mortes ou ataque a unidade policial, recuperação de bens roubados, entre outras, que pavimentam as operações policiais que resultam em chacinas.

Ou seja, mandados de busca mal realizados e executados tornam-se instrumento e tipo de circunstância que necessariamente antecede ou desencadeia massacres, violações, abusos de todas a ordens e têm levado o país, inclusive, a condenações em cortes internacionais."

Lanfredi concluiu propondo que o corregedor Luiz Felipe Salomão recomende aos magistrados "que se abstenham de proferir decisões de deferimento de pedidos de busca e apreensão domiciliar ou de outros atos privativos de polícia judiciária e investigativa requeridos diretamente pela Polícia Militar".

Uma decisão final ainda deverá esperar novos pareceres e será votada pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça antes que o pedido de Mariz complete um ano.

Direita, volver, Muniz sodré, fsp

 Repercutiu uma discussão sobre se a universidade deveria abrir-se mais para o pensamento de direita. Houve quem enxergasse no argumento laivos de "Sobre a Liberdade", de John Stuart Mill, com sua ênfase no valor inerente da individualidade e da liberdade de expressão. Para o influente filósofo inglês oitocentista, uma opinião silenciada pode conter boa parte de verdade. Logo, diversidade e debate são eticamente saudáveis numa democracia, onde a razão estaria sempre com o povo, suposta expressão da vontade coletiva.

Mas argumento como intervenção racional no pensamento político precisa ser validado por prova prática. Isso ganha urgência nas mutações da experiência concreta, em que razão e percepção podem deixar de coincidir. São, portanto, viáveis alguns reparos empíricos à alegada ausência de direita no campo universitário.

Manifestação contra Bolsonaro organizada por movimentos de esquerda e partidos políticos na avenida Paulista, em SP, em 2021
Manifestação contra Bolsonaro organizada por movimentos de esquerda e partidos políticos na avenida Paulista, em SP, em 2021 - Mathilde Missioneiro - 2.out.2021/Folhapress

É que em 50 anos de trabalho na maior universidade federal do país jamais tivemos percepção de domínio da esquerda, entendida como militância orientada pela revolução emancipatória. Esse foi sempre o fantasma útil da repressão. A realidade se matiza por silenciosa maioria conservadora, uma coorte de progressistas (centro-esquerda, social-democracia) e nichos convictos das utopias religiosamente reveladas pelo determinismo histórico.

A direita stricto-sensu, espectro reacionário de ideias, sempre esteve embuçada nas fileiras conservadoras. Calava por vergonha, mesmo durante a ditadura. Expõe-se agora como ultradireita, que é o brutalismo das situações extremas, apoiada no anonimato da desinformação das redes ou na blindagem parlamentar. Sem nada formular de interesse nacional, controla as duas casas legislativas federais, retrocede com religiosos a uma sinistra teocracia, realiza por ideologia o que os militares não conseguiram com armas.

Cabe, assim, duvidar da vontade dessa ultradireita de estar na universidade, espaço articulado, tanto nas ciências humanas como nas exatas, em torno da verdade. Aliás, direita e esquerda são termos antigos em que o mundo não mais se reconhece: o que é dado a ver ultrapassa qualquer realidade original. Politicamente, arma-se um projeto neobárbaro de poder, com as massas realocadas, da falência dos partidos populares, para a ultradireita.

Apoiadores de Bolsonaro fazem protesto pedindo intervenção militar, em frente ao QG do Exército, no Setor Militar Urbano, em Brasília (DF))
Apoiadores de Bolsonaro fazem protesto pedindo intervenção militar, em frente ao QG do Exército, no Setor Militar Urbano, em Brasília (DF)) - Pedro Ladeira - 28.jun.2020/Folhapress

Numa socio-ecologia da mentira, não é mais questão de pensamento, e sim de checagem de dados. Os extremistas sabem, como Thomas Jefferson, que "o preço da liberdade é a vigilância". Daí o recente ataque da câmara de horrores ao Netlab, laboratório de pesquisa em desinformação da ECO/UFRJ, assim como a outras iniciativas do gênero no Brasil e no mundo. Neobarbarismo, protofascismo são só termos aproximativos. O que há mesmo é pulsão brutalista de morte na dispersão de palavras, de sentido e de vida.