Repercutiu uma discussão sobre se a universidade deveria abrir-se mais para o pensamento de direita. Houve quem enxergasse no argumento laivos de "Sobre a Liberdade", de John Stuart Mill, com sua ênfase no valor inerente da individualidade e da liberdade de expressão. Para o influente filósofo inglês oitocentista, uma opinião silenciada pode conter boa parte de verdade. Logo, diversidade e debate são eticamente saudáveis numa democracia, onde a razão estaria sempre com o povo, suposta expressão da vontade coletiva.
Mas argumento como intervenção racional no pensamento político precisa ser validado por prova prática. Isso ganha urgência nas mutações da experiência concreta, em que razão e percepção podem deixar de coincidir. São, portanto, viáveis alguns reparos empíricos à alegada ausência de direita no campo universitário.
É que em 50 anos de trabalho na maior universidade federal do país jamais tivemos percepção de domínio da esquerda, entendida como militância orientada pela revolução emancipatória. Esse foi sempre o fantasma útil da repressão. A realidade se matiza por silenciosa maioria conservadora, uma coorte de progressistas (centro-esquerda, social-democracia) e nichos convictos das utopias religiosamente reveladas pelo determinismo histórico.
A direita stricto-sensu, espectro reacionário de ideias, sempre esteve embuçada nas fileiras conservadoras. Calava por vergonha, mesmo durante a ditadura. Expõe-se agora como ultradireita, que é o brutalismo das situações extremas, apoiada no anonimato da desinformação das redes ou na blindagem parlamentar. Sem nada formular de interesse nacional, controla as duas casas legislativas federais, retrocede com religiosos a uma sinistra teocracia, realiza por ideologia o que os militares não conseguiram com armas.
Cabe, assim, duvidar da vontade dessa ultradireita de estar na universidade, espaço articulado, tanto nas ciências humanas como nas exatas, em torno da verdade. Aliás, direita e esquerda são termos antigos em que o mundo não mais se reconhece: o que é dado a ver ultrapassa qualquer realidade original. Politicamente, arma-se um projeto neobárbaro de poder, com as massas realocadas, da falência dos partidos populares, para a ultradireita.
Numa socio-ecologia da mentira, não é mais questão de pensamento, e sim de checagem de dados. Os extremistas sabem, como Thomas Jefferson, que "o preço da liberdade é a vigilância". Daí o recente ataque da câmara de horrores ao Netlab, laboratório de pesquisa em desinformação da ECO/UFRJ, assim como a outras iniciativas do gênero no Brasil e no mundo. Neobarbarismo, protofascismo são só termos aproximativos. O que há mesmo é pulsão brutalista de morte na dispersão de palavras, de sentido e de vida.
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