sexta-feira, 21 de junho de 2024

Quando bate a desesperança, penso em dois grandes brasileiros; feliz aniversário, Chico e FHC, FSP

 Por Elena Landau

Atualização: 

É uma semana de celebrações. Meus ídolos fizeram aniversário. Chico Buarque chegou aos 80. Desde que me entendo por gente, eu canto suas músicas. Foi Rita, e não A Banda, que me conquistou. Quando morava em Piracicaba, minha mãe me trouxe num fusquinha para assistir a um show no Rio. Já era fanática aos nove anos. Do “Levou meu sorriso e no sorriso dela, meu assunto” até “Um confuso casarão onde os sonhos serão reais e a vida, não”, ou de Construção a Caravanas, tudo que compôs é precioso. Viva Chico, artista brasileiro.

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FHC, melhor presidente da nossa história, completou 93 anos. O reconhecimento do seu legado está nas celebrações dos 30 anos do Plano Real, muito mais intensas do que nos anos anteriores. Significa muito: o real está consolidado e a inflação não é mais tolerada. Muitos estão tomando consciência do que era o País antes disso. A hiperinflação desorganizava a economia e era cruel com os mais pobres.

Tive sorte de ser de uma geração que viu o Brasil mudar na política e na economia. Com o aparecimento do PSDB, começa uma nova forma de fazer política. Governador do Ceará, Tasso Jereissati iniciou uma revolução: saem os coronéis e entra a social-democracia. Mario Covas e seu “Choque de capitalismo” lança as bases de um programa de governo que continua atual. Está tudo lá: da reforma do Estado aos cuidados com meio ambiente. Virei tucana em 1991.

Chico Buarque e Fernando Henrique Cardoso, durante campanha pela Prefeitura de São Paulo, em 1985
Chico Buarque e Fernando Henrique Cardoso, durante campanha pela Prefeitura de São Paulo, em 1985 Foto: Arquivo/AE

Mais especial ainda foi ser parte do Departamento de Economia da PUC/Rio nos anos 80. Os professores renovaram a escola usando a teoria econômica para o desenho de políticas públicas. A situação herdada da ditadura era grave: crise internacional, desigualdade social e inflação de mais de 200% ao ano. Os debates e seminários na PUC eram intensos. Não se chegou à URV e ao real por acaso. Economia e política se juntavam nas reuniões do PSDB com Persio Arida, Edmar Bacha e André Lara.

Quando FHC vira ministro da Fazenda, traz o grupo. Seu comando foi fundamental para o real dar certo. E, como presidente, o Brasil se modernizou, políticas sociais tiveram destaque e as instituições se fortaleceram. A hiperinflação virou passado.

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Esse círculo virtuoso foi interrompido. O PSDB se suicidou, a economia não anda bem e a política, pior ainda. Às vezes, dá vontade de jogar a toalha. Quando bate a desesperança, penso nesses dois grandes brasileiros: Chico e FHC. Mostram o que o Brasil já foi e ainda pode ser. Parabéns para eles.

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Opinião por Elena Landau

Economista e advogada

Mercado aperta o cerco sobre o governo Lula, André Roncaglia, FSP

 Venho alertando, desde o ano passado, que Campos Neto ameaçaria a credibilidade do Banco Central se atuasse como central sindical do rentismo. Depois de espalhar pânico no mercado com suas manifestações públicas antes da reunião do Copom de maio, ele esticou a corda ao aceitar ser ministro da Fazenda em um hipotético governo Tarcísio de Freitas; agora pôs-se a espalhar informações catastróficas sobre a situação do governo.

Encurralado pelas ações desse quinta-coluna, o Copom precisou demonstrar unanimidade na parcimônia monetária, interrompendo os cortes da Selic, a qual não deve baixar de 10,5% até 2025. A despeito da incerteza no cenário externo, havia espaço seguro para cortes, pelo menos até 9%, como mostrou meu colega Bráulio Borges em artigo recente para o Ibre-FGV.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto - Brendan McDermid/Reuters

A manutenção da Selic interrompe a queda do serviço de juros da dívida, forçando ajuste fiscal mais austero para controlar a dívida. Cresce a pressão por substituir cortes nos gastos tributários —onde campeiam os privilégios dos fiscalistas do bolso alheio— pelos cortes em benefícios sociais.

O cerco sobre o governo tende a se fechar ainda mais. Esse freio de arrumação nas políticas monetária e fiscal (com sinalização de cortes de gasto pela Fazenda) pode aliviar as restrições para o futuro presidente do BC liderar um processo robusto de queda da Selic, mas não há garantias.

Ao analisar a "arriscada diplomacia econômica" de Haddad (21/4/23), destaquei o prazo curto que o ministro teria para mostrar resultados, os quais não seriam aceitos sem resistência. O motivo é simples: a agenda do governo Lula desacelera os ganhos passivos e subtributados do rentismo. A queda da Selic e a diminuição da influência política do mercado na gestão da Petrobras forçariam os gestores de ativos financeiros a sair de sua zona de conforto e aumentar a participação de ativos de risco e investimentos produtivos em suas carteiras.

Por esse motivo, a Faria Lima vem cobrando sucessivos pedágios pela governabilidade: a redução da meta de inflação de 3,5% para 3% ao ano, a imposição de um duro ajuste fiscal (com cortes de gastos sociais) e a manutenção da criminosa privatização da Eletrobras.

Essa linha de defesa recessiva tem sido eficaz. Os números do PIB no primeiro trimestre mostram os efeitos da retranca financista: o investimento cresceu 4,1%, estimulado pelas medidas tributárias do governo e pela queda da Selic desde agosto de 2023, mas ainda está em patamar muito baixo: 16,9% do PIB.

Não fossem os dribles do governo a essa zaga barulhenta —lembrando que drible não é impedimento—, a taxa de desemprego no país não teria caído a 7,5% no trimestre móvel encerrado em abril, a menor taxa para o período desde 2014.

Entretanto, os investimentos públicos correm atrás da depreciação do capital, fruto da restrição fiscal e do feudalismo orçamentário do centrão. Com queda de 0,5% em abril, a indústria de transformação se arrasta, com o esgotamento dos incentivos ao setor. Sem queda dos juros, é impossível retomar a capacidade industrial do país, e a transição ecológica fica mais distante.

Com um presidente da República (corretamente) desobediente à censura de suas falas sobre a política monetária, o mercado elevou os prêmios de risco cobrados nos títulos da dívida pública em toda a curva de juros. Há nesse meio quem "preveja", com base em puro voluntarismo, elevação da Selic neste ano. O desespero é tanto que há suspeitas de manipulação das previsões do IPCA, no boletim Focus, a partir de 2025, sob nova presidência do BC. Se for comprovada a farsa, o rentismo terá inventado a previsão de protesto!

Exigiu-se autocrítica de Lula, mas nenhuma de Campos Neto. No debate econômico brasileiro, afinal, o pau só bate em Chico.


Por que busto de Luiz Gama olha afrontoso para a rua Rego Freitas?, FSP

 

Cinthia GomesGuilherme Soares Dias
SÃO PAULO

Quem cruza o Largo do Arouche, no centro de São Paulo, se depara, entre outras homenagens, com o busto de Luiz Gama, advogado, jornalista, poeta e principal líder abolicionista do século 19. O monumento foi o primeiro a homenagear uma pessoa negra na capital paulista e foi instalado ali na década de 1930 com recursos da comunidade negra, arrecadados por uma campanha do jornal O Progresso, veículo da imprensa negra da época. A localização é estratégica: ao lado da Academia Paulista de Letras, instituição em que Dr. Gama é o patrono da cadeira de número 15, e de frente para a Rua Rego Freitas, para onde olha de forma afrontosa. Mas por quê?

Nossa viagem hoje é no tempo: São Paulo, segunda metade do século 19. A grande metrópole que conhecemos hoje não passava de uma vila. A vida dos cerca de 40 mil habitantes girava em torno da agitação promovida pelos os estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, dos negócios dos barões do café e, é claro, dos principais debates políticos da época: o fim da monarquia e a abolição da escravatura. Ou, nas palavras do Dr. Luiz Gama, "uma terra sem reis e sem escravos": projeto político pelo qual ele dedicou sua vida, que celebramos hoje, dia 21 de junho, data de seu nascimento, em 1830 em Salvador.

A história toda é uma biografia de cinema (Literalmente! Assistam ao filme Doutor Gama, de Jefferson De) e não caberia em um artigo. Mas o fato é que após aprender a ler e escrever aos 17 anos, o jovem Luiz Gama, que havia nascido livre e foi vendido como escravizado pelo próprio pai aos 10 anos de idade, reuniu documentos que comprovaram a sua condição e reconquistou a própria liberdade.

Essa foi a primeira das 500 libertações que conseguiria nos tribunais ao longo da vida, atuando como "rábula", um termo pejorativo utilizado na época para se referir aos advogados que tinham uma licença para advogar em primeira instância, ainda que não fossem formados em Direito, como era o caso de Luiz Gama. Mesmo assim, ele se tornou o maior especialista na legislação sobre escravidão e alforrias e nas "causas de liberdade". E foi aí que Luiz Gama e Rego Freitas se tornaram grandes inimigos.

Os embates entre os dois se davam no mundo jurídico e nas páginas da imprensa. A cada sentença injustamente indeferida, a indignação de Luiz Gama se transformava em palavras irônicas e mordazes, que expunham a omissão e a "incompetência" do juiz - "um pobre de espírito, para quem Deus aparelhou o reino do céu". Autêntico exemplar do pacto narcísico da branquitude (leiam Cida Bento, também colunista da Folha!), Rego Freitas negava direitos à população negra para garantir os privilégios dos brancos.

O auge da contenda se deu no ano de 1869. Gama publicou um "inqualificável despacho" do "adiposo" juiz sobre um caso de grande repercussão na época - o do africano Jacinto - e o respondeu com infalível argumentação jurídica, mas também com ira e escárnio: "Consinta o imponente juiz (...) que eu lhe dê uma proveitosa lição de direito, para que não continue a enxovalhar em público o pergaminho de bacharel que foi-lhe conferido pela mais distinta das faculdades jurídicas do Império". Resultado: perseguição e punição de Luiz Gama, com sua demissão do serviço público, num episódio flagrante de abuso de autoridade e interferência entre os poderes.

Busto de Luiz Gama, no Largo do Arouche, centro de SP, olha de forma afrontosa para a direção da Rua Rego Freitas, juiz do qual foi inimigo em vida (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, ILUSTRADA) - Danilo Verpa/Folhapress

Gama foi um dos pouco líderes negros que não foi assassinado. Ele morreu em 1882 de complicações causadas pela diabetes e não viu a abolição, que só ocorreu em 1888. Sua morte virou notícia e cerca de 4 mil pessoas - cerca de 10% da população paulistana à época - acompanharam seu cortejo fúnebre do Brás, onde vivia, até o Cemitério da Consolação, onde foi sepultado. Além do busto no Arouche, ganhou o título de herói nacional, inscrito no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de São Paulo (USP), além de diplomas póstumos de jornalista e advogado e é considerado precursor da advocacia pro bono.

Simbolicamente, mais de um século depois, Gama e Freitas continuam se enfrentando. Na Rua Rego Freitas, que vai da Rua da Consolação até o Largo do Arouche - homenageando o juiz que era dono de terras naquela região - fica o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, que em 2018, por meio da sua Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), da qual fazemos parte, ganhou uma placa e uma foto em reconhecimento à importância de Gama para a categoria.

E, não por acaso, a estátua do abolicionista foi instalada no Largo do Arouche, mas direcionando o olhar altivo de Luiz Gama para a Rua Rego Freitas, como quem questiona a homenagem a um escravocrata com um nome de via. Uma afronta no passado, no presente e no futuro. Pelo dia de hoje e sempre, viva o Dr. Luiz Gama!

Cinthia Gomes é jornalista, mestra pela Escola de Comunicações e Artes da USP, integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial e da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo