Neste ano completam-se vinte anos do lançamento de "2 Filhos de Francisco", filme de Breno Silveira que uniu sucesso popular a uma forma interessante de se contar a vida de artistas famosos. Infelizmente, de lá para cá o que vimos é que as cinebiografias brasileiras preferem copiar fórmulas importadas.
A mais recente vítima do viralatismo do roteiro nacional é a série do Globoplay, "Raul Seixas: Eu Sou". Ela repete vários clichês das cinebiografias musicais comuns não apenas no Brasil, mas também no exterior. Assim como em filmes de sucesso como "Bohemian Rhapsody" (2018), sobre a banda Queen, "Rocketman" (2019), sobre Elton John, "Johnny e June" (2005), sobre Johnny Cash, pisa-se o mesmo solo de convenções narrativas.
Em todos eles há a cena do protagonista em seu momento de introspecção diante de grandes concertos, cenas da experiência infantil (às vezes traumáticas), o gênio enrustido que seduz magicamente o público, as drogas como momento de declínio e sofrimento, o protagonista como mal familiar preso no ego do sucesso, e, por fim, a redenção mágica e espetacular. Ao final sobe um letreiro contando sobre como a vida continuou ou o artista morreu, superestimando seu legado. Em todos eles, a ambição de querer contar uma vida em pouco tempo.
A série de Raul tem méritos. As atuações de Ravel Andrade como Raul e João Pedro Zappa como Paulo Coelho (apesar da peruca fake), além de Amanda Grimaldi como a primeira mulher do cantor, merecem destaque. A produção também brilha, assim como os musicais do início da série, especialmente as versões de "SOS" e "Ouro de Tolo". No entanto, da metade para o final a série de oito episódios se perde na chatice de um biografado drogado e um tanto não-linear, sem uma diretriz narrativa que dê conta do personagem.
E, mais grave, perdura em "Raul Seixas: Eu Sou" a ambição tola de se querer contar a vida toda de alguém em pouco tempo. Por que? Mesmo com as horas alongadas de uma série, trata-se de tarefa quase sempre impossível. É preciso um recorte que foque e, ao mesmo tempo, amplie o poder de contar uma história. Não se trata de contar a vida de Raul, mas uma história sobre Raul.
É aí que as cinebiografias de Breno Silveira se destacam. Em "Gonzaga: De Pai Pra Filho" (2012), o diretor narrou a tensa relação entre o rei do baião e o filho Gonzaguinha. Através dela passeamos por grande parte da trajetória do artista sem perder o foco no essencial. Em "2 Filhos de Francisco" (2005), roteirizado por Patrícia Andrade e Carolina Kotscho, busca-se a trajetória infantil de Zezé Di Camargo & Luciano. Toma-se uma parte de sua história, sem ambição de contar suas vidas totalmente. Apenas narra-se os percalços para a construção inicial do sucesso. Poucos filmes tocaram tanto a sensibilidade popular nacional quanto as cinebiografias de Breno Silveira, precocemente falecido em 2022.
De lá para cá nem os sertanejos parecem ter aprendido a lição. Obras sobre Chitãozinho & Xororó, como a série "As Aventuras de José e Durval" (2024), também do Globoplay, repetem vários dos chavões pisados na série sobre Raul. Cinebiografias de Simonal, Erasmo Carlos, Elis Regina, Gal Costa, entre vários outros, repisam a mesmice da fórmula.
Há louváveis exceções fora do país. O filme "Garoto de Liverpool" (2010), sobre a adolescência de John Lennon, é talvez o melhor filme já feito sobre um beatle. Ao focar na tensa relação de admiração e ódio pela mãe, conseguimos conhecer John de forma muito mais densa do que se quiséssemos apreendê-lo através de uma biografia total. Nos próximos anos serão lançados quatro filmes sobre cada um do quarteto beatle. Esperemos que não caiam na tentação totalitária da cinebiografia.
Nem era preciso se inspirar nos estrangeiros. A lição foi formulada aqui mesmo, e pela música sertaneja em contato com um diretor ao mesmo tempo ambicioso e popular. Depois de vinte anos das lições de Breno Silveira, ainda estamos aquém de sua aula.
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