quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Governo terá primeiro teste da segurança pública com dados de 2023, Bruno Boghossian, FSP

 Pouco antes de mudar de emprego, Flávio Dino fez uma promessa. Na sabatina para a vaga no STF, ainda em dezembro, o ministro se referiu a dados preliminares e anunciou que o país terminaria 2023 com uma queda nas mortes violentas intencionais. "Com a graça de Deus, neste ano nós vamos ter redução", disse.

Animado com os números coletados nos últimos meses, o governo resolveu mergulhar de cabeça no debate da segurança pública. O tema, antes tratado com uma dose cavalar de hesitação no entorno de Lula, virou prioridade no Ministério da Justiça e foi o foco do primeiro vídeo de propaganda divulgado pelo Palácio do Planalto em 2024.

Mesmo se a profecia de Dino for confirmada quando os dados forem divulgados, neste mês, as estatísticas deverão dizer menos do que o governo gostaria. Políticas de segurança costumam levar algum tempo para dar resultado e nem sempre é possível cravar o fator responsável por uma queda nas mortes violentas. Em geral, o somatório de escolhas inteligentes faz mais efeito do que uma bala de prata qualquer.

Ainda assim, tudo indica que uma eventual redução da criminalidade em 2023 será uma oportunidade para virar uma chave em algumas discussões. O governo deu sinais de que vai explorar os números para dobrar a aposta nas escolhas feitas até aqui e tentar desmontar mitos alimentados pela oposição.

Nesta quarta (3), o ministro em exercício Ricardo Cappelli (Justiça) defendeu o controle sobre armas e disse que essa restrição é parte de uma política "que reduziu o número de homicídios" no país. Mais tarde, ele anunciou que o governo publicaria diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pela polícia.

Por quatro anos, a direita bolsonarista vendeu uma relação não comprovada entre a proliferação de armas e a queda de mortes violentas, além de alegar que uma polícia livre para matar deixaria o país mais seguro. As estatísticas podem ajudar a refutar parte dessas fantasias, mas o governo ainda terá muito trabalho.


Manual de instruções para entender a extrema direita em Portugal, José Manuel Diogo, FSP

 A extrema direita pode ganhar as eleições de 10 de março e formar governo em Portugal? É muito difícil, mas não impossível.

E o que estará por detrás do crescimento meteórico de um partido e de um líder do qual, para além da retórica destrutiva e da criatividade oratória, não é conhecido por nenhuma outra capacidade para governar Portugal?

O líder do partido populista de direita Chega, André Ventura, participa de entrevista coletiva no Parlamento português, em Lisboa, em novembro de 2023
O líder do partido populista de direita Chega, André Ventura, participa de entrevista coletiva no Parlamento português, em Lisboa, em novembro de 2023 - Patricia de Melo Moreira 24.nov.23/AFP

Mas, mesmo assim, abrigando todo tipo de aberrações políticas e contradições ideológicas, o partido de André Ventura ganha cada vez mais adeptos, e hoje poucos acreditam que Portugal possa ter uma solução à direita sem o partido Chega partilhar o poder.

Para que os cerca de 600 mil brasileiros (incluindo aqueles com dupla cidadania) que hoje moram no país luso percebam melhor a questão (e o que leva Jair Bolsonaro a apoiar repetidamente Ventura para o cargo de premiê luso), aqui seguem dez motivos:

1. Os partidos grandes —PS e PSD—, que sempre designaram o premiê, não perceberam que estão a ficar pequenos;

2. Os líderes desses partidos, originários das juventudes partidárias, vivem em uma bolha de cumplicidades na qual seus interesses táticos não os deixam enxergar como o país é hoje;

3. Esses partidos também estão obsoletos do ponto de vista da organização, da captação de militantes e do marketing e da comunicação. Na era da inteligência artificial, são verdadeiras máquinas a vapor;

4. Todos os outros partidos tradicionais —CDS, Bloco de Esquerda e Partido Comunista—, independentemente do seu posicionamento ou tamanho atuais, comportam-se da mesma forma que os partidos grandes. Ou se perdem em lutas internas pelo poder ou, pior, preferem acreditar em sombras ideológicas que já não mobilizam a sociedade. São apenas organizações clientelistas;

5. Os novos partidos "moderados" —a Iniciativa liberal e o PAN—, mesmo com boas ideias de mudança, comportam-se como oportunistas da política e não manifestam nenhuma ambição de governar. Nenhum diz que quer ser primeiro-ministro;

6. Os eleitores portugueses estão desiludidos com os políticos "normais", mas… enquanto antes não existia alternativa e a abstenção crescia na imbecilidade do voto útil, hoje alguém a reclama com convicção;

7. Nem mesmo em plena época pré-eleitoral algum dos "suspeitos" de costume se dá ao trabalho de disfarçar que o mais importante é o seu futuro pessoal. O país pouco lhes interessa;

8. Se se instalar a ideia de que essa mudança radical pode acontecer, ela vai acontecer mesmo. Não é a lei de Murphy, a quem Trump e Bolsonaro tanto devem, a demonstrar essa tese e seu corolário?;

9. Instalou-se em Portugal a ideia de que, no atual estado de coisas, essa vitória radical pode ser até um mal necessário.

10. As empresas de pesquisa em Portugal, devido à exiguidade do mercado, são tecnicamente deficitárias, pouco independentes e alinhadas com os poderes tradicionais, contribuindo para a cegueira coletiva. Em vez de contar o que o povo pensa, querem ajudar o povo a pensar. Também por isso têm errado muito os resultados.

Com uma eleição antecipada marcada para daqui a dois meses e uma crise institucional em curso, 2024 apanha os políticos tradicionais despreparados.

Feliz ano de 2024 a todos os assinantes e leitores da Folha.