quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Manual de instruções para entender a extrema direita em Portugal, José Manuel Diogo, FSP

 A extrema direita pode ganhar as eleições de 10 de março e formar governo em Portugal? É muito difícil, mas não impossível.

E o que estará por detrás do crescimento meteórico de um partido e de um líder do qual, para além da retórica destrutiva e da criatividade oratória, não é conhecido por nenhuma outra capacidade para governar Portugal?

O líder do partido populista de direita Chega, André Ventura, participa de entrevista coletiva no Parlamento português, em Lisboa, em novembro de 2023
O líder do partido populista de direita Chega, André Ventura, participa de entrevista coletiva no Parlamento português, em Lisboa, em novembro de 2023 - Patricia de Melo Moreira 24.nov.23/AFP

Mas, mesmo assim, abrigando todo tipo de aberrações políticas e contradições ideológicas, o partido de André Ventura ganha cada vez mais adeptos, e hoje poucos acreditam que Portugal possa ter uma solução à direita sem o partido Chega partilhar o poder.

Para que os cerca de 600 mil brasileiros (incluindo aqueles com dupla cidadania) que hoje moram no país luso percebam melhor a questão (e o que leva Jair Bolsonaro a apoiar repetidamente Ventura para o cargo de premiê luso), aqui seguem dez motivos:

1. Os partidos grandes —PS e PSD—, que sempre designaram o premiê, não perceberam que estão a ficar pequenos;

2. Os líderes desses partidos, originários das juventudes partidárias, vivem em uma bolha de cumplicidades na qual seus interesses táticos não os deixam enxergar como o país é hoje;

3. Esses partidos também estão obsoletos do ponto de vista da organização, da captação de militantes e do marketing e da comunicação. Na era da inteligência artificial, são verdadeiras máquinas a vapor;

4. Todos os outros partidos tradicionais —CDS, Bloco de Esquerda e Partido Comunista—, independentemente do seu posicionamento ou tamanho atuais, comportam-se da mesma forma que os partidos grandes. Ou se perdem em lutas internas pelo poder ou, pior, preferem acreditar em sombras ideológicas que já não mobilizam a sociedade. São apenas organizações clientelistas;

5. Os novos partidos "moderados" —a Iniciativa liberal e o PAN—, mesmo com boas ideias de mudança, comportam-se como oportunistas da política e não manifestam nenhuma ambição de governar. Nenhum diz que quer ser primeiro-ministro;

6. Os eleitores portugueses estão desiludidos com os políticos "normais", mas… enquanto antes não existia alternativa e a abstenção crescia na imbecilidade do voto útil, hoje alguém a reclama com convicção;

7. Nem mesmo em plena época pré-eleitoral algum dos "suspeitos" de costume se dá ao trabalho de disfarçar que o mais importante é o seu futuro pessoal. O país pouco lhes interessa;

8. Se se instalar a ideia de que essa mudança radical pode acontecer, ela vai acontecer mesmo. Não é a lei de Murphy, a quem Trump e Bolsonaro tanto devem, a demonstrar essa tese e seu corolário?;

9. Instalou-se em Portugal a ideia de que, no atual estado de coisas, essa vitória radical pode ser até um mal necessário.

10. As empresas de pesquisa em Portugal, devido à exiguidade do mercado, são tecnicamente deficitárias, pouco independentes e alinhadas com os poderes tradicionais, contribuindo para a cegueira coletiva. Em vez de contar o que o povo pensa, querem ajudar o povo a pensar. Também por isso têm errado muito os resultados.

Com uma eleição antecipada marcada para daqui a dois meses e uma crise institucional em curso, 2024 apanha os políticos tradicionais despreparados.

Feliz ano de 2024 a todos os assinantes e leitores da Folha.

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