sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Bomba-relógio, Luís Francisco Carvalho Filho, FSP

 A tentativa de detenção de Guilherme Boulos (PSOL) por policiais militares durante ato de campanha em São Paulo é sinal aparente da corrosão política que o governo de Jair Bolsonaro patrocina no Brasil. Boulos não é apenas candidato a deputado federal, é ativista de esquerda, com notória carreira voltada para a reforma urbana e para o direito à moradia. O recado é claro.

Agentes da segurança recebem estímulos do próprio presidente da República para transformar a divergência ideológica, raiz da democracia, em caso de polícia. Por isso, pequenos desmandos tornam-se rotina.

Em redes sociais, soldados da PM postam, sem medo de punição, frases como "cacete, bala e bomba nesses esquerdas". Um certo coronel Washington Lee, bolsonarista que se declara descendente de samurai, deputado estadual no Paraná, acha "interessante" a ideia de militares tomarem o poder por um golpe de Estado.

Presidente Jair Bolsonaro posa para foto com vários policiais militares
Com o discurso de legitimação da letalidade policial e de defesa da impunidade para abusos contra direitos humanos, Jair Bolsonaro estabelece uma situação de inegável conforto para as tropas - Isac Nóbrega - 4.ago.22/PR

O que aconteceu com o coronel Aleksander Lacerda, militante bolsonarista e comandante da PM em Sorocaba, afastado por Doria em agosto de 2021, por atacar autoridades federais não alinhadas ao ideário fascista de Jair Bolsonaro? Está preso? Foi expulso? Ou, "arrependido", permanece na corporação, em algum "Estado-Maior Especial", recebendo salário e conspirando contra a democracia?

O que aconteceu com o patético e suspeito general Eduardo Pazuello que, na ativa, desrespeitou os regulamentos militares e participou de ato político-partidário? Nada. É candidato bolsonarista no Rio de Janeiro.

Segundo reportagem do UOL, em Jundiaí, interior de São Paulo, oficiais instruem a tropa a votar em Jair Bolsonaro e na figura também repulsiva de Tarcísio de Freitas.

PUBLICIDADE

A politização das PMs faz parte de um processo complexo e gradual, que evidentemente não se inicia em 2018, mas a figura nefasta de Jair Bolsonaro, com o discurso de legitimação da letalidade policial e de defesa da impunidade para abusos contra direitos humanos, estabelece uma situação de inegável conforto para tropas vocacionadas para a violência e para o racismo.

Cresce a chamada bancada da bala no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas. Governadores são omissos e convivem com a insubordinação. A Justiça Militar reafirma periodicamente sua tolerância infinita.

O recente informe "Policiais, Democracia e Direitos", publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, merece uma leitura pessimista. Se os resultados globais indicam adesão majoritária dos profissionais de segurança pública à "democracia", há indicadores alarmantes.

Estima-se que entre 15% e 40% dos respondentes "podem ser considerados radicalizados ou potencialmente radicalizáveis, a depender da conjuntura política e institucional". Estes são os que "não discordam ou relativizam um golpe de Estado".

Se Jair Bolsonaro é considerado legítimo representante do povo, da família e dos cristãos, líder democrata perseguido pelo autoritarismo infame e patife do Supremo Tribunal Federal, vítima do arranjo fraudulento das urnas eletrônicas, a mobilização de forças de segurança em favor de ruptura institucional não parece algo distante ou surpreendente.

Mesmo que seja derrotado domingo ou no segundo turno, mesmo que Lula assuma a Presidência da República sem um visível trauma institucional, Jair Bolsonaro deixa bombas-relógio nos quartéis do Brasil. Desarmá-las é um dos principais desafios da nossa conturbada democracia.


KPS consegue liminar e pode operar térmicas suspensas pela Aneel, FSP

 

BRASÍLIA

A KPS (Karpowership Futura Energia), empresa turca da área de energia, recorreu a uma liminar para concluir o processo que libera a operação comercial de 2 das suas 4 térmicas a gás que haviam sido suspensas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O despacho que autoriza a operação foi publicado no DOU (Diário Oficial da União) desta sexta-feira (30).

Os quatro projetos originais totalizam 560 MW de potência instalada, o suficiente para abastecer 2 milhões de pessoas.

A Aneel autorizou o funcionamento de Karkey 019 e Porsud 1. Os projetos são térmicas flutuantes, modelo conhecido como powerships, e estão no Porto de Itaguaí, na Baía de Sepetiba (RJ).

Barcos pesqueiros na Baía de Sepetiba (RJ); região foi escolhida para receber térmicas flutuantes - 28.08.15 - Rony Maltz/Folhapress

As usinas da KPS estão entre os 11 projetos que venceram o PCS (Procedimento Competitivo Simplificado), mas não entraram em operação até o prazo final, 31 de julho. No total, 17 projetos foram habilitados no certame realizado em outubro do ano passado.

A liminar garantiu a liberação de documentação da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) atestando que a KPS está adimplente (pré-requisito para o regulador liberar a operação). A medida também suspendeu o pagamentos de multas pelo atraso dos projetos, que já somam quase R$ 600 milhões.

Em nota enviada à reportagem, a companhia declarou que "segue os trâmites administrativos, cumpre todas as normas e demandas das autoridades, respeitando a legislação brasileira. O projeto está pronto para operar com tecnologia de ponta e segue altos padrões internacionais de sustentabilidade".

PUBLICIDADE

O PCS foi realizado para contratar uma espécie de seguro-apagão. As térmicas deveriam operar de 1º de maio de 2022 a 31 de dezembro de 2025 para poupar água nos reservatórios das hidrelétricas. Como o prazo para a construção era curto, foi oferecido como incentivos um alto preço pela energia gerada, R$ 1.560 o MWh (megawatt-hora).

Foi estimado que custariam R$ 39 bilhões aos consumidores nos poucos mais de três anos em operação.

A título de comparação, caso essas usinas não tivessem o contrato do PCS e entrassem em operação hoje, elas receberiam R$ 55 pelo MWh, o preço no mercado à vista.

Como o risco de racionamento foi afastado e o custo dessas térmicas vai pesar na conta de luz, entidades do setor reivindicaram a suspensão do contrato das usinas que não cumprissem o prazo.

Na primeira semana de agosto, a CCEE notificou todos os empreendimentos atrasados e pediu explicações. As empresas têm direito a apresentar justificativas para o atraso e solicitar a prorrogação, via um mecanismo chamado de excludente de responsabilidade. Todas as 11 usaram o expediente.

A Aneel já negou 5 deles, sendo 4 da KPS, revogando as autorizações para a implantação das usinas. A KPS, no entanto, pediu a revisão da decisão na Aneel, e ela foi suspensa. Isso abriu espaço para a empresa cumprir o procedimento burocrático e acionar dois dos empreendimentos. Em paralelo, usou o instrumento da liminar para finalizar o processo de liberação da operação comercial.

A KPS também teve problemas com o licenciamento ambiental dos projetos. Atendendo a pedidos de organizações de defesa do meio ambiente, a Justiça do Rio chegou a suspender a implantação das usinas em julho. Os ambientalistas destacaram que a área de mangue nas proximidades das térmicas flutuantes servia como criadouro de peixes e crustáceos, sustentando a maior comunidade de boto-cinza do estado.

Há quase dois meses a diretoria da Aneel mantém em suspenso as discussões sobre as térmicas do PCS, deixando os projetos numa espécie de limbo regulatório, avaliam especialistas. Enquanto os contratos do PCS não forem rescindidos, fica valendo esse valor casos as usinas sejam acionadas a qualquer tempo.

"A Aneel precisa julgar os excludentes e rescindir os contratos quando avaliar que não há justificativa para o atraso", diz Vitor Iocca diretor de energia da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres). "Sem isso, a agência mantém um ambiente de incerteza, pois não sabemos quantas vão conseguir o excludente e quanto isso vai custar para o consumidor de energia."

Alvaro Costa e Silva - Eleição com armadilhas e suspense até o fim, FSP

 Angústia demais, emoção de menos. Uma irritante estabilidade tem marcado a campanha presidencial desde agosto: nem Lula nem Bolsonaro se movimentaram nas pesquisas além da chamada margem de erro. Se bem que o primeiro cresce, pontinho a pontinho, enquanto o segundo está estagnado, com a cabeça batendo no próprio teto. O voto útil, o voto envergonhado ou amedrontado e a abstenção de sempre vão decidir a parada.

O empenho de Lula pela vitória no primeiro turno é garantia de suspense até o fim. Aos poucos, o ex-presidente formou uma onda, uma frente eclética, com significativas adesões de última hora, um leque vermelho que vai de FHC e Joaquim Barbosa a Xuxa e Angélica. O que pode atrapalhar é o salto alto de alguns petistas.

Encurralado e abandonado até por aliados do centrão, Bolsonaro recebeu o reforço de Neymar e voltou a praticar o antijogo democrático: falsas mensagens sobre urnas e pesquisas, notas apócrifas, teorias da conspiração sobre o TSE, patriotadas, baixarias. A primeira-dama propôs um "jejum pelo Brasil", mas nem precisava: três em cada dez famílias já passam fome.

A expectativa de que o debate na Globo —que começou tarde da noite e terminou de madrugada— pudesse mudar o resultado da eleição frustrou-se. Satisfez apenas quem gosta de memes e de programas humorísticos no estilo de "A Praça é Nossa". O ponto mais baixo foi o tal padre de festa junina, que não soma 1% no Datafolha, mas teve, em combinação com o chefe, o direito de tumultuar. O curioso é que pelo menos três candidatos só estavam ali para fazer rachadinha com Bolsonaro, que conseguiu ser o menos empolgado da turma. Lula ficou no zero a zero.

Melhor notícia: até segunda-feira (3) está proibido em todo o país o transporte de armas e munições por colecionadores, atiradores, caçadores e que tais. Só será possível lamber o cano da espingarda entre quatro paredes.