sábado, 24 de setembro de 2022

Tabacaria, Fernado Pessoa (Álvaro de Campos)

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
Álvaro de Campos

TABACARIA

TABACARIA

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,

Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é

(E se soubessem quem é, o que saberiam?),

Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,

Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,

Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,

Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,

Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.

Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,

E não tivesse mais irmandade com as coisas

Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada

De dentro da minha cabeça,

E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo

À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,

E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.

Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,

Desci dela pela janela das traseiras da casa,

Fui até ao campo com grandes propósitos.

Mas lá encontrei só ervas e árvores,

E quando havia gente era igual à outra.

Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!

E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

Génio? Neste momento

Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,

E a história não marcará, quem sabe?, nem um,

Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.

Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!

Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Não, nem em mim...

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo

Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas —

Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas —,

E quem sabe se realizáveis,

Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

O mundo é para quem nasce para o conquistar

E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.

Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,

Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.

Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,

Ainda que não more nela;

Serei sempre o que não nasceu para isso;

Serei sempre só o que tinha qualidades;

Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta

E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,

E ouviu a voz de Deus num poço tapado.

Crer em mim? Não, nem em nada.

Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente

O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,

E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.

Escravos cardíacos das estrelas,

Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;

Mas acordámos e ele é opaco,

Levantámo-nos e ele é alheio,

Saímos de casa e ele é a terra inteira,

Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;

Come chocolates!

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

Come, pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,

Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei

A caligrafia rápida destes versos,

Pórtico partido para o Impossível.

Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,

Nobre ao menos no gesto largo com que atiro

A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,

E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,

Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,

Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,

Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,

Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,

Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,

Ou não sei quê moderno — não concebo bem o quê —,

Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!

Meu coração é um balde despejado.

Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco

A mim mesmo e não encontro nada.

Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.

Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,

Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,

Vejo os cães que também existem,

E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,

E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,

E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.

Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,

E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses

(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);

Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo

E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,

E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho,

Já tinha envelhecido.

Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário

Como um cão tolerado pela gerência

Por ser inofensivo

E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,

Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,

E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,

Calcando aos pés a consciência de estar existindo,

Como um tapete em que um bêbado tropeça

Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.

Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada

E com o desconforto da alma mal-entendendo.

Ele morrerá e eu morrerei.

Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.

A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.

Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,

E a língua em que foram escritos os versos.

Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.

Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente

Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,

Sempre uma coisa tão inútil como a outra,

Sempre o impossível tão estúpido como o real,

Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,

Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),

E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.

Semiergo-me enérgico, convencido, humano,

E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los

E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.

Sigo o fumo como uma rota própria,

E gozo, num momento sensitivo e competente,

A libertação de todas as especulações

E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira

E continuo fumando.

Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira

Talvez fosse feliz.)

Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).

Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.

(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)

Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.

Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo

Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

 

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

22.09.22 | Energia solar mais acessível

 

Débora Anibolete, para o Procel Info
Rio de Janeiro - A energia solar vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil, tanto em grandes projetos como em sistemas de geração própria. De acordo com um levantamento feito pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o país acaba de bater o recorde de 19 gigawatts (GW) de potência instalada, com alta de 46% somente entre janeiro e setembro. Para quem pretende usar essa estratégia como forma de reduzir a despesa com a conta de energia elétrica, o mercado brasileiro começa a oferecer telhas solares, uma opção aos tradicionais painéis fotovoltaicos. A Eternit, que atua no setor de coberturas desde a década de 1940, vem investindo nos últimos anos na fabricação de produtos com módulos de captação de energia integrados. Nesse contexto, a fabricante desenvolveu o primeiro modelo de telha fotovoltaica de fibrocimento nacional, que já foi aprovada pelo Inmetro e passa por testes para ser disponibilizada para comercialização. O material, que vem substituindo o amianto, considerado tóxico, é um dos mais utilizados para telhados no país devido ao baixo custo e facilidade de instalação. Dessa forma, a Eternit Solar, que deverá chegar em breve ao mercado, se apresenta como uma alternativa mais viável e econômica, que pode favorecer a implantação de projetos de energia de fonte solar em construções comerciais e residenciais.

A Eternit Solar produz energia a partir de células solares localizadas no topo de sua estrutura e de um inversor fotovoltaico. O produto tem dimensão de 2,44 m X 1,10 m e formato ondulado, sendo compatível com telhas de fibrocimento comuns com o mesmo padrão. A instalação é feita como um telhado tradicional, sendo indicada para utilização tanto em coberturas já existentes, como em ampliações e novas construções. A telha tem vida útil estimada em 20 anos, possui proteção contra incêndio, ventos fortes e resistência contra chuva de granizo e vazamentos.

Segundo a fabricante, o modelo apresenta um rápido retorno de investimento e foi desenvolvido para possibilitar a utilização da energia solar em diversos tipos de edificações, como casas populares, comunidades, galpões, construções sem telhado aparente, instalações comerciais, além de projetos das áreas aviária e agrícola.
Telha foi desenvolvida para possibilitar a utilização da energia solar em diversos tipos de edificações, como casas populares, galpões, instalações comerciais e áreas agrícolas

“A Eternit Solar está alinhada à estratégia de construção de um portfólio de produtos sustentável e inovador, com o intuito de democratizar o acesso à energia elétrica originada a partir de fontes renováveis no Brasil, através de uma tecnologia revolucionária, que pode gerar retornos sobre o investimento em um período de 3 a 5 anos”, destaca o gerente de Desenvolvimento de Novos Negócios da Eternit, Luiz Lopes.

Para avaliar a aplicabilidade da tecnologia nestas estruturas, a Eternit está realizando testes com projetos-piloto para verificar questões como desempenho da telha e adequação do produto aos diferentes perfis de clientes. Após essa etapa, a empresa planeja estabelecer um cronograma para comercializar a Eternit Solar.

Telha fotovoltaica de concreto já está disponível no mercado

Recentemente, a Eternit obteve o registro de patente verde do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para o processo de fabricação dos módulos de energia solar, passando a ter exclusividade para a exploração comercial da tecnologia no território nacional. Com a obtenção da liberação, a empresa planeja expandir a patente para mais 20 países da América Latina, América do Norte, Ásia e Europa.

Além da Eternit Solar, a fabricante do setor de construção já possui outra linha de telhas com sistema de geração de energia, a Tégula Solar, feita de concreto, que começou a ser vendida em agosto de 2021. Além da matéria-prima de fabricação, os dois produtos se diferenciam, sobretudo, pelo valor – sendo a de concreto mais custosa que a de fibrocimento – , além do tamanho e públicos consumidores. A indicação para o uso de cada telha depende, entre outros fatores, do tipo de imóvel e do acabamento estético esperado para a construção.

Devido às diferenças de modelo e dimensão, as duas telhas também apresentam variação de desempenho energético. Enquanto uma telha Tégula Solar possui potência de 9 watts, a Eternit Solar alcança até 140 watts. De acordo com a Eternit, apenas 4 ou 6 telhas de fibrocimento já são capazes de atender à demanda de energia de uma residência pequena, podendo o restante do telhado ser composto por telhas comuns. Assim, a alta capacidade de geração e o menor custo da Eternit Solar tornam viáveis projetos de implantação de energia fotovoltaica inclusive em construções de baixo orçamento.
Nova telha também poderá ser utilizada em ações voltadas à redução do consumo de energia para famílias em situação de vulnerabilidade social, como as promovidas por meio do PEE da Aneel

“A economia gerada para uma telha Tégula ou uma telha Eternit é a mesma de acordo com a potência do sistema instalado. Ou seja, um sistema de 500 telhas Tégula BIG-F11 teria uma potência total de 5,5kWp, podendo gerar uma economia de até R$650,00 para um cliente em São Paulo (SP). Se formos utilizar telhas Eternit-F140, precisaríamos de 39 telhas para atender a mesma necessidade e entregar os mesmos resultados (5,5kWp com economia de até R$650,00). Com essa telha, conseguimos atingir residências com telhados embutidos, comércios, instalações rurais, industriais e até residências de baixa renda”, explica Luiz Lopes.

O gerente de Desenvolvimento de Novos Negócios da Eternit afirma ainda que a nova telha também poderá ser utilizada em ações voltadas à redução do consumo de energia para famílias em situação de vulnerabilidade social, como as promovidas por meio do Programa de Eficiência Energética (PEE) regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

“A tecnologia pode ser facilmente incorporada em projetos do tipo. Ainda não recebemos contatos de empresas interessadas, mas temos a intenção de estabelecer essas conversas”, revela Lopes.

Acusado de ligação com PCC, prefeito ameaça expor Rodrigo Garcia e irmão, OESP

 Acusado de ligação com o PCC, o prefeito de Embu das Artes, Ney Santos (Republicanos), usou suas redes sociais para ameaçar o governador Rodrigo Garcia (PSDB). O prefeito falou em “revelar detalhes” do que o irmão do tucano, Marco Aurélio Garcia, teria feito, segundo ele, “a pedido” do chefe do Palácio dos Bandeirantes.

Em uma publicação em seu Instagram, Santos afirmou que era “parceiro” e mantinha “intenso contato” com Garcia no “palácio do governo e em outros lugares”. “Ou já se esqueceu?”, indagou.

“Por que não olha para dentro de sua própria casa, como, por exemplo, para seu irmão Marco Aurelio Garcia, que deve muita explicação à polícia e ao povo paulista, ou o senhor quer que eu esponha (sic) detalhes do que ele fez ao seu pedido e ainda esta (sic) fazendo nesse exato momento?”, disse o prefeito.

Reprodução de publicação de Ney Santos
Reprodução de publicação de Ney Santos 

O irmão do governador foi condenado por lavagem de dinheiro sob a acusação de integrar a Máfia do ISS. Denunciado pelo Ministério Público de São Paulo, o grupo de fiscais da Fazenda da Prefeitura de São Paulo foi denunciado por cobrar propinas de empreiteiras. O caso chegou a ser citado pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT) durante debate entre candidatos ao Palácio dos Bandeirantes.

O prefeito de Embu das Artes virou uma arma de Garcia contra o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos). Sua propaganda eleitoral usou um vídeo do adversário dizendo a Santos que os dois vão “trabalhar juntos”. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo negou um pedido de direito de resposta feito por Tarcísio após a exibição da propaganda.

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Ney Santos foi preso duas vezes e, em 2016, chegou a ficar foragido - na época, foi deflagrada a Operação Xibalba, do Ministério Público de São Paulo. Conhecido pelos promotores como “Ney Gordo”, ele foi acusado de organização criminosa e lavagem de dinheiro para o tráfico de drogas.

Procurada, a campanha de Rodrigo Garcia não se manifestou.