A música "Deusdéti", do grupo satírico paulistano Língua de Trapo, falava do dilema existencial do militante comunista caipirão que namorava uma patricinha da capital. O refrão dizia assim: "Não pude (não pu-u-de) / Não pude (não pu-u-de) / Não pude ir jantar com você no Maqueçude".
O ano era 1985, e não havia nada mais luxuoso em São Paulo do que o hotel Maksoud Plaza. Lá se hospedavam as celebridades internacionais. Lá teve até show petit comité do Frank Sinatra.
Nunca se imaginaria a decadência que se arrastou com lentidão cruel e excruciante, até o fechamento total do hotel, anunciado hoje (7/12/2021).
Na minha infância e adolescência, o Maksoud era um passeio dos sonhos que eu nunca realizei. Não do jeito que eu queria.
O pivete que eu era queria, mais do que tudo, viajar até o topo do prédio do Maksoud no elevador panorâmico que dá para o gigantesco vão livre do saguão de entrada.
Mas meus pais me achavam pirralho demais para comer smörgåsbord, o banquete escandinavo, no restaurante Vikings –o primeiro da cidade especializado em culinária nórdica. Eu obviamente iria detestar o arenque, mas o que interessava era o elevador.
Em 1985, ano de "Deusdéti", minha irmã do meio (mais velha do que eu) me levou a um show do guitarrista Buddy Guy no mesmo 150 Night Club em que o Sinatra havia cantado. Eu tinha 15 anos, achava que conseguiria ser bluesman um dia e fiquei embasbacado. Mas não rolou o elevador.
Mais ou menos na mesma época, era tradição dos secundaristas de escolas bestas tomar café da manhã no Maksoud depois da festa de formatura.
Não lembro por que, mas meus colegas decidiram em vez disso ir ao Mofarrej (hoje da rede Tivoli), outro hotel de luxo na região da avenida Paulista.
Fui andar no elevador só muitos anos mais tarde, quando já era um adulto com certa aflição de altura. Eu trabalhava na revista VIP, da Editora Abril, e fazíamos um ensaio de moda e gastronomia no hotel –que já parecia agonizar em 2011.
A revista fazia 30 anos, e o Maksoud simbolizava o que havia de mais glamuroso na época em que a VIP começou a circular. Havia modelos com roupas retrô, num cenário que incluía comidas antiquadas. Coquetel de camarão, esse tipo de coisa.
O ensaio foi quase todo no bar Batidas & Petiscos, espaço caidíssimo do térreo (que mais tarde ganharia vida nova ao se tornar o Frank e servir ótimos coquetéis).
Em busca de um cenário alternativo, pedimos para ver algum apartamento vago. Havia muitos apartamentos vagos.
O pivete dentro de mim despertou e pediu que o quarto fosse no último dos 22 andares. Vi o chão se distanciar dos meus pés sem a emoção que eu sentiria aos 10 anos de idade.
Na suíte, outro fuén. Mobília velha –chamá-la de "antiga" seria lisonjeiro demais– carpete puído, charme zero.
Aquele era um hotel moribundo. Um lugar triste. O Maksoud meio que foi tarde, deveria ter morrido com mais dignidade. Não merecia ser lentamente assassinado pela incompetência daqueles que deveriam ter cuidado dele.