segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Aliado de Doria anula CPI que investigaria suspeitas sobre tucanos e Paulo Preto, FSP

 


SÃO PAULO

O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Carlão Pignatari (PSDB), anulou o ato de criação de uma CPI que pretendia investigar suspeitas de desvios de recursos públicos em obras das gestões tucanas no estado.

A decisão foi publicada no Diário Oficial de sábado (4), após anos de manobras de tucanos e de aliados para atrasar a instalação da comissão de inquérito.

Essa CPI tinha como principal alvo a Dersa, estatal paulista devassada por investigações que resultaram em acusações que vão de fraude em licitações e corrupção a formação de cartel.

Ao todo, foram apresentadas cinco denúncias pelo Ministério Público Federal contra o ex-diretor de Engenharia da Dersa Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto.

Além disso, a Procuradoria também denunciou o seu sucessor, Pedro da Silva, em suspeitas relacionadas a outro esquema. Ambos sempre negaram ter cometido irregularidades.

O presidente da Assembleia de SP, Carlão Pignatari (PSDB), e o governador João Doria (PSDB) em evento no Palácio dos Bandeirantes
O presidente da Assembleia de SP, Carlão Pignatari (PSDB), e o governador João Doria (PSDB) em evento no Palácio dos Bandeirantes - Reprodução/Facebook Carlão Pignatari

A justificativa de Pignatari, aliado do governador e presidenciável João Doria (PSDB), é a de que o requerimento de instalação da comissão proposto pela deputada petista Beth Sahão (hoje na suplência) não tem "exigência constitucional de caracterização de fato determinado".

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O presidente da Assembleia diz ainda que se trata de "de mera justaposição de denúncias e indícios veiculados em grandes órgãos de mídia, sem que seja possível extrair, com contornos precisos, a matéria a ser investigada pela CPI".

"Constata-se, apenas e tão somente, a mera soma de alegações genéricas de supostas irregularidades a serem apuradas como um todo, de modo a compreender sucessivas gestões do Executivo estadual, ausente de todo a necessária delimitação do objeto a ser investigado", diz o texto de Pignatari.

"Essa verdadeira 'colagem' de (supostos) fatos trazida pela justificativa nem de longe se presta, para fins da aferição do cumprimento da exigência constitucional ora examinada, a compor um quadro fático no qual se possam identificar contornos precisos, de modo a não deixar dúvidas sobre o objeto a ser investigado", completa.

O requerimento de instalação da CPI da Dersa foi protocolado no início de 2019, no primeiro ano da gestão Doria no Governo de São Paulo.

Em sua justificativa, previa "investigar improbidades e ilegalidades praticadas por agentes públicos e políticos que, por ação ou omissão, deram causa a fraude nas licitações e contratos do governo do Estado".

De acordo com Sahão, isso gerou desvios de recursos públicos "utilizando-se de empresas de fachada para lavagem de recursos de empreiteiras nessas obras viárias, por meio da atuação do Sr. Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa, no período de 2007 a 2019".

À época, tucanos se mobilizaram para impedir que a CPI fosse instalada imediatamente.

Assessores do PSDB se revezaram durante 63 horas em uma fila dentro da Casa para solicitar outras comissões de investigação à frente, já que —com raras exceções— apenas cinco comissões podem tramitar ao mesmo tempo. À época, o líder do governo era Pignatari.

A CPI da Dersa acabou prevista para o primeiro semestre de 2021, mas outra série de manobras impediu o seu começo. Ela podia ter sido constituída por Pignatari, segundo o regimento, desde abril deste ano, o que ele não fez.

Em agosto, um questionamento (instrumento formalmente chamado de questão de ordem) apresentado pelo deputado estadual Campos Machado (Avante), apoiador do ex-governador Geraldo Alckmin (de saída do PSDB), suspendeu a criação da CPI.

Campos Machado disse ter feito o questionamento por "absoluta ausência de fato determinado" na CPI.

"Investigar improbidades e ilegalidades em licitações e contratos, nessas obras viárias, não nos mostram, indubitavelmente, nenhum fato concreto, preciso ou estabelecido", disse Machado no documento protocolado à presidência da Casa.

Pignatari tinha, de acordo com o regimento, 60 dias para responder ao questionamento, mas só o apresentou na decisão publicada em 4 de dezembro, após quatro meses.

Além do ato de criação da CPI da Dersa, também foi anulada, por razão semelhante, a instalação de uma CPI que investigaria a cobrança indevida de aluguel em ocupações, proposta pelo tucano Marco Zerbini.

Paulo Preto ocupou na Dersa, durante o governo do tucano José Serra (2007-2010), os cargos de diretor de Relações Institucionais e, em seguida, de diretor de Engenharia.

Segundo as investigações, por um lado, ele conseguiu reduzir o valor de contratos do Rodoanel, mas sob promessas de beneficiar as empresas em outras contratações. Ao mesmo tempo, cobrou propina de 0,75% sobre as medições do anel viário, que seria destinada a políticos do PSDB.

atuação de Paulo Preto foi marcada por um decreto editado por Serra no início da sua gestão, que determinou a reavaliação das licitações vigentes. Nesse período, o ex-diretor fez uma série de reuniões com os consórcios que ganharam a licitação do trecho sul do Rodoanel.

Em uma delas, diz uma denúncia da Lava Jato paulista de 2018, Paulo Preto "informou que a Dersa seria responsável pela licitação das várias obras municipais" e "deixou claro que, se as empresas ‘não tivessem boa vontade na renegociação dos contratos, ele [Paulo] não teria boa vontade com as empresas no novo pacote de obras'".

As principais suspeitas contra a Dersa não pararam por aí. Também houve suspeitas de irregularidades no trecho norte do Rodoanel, cuja obra foi iniciada em 2013, na gestão Alckmin, e ainda não foi concluída.

O sucessor de Paulo Preto na Diretoria de Engenharia da Dersa à época é Pedro da Silva, que virou réu sob acusação de fraude a licitação e falsidade ideológica.

Atualmente, tramitam na Assembleia Legislativa de São Paulo uma CPI sobre irregularidades no licenciamento e monitoramento de cavas subaquáticas na Baixada Santista, uma sobre violência contra a mulher e uma sobre suspeitas de irregularidades na concessão de benefícios fiscais.

Carro híbrido a etanol será 'jabuticaba for export', diz presidente da Volkswagen, OESP

 Entrevista com

Pablo Di Si, presidente da Volkswagen América Latina

Cleide Silva, O Estado de S.Paulo

06 de dezembro de 2021 | 15h00

Chamado de ‘dinossauro’ por executivos da matriz na Alemanha, por defender um combustível que parecia ultrapassado em tempos de eletrificação mundial, o presidente da Volkswagen América Latina, Pablo Di Si, acabou convencendo o conselho mundial que o etanol é uma alternativa no processo de descarbonização para países menos desenvolvidos. Ganhou carta branca para criar um centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis que, segundo ele, poderá exportar tecnologias para países na mesma situação do Brasil. Confira, a seguir, trechos da entrevista.

Por que o sr. assumiu a tarefa de ser ‘garoto propaganda’ do etanol?

Nos últimos dois anos vi a Europa, os EUA e a China avançando muito em carros elétricos e pensava no futuro da indústria automobilística do Brasil daqui a 10, 20, 30 anos. Não acho que as empresas vão instalar fábricas de carros elétricos nessa região. Mas, quando falava de etanol na matriz, me chamavam de dinossauro, pois consideravam uma solução antiga.

O que o sr. fez para mudar essa visão?

A convite do CEO, Herbert Diess, apresentei ao conselho global os conceitos do etanol que, dependendo do carro, emite até 80% menos CO2 do que um a gasolina, quando medido o ciclo completo de produção do combustível. Mostrei que o Brasil não precisa esperar 20 anos ou mais até a eletrificação chegar para promover a descarbonização. Mais que um ‘garoto propaganda’, sou uma pessoa que acredita no País e que temos um modelo sustentável a oferecer. O conselho entendeu e colocou o biocombustível no mapa estratégico do grupo.

Pablo Di Si
Pablo Di Si, presidente da Volkswagen América Latina; executivo diz não acreditar na possibildiade de montadoras instalarem fábricas de carros elétricos no Brasil. Foto: Hélvio Romero/ Estadão - 14/3/2019

O que isso significa?

Vamos usar parte dos R$ 7 bilhões do investimento previsto até 2026 em um centro inédito de P&D para trabalhar, entre outros projetos, no desenvolvimento de carros híbridos flex, que poderão usar o etanol da cana ou outro tipo de biocombustível. Também vamos trabalhar no carro a célula de combustível extraído do etanol, projeto que espero seja concluído daqui uns dez anos. Para isso temos uma parceria com a Unicamp.

Não será mais uma ‘jabuticaba’ brasileira?

Dessa vez será uma ‘jabuticaba for export’, pois poderemos exportar motores, engenharia e tecnologia flex para países como África do Sul, Índia, Rússia e do sudeste asiático, que também vão demorar a chegar ao processo de eletrificação. Na África, por exemplo, 80% da matriz energética é gerada por carvão. Se ligar a tomada para carregar a bateria do carro, vai precisar de mais carvão, o que é um absurdo. Vários países estão aumentando o porcentual de etanol na gasolina. A Índia está perto de aprovar uma lei para uso de motores flex. No primeiro trimestre de 2022, vou para lá para ajudar a desenvolver essa nova política.

A Alemanha poderá usar uma tecnologia brasileira de célula a etanol com outro tipo de combustível?

Claro, porque será um produto flex. O conceito é usar um motor híbrido flex e se o país não tiver etanol pode colocar gasolina, por exemplo.

Outras montadoras te acompanham nessa missão?

Poucas.

Por que?

De forma genérica, a maior parte das montadoras fala que o futuro é elétrico e cada uma tem sua estratégia. A própria Volkswagen está investindo € 75 bilhões em elétricos e híbridos. Mas mostramos que também há outros caminhos. Para que investir bilhões e bilhões de dólares em carros elétricos no Brasil se já temos os biocombustíveis? Além disso, qualquer política pública tem de ter três bases: meio ambiente sustentável, social e econômica. A indústria do etanol tem as três porque gera empregos. Além disso, com o bagaço da cana, que antes era resíduo, hoje se faz biometano e biogás, ou seja, com o etanol abastecemos carros e a matriz energética.

O Brasil não vai ficar para trás no mercado de elétricos?

A importância não é o carro elétrico ou à combustão, mas que seja neutro em carbono e sustentável, e o etanol faz isso. Se o país tem uma matriz energética limpa e o consumidor quer carros elétricos, faz sentido ter uma política mais agressiva de eletrificação. No Brasil, o carro elétrico até faz sentido, pois a matriz energética é limpa, mas quando comparamos com o etanol os resultados (de emissão) são mais ou menos os mesmos. O mais vantajoso aqui é o carro híbrido flex, porque junta a boa matriz energética com o etanol. Não significa que não vai ter carros elétricos no País. Na próxima terça-feira, 7, vamos lançar dois modelos, o ID.3 e o ID.4.

No futuro o Brasil vai ter frota significativa de elétricos?

Eu sempre falo que a Volkswagen vai ter carros elétricos, híbridos e a etanol. O que temos de incentivar é o carro com a tecnologia mais sustentável. Para mim são tecnologias complementares. Imagina se o Brasil tiver de esperar a eletrificação? Pode levar 20 ou 30 anos, mas precisamos descarbonizar antes e o etanol é fantástico para esse período. Depois podemos equilibrar a demanda com elétricos e híbridos.

Mas o sr. disse que as empresas não mostram interesse em produzir elétricos aqui.

É uma opinião pessoal. Eu acho que não por causa do grande investimento necessário. Até agora não se viu nenhum anúncio na América Latina. Talvez tenha alguma coisa em CKD (conjuntos apenas para montagem local), mas estou falando em fábricas de carros, de baterias, de reciclagem de baterias. A Alemanha vive uma transformação positiva, porém com forte apoio do governo. O País tem uma visão estratégica para o setor, vai investir e gerar uma cadeia de empregos. Na Volkswagen estamos transformando fábricas de motores em fábricas de baterias, de carros a combustão em carros elétricos e estamos criando centros de reciclagem. Eu conheço um pouco a indústria brasileira e não enxergo que vai ter investimento pesado em elétricos nos próximos 10 a 15 anos. Mas posso estar equivocado, pode ser que amanhã alguma empresa faça um anúncio.