O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Carlão Pignatari (PSDB), anulou o ato de criação de uma CPI que pretendia investigar suspeitas de desvios de recursos públicos em obras das gestões tucanas no estado.
A decisão foi publicada no Diário Oficial de sábado (4), após anos de manobras de tucanos e de aliados para atrasar a instalação da comissão de inquérito.
Essa CPI tinha como principal alvo a Dersa, estatal paulista devassada por investigações que resultaram em acusações que vão de fraude em licitações e corrupção a formação de cartel.
Ao todo, foram apresentadas cinco denúncias pelo Ministério Público Federal contra o ex-diretor de Engenharia da Dersa Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto.
Além disso, a Procuradoria também denunciou o seu sucessor, Pedro da Silva, em suspeitas relacionadas a outro esquema. Ambos sempre negaram ter cometido irregularidades.
A justificativa de Pignatari, aliado do governador e presidenciável João Doria (PSDB), é a de que o requerimento de instalação da comissão proposto pela deputada petista Beth Sahão (hoje na suplência) não tem "exigência constitucional de caracterização de fato determinado".
O presidente da Assembleia diz ainda que se trata de "de mera justaposição de denúncias e indícios veiculados em grandes órgãos de mídia, sem que seja possível extrair, com contornos precisos, a matéria a ser investigada pela CPI".
"Constata-se, apenas e tão somente, a mera soma de alegações genéricas de supostas irregularidades a serem apuradas como um todo, de modo a compreender sucessivas gestões do Executivo estadual, ausente de todo a necessária delimitação do objeto a ser investigado", diz o texto de Pignatari.
"Essa verdadeira 'colagem' de (supostos) fatos trazida pela justificativa nem de longe se presta, para fins da aferição do cumprimento da exigência constitucional ora examinada, a compor um quadro fático no qual se possam identificar contornos precisos, de modo a não deixar dúvidas sobre o objeto a ser investigado", completa.
O requerimento de instalação da CPI da Dersa foi protocolado no início de 2019, no primeiro ano da gestão Doria no Governo de São Paulo.
Em sua justificativa, previa "investigar improbidades e ilegalidades praticadas por agentes públicos e políticos que, por ação ou omissão, deram causa a fraude nas licitações e contratos do governo do Estado".
De acordo com Sahão, isso gerou desvios de recursos públicos "utilizando-se de empresas de fachada para lavagem de recursos de empreiteiras nessas obras viárias, por meio da atuação do Sr. Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa, no período de 2007 a 2019".
À época, tucanos se mobilizaram para impedir que a CPI fosse instalada imediatamente.
Assessores do PSDB se revezaram durante 63 horas em uma fila dentro da Casa para solicitar outras comissões de investigação à frente, já que —com raras exceções— apenas cinco comissões podem tramitar ao mesmo tempo. À época, o líder do governo era Pignatari.
A CPI da Dersa acabou prevista para o primeiro semestre de 2021, mas outra série de manobras impediu o seu começo. Ela podia ter sido constituída por Pignatari, segundo o regimento, desde abril deste ano, o que ele não fez.
Em agosto, um questionamento (instrumento formalmente chamado de questão de ordem) apresentado pelo deputado estadual Campos Machado (Avante), apoiador do ex-governador Geraldo Alckmin (de saída do PSDB), suspendeu a criação da CPI.
Campos Machado disse ter feito o questionamento por "absoluta ausência de fato determinado" na CPI.
"Investigar improbidades e ilegalidades em licitações e contratos, nessas obras viárias, não nos mostram, indubitavelmente, nenhum fato concreto, preciso ou estabelecido", disse Machado no documento protocolado à presidência da Casa.
Pignatari tinha, de acordo com o regimento, 60 dias para responder ao questionamento, mas só o apresentou na decisão publicada em 4 de dezembro, após quatro meses.
Além do ato de criação da CPI da Dersa, também foi anulada, por razão semelhante, a instalação de uma CPI que investigaria a cobrança indevida de aluguel em ocupações, proposta pelo tucano Marco Zerbini.
Paulo Preto ocupou na Dersa, durante o governo do tucano José Serra (2007-2010), os cargos de diretor de Relações Institucionais e, em seguida, de diretor de Engenharia.
Segundo as investigações, por um lado, ele conseguiu reduzir o valor de contratos do Rodoanel, mas sob promessas de beneficiar as empresas em outras contratações. Ao mesmo tempo, cobrou propina de 0,75% sobre as medições do anel viário, que seria destinada a políticos do PSDB.
A atuação de Paulo Preto foi marcada por um decreto editado por Serra no início da sua gestão, que determinou a reavaliação das licitações vigentes. Nesse período, o ex-diretor fez uma série de reuniões com os consórcios que ganharam a licitação do trecho sul do Rodoanel.
Em uma delas, diz uma denúncia da Lava Jato paulista de 2018, Paulo Preto "informou que a Dersa seria responsável pela licitação das várias obras municipais" e "deixou claro que, se as empresas ‘não tivessem boa vontade na renegociação dos contratos, ele [Paulo] não teria boa vontade com as empresas no novo pacote de obras'".
As principais suspeitas contra a Dersa não pararam por aí. Também houve suspeitas de irregularidades no trecho norte do Rodoanel, cuja obra foi iniciada em 2013, na gestão Alckmin, e ainda não foi concluída.
O sucessor de Paulo Preto na Diretoria de Engenharia da Dersa à época é Pedro da Silva, que virou réu sob acusação de fraude a licitação e falsidade ideológica.
Atualmente, tramitam na Assembleia Legislativa de São Paulo uma CPI sobre irregularidades no licenciamento e monitoramento de cavas subaquáticas na Baixada Santista, uma sobre violência contra a mulher e uma sobre suspeitas de irregularidades na concessão de benefícios fiscais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário