Entrevista com
Pablo Di Si, presidente da Volkswagen América Latina
06 de dezembro de 2021 | 15h00
Chamado de ‘dinossauro’ por executivos da matriz na Alemanha, por defender um combustível que parecia ultrapassado em tempos de eletrificação mundial, o presidente da Volkswagen América Latina, Pablo Di Si, acabou convencendo o conselho mundial que o etanol é uma alternativa no processo de descarbonização para países menos desenvolvidos. Ganhou carta branca para criar um centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis que, segundo ele, poderá exportar tecnologias para países na mesma situação do Brasil. Confira, a seguir, trechos da entrevista.
Por que o sr. assumiu a tarefa de ser ‘garoto propaganda’ do etanol?
Nos últimos dois anos vi a Europa, os EUA e a China avançando muito em carros elétricos e pensava no futuro da indústria automobilística do Brasil daqui a 10, 20, 30 anos. Não acho que as empresas vão instalar fábricas de carros elétricos nessa região. Mas, quando falava de etanol na matriz, me chamavam de dinossauro, pois consideravam uma solução antiga.
O que o sr. fez para mudar essa visão?
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A convite do CEO, Herbert Diess, apresentei ao conselho global os conceitos do etanol que, dependendo do carro, emite até 80% menos CO2 do que um a gasolina, quando medido o ciclo completo de produção do combustível. Mostrei que o Brasil não precisa esperar 20 anos ou mais até a eletrificação chegar para promover a descarbonização. Mais que um ‘garoto propaganda’, sou uma pessoa que acredita no País e que temos um modelo sustentável a oferecer. O conselho entendeu e colocou o biocombustível no mapa estratégico do grupo.
O que isso significa?
Vamos usar parte dos R$ 7 bilhões do investimento previsto até 2026 em um centro inédito de P&D para trabalhar, entre outros projetos, no desenvolvimento de carros híbridos flex, que poderão usar o etanol da cana ou outro tipo de biocombustível. Também vamos trabalhar no carro a célula de combustível extraído do etanol, projeto que espero seja concluído daqui uns dez anos. Para isso temos uma parceria com a Unicamp.
Não será mais uma ‘jabuticaba’ brasileira?
Dessa vez será uma ‘jabuticaba for export’, pois poderemos exportar motores, engenharia e tecnologia flex para países como África do Sul, Índia, Rússia e do sudeste asiático, que também vão demorar a chegar ao processo de eletrificação. Na África, por exemplo, 80% da matriz energética é gerada por carvão. Se ligar a tomada para carregar a bateria do carro, vai precisar de mais carvão, o que é um absurdo. Vários países estão aumentando o porcentual de etanol na gasolina. A Índia está perto de aprovar uma lei para uso de motores flex. No primeiro trimestre de 2022, vou para lá para ajudar a desenvolver essa nova política.
A Alemanha poderá usar uma tecnologia brasileira de célula a etanol com outro tipo de combustível?
Claro, porque será um produto flex. O conceito é usar um motor híbrido flex e se o país não tiver etanol pode colocar gasolina, por exemplo.
Outras montadoras te acompanham nessa missão?
Poucas.
Por que?
De forma genérica, a maior parte das montadoras fala que o futuro é elétrico e cada uma tem sua estratégia. A própria Volkswagen está investindo € 75 bilhões em elétricos e híbridos. Mas mostramos que também há outros caminhos. Para que investir bilhões e bilhões de dólares em carros elétricos no Brasil se já temos os biocombustíveis? Além disso, qualquer política pública tem de ter três bases: meio ambiente sustentável, social e econômica. A indústria do etanol tem as três porque gera empregos. Além disso, com o bagaço da cana, que antes era resíduo, hoje se faz biometano e biogás, ou seja, com o etanol abastecemos carros e a matriz energética.
O Brasil não vai ficar para trás no mercado de elétricos?
A importância não é o carro elétrico ou à combustão, mas que seja neutro em carbono e sustentável, e o etanol faz isso. Se o país tem uma matriz energética limpa e o consumidor quer carros elétricos, faz sentido ter uma política mais agressiva de eletrificação. No Brasil, o carro elétrico até faz sentido, pois a matriz energética é limpa, mas quando comparamos com o etanol os resultados (de emissão) são mais ou menos os mesmos. O mais vantajoso aqui é o carro híbrido flex, porque junta a boa matriz energética com o etanol. Não significa que não vai ter carros elétricos no País. Na próxima terça-feira, 7, vamos lançar dois modelos, o ID.3 e o ID.4.
No futuro o Brasil vai ter frota significativa de elétricos?
Eu sempre falo que a Volkswagen vai ter carros elétricos, híbridos e a etanol. O que temos de incentivar é o carro com a tecnologia mais sustentável. Para mim são tecnologias complementares. Imagina se o Brasil tiver de esperar a eletrificação? Pode levar 20 ou 30 anos, mas precisamos descarbonizar antes e o etanol é fantástico para esse período. Depois podemos equilibrar a demanda com elétricos e híbridos.
Mas o sr. disse que as empresas não mostram interesse em produzir elétricos aqui.
É uma opinião pessoal. Eu acho que não por causa do grande investimento necessário. Até agora não se viu nenhum anúncio na América Latina. Talvez tenha alguma coisa em CKD (conjuntos apenas para montagem local), mas estou falando em fábricas de carros, de baterias, de reciclagem de baterias. A Alemanha vive uma transformação positiva, porém com forte apoio do governo. O País tem uma visão estratégica para o setor, vai investir e gerar uma cadeia de empregos. Na Volkswagen estamos transformando fábricas de motores em fábricas de baterias, de carros a combustão em carros elétricos e estamos criando centros de reciclagem. Eu conheço um pouco a indústria brasileira e não enxergo que vai ter investimento pesado em elétricos nos próximos 10 a 15 anos. Mas posso estar equivocado, pode ser que amanhã alguma empresa faça um anúncio.
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