A inflação da energia no Brasil é uma das maiores do mundo. Dá para dizer que é a segunda mais alta entre as maiores ou mais ricas economias, aquelas que, juntas, fazem uns 97% do PIB mundial. Perde apenas para a da rica, pacata e grande produtora de energia Noruega.
Na média dos países da OCDE, o preço da energia aumentou 15,8% em um ano, até setembro. O Brasil não tem uma estatística imediatamente comparável, mas os preços dos combustíveis domésticos (como gás) subiram 33%, os de energia elétrica 28,8% e os de combustíveis para veículos 43,7%. É medalha de prata.
A OCDE é um clube de países ricos e que aceitaram seguir certas regras econômicas ou que têm costas quentes —o Brasil quer entrar, mas ainda não tem roupa. Entre os 38 integrantes do clube, estão as economias ricas de Europa, América do Norte, Ásia e Oceania, mais México, Chile, Colômbia e Costa Rica. A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) também costuma publicar estatísticas comparáveis de China, Índia, Rússia, Brasil e África do Sul, por exemplo.
Na OCDE, a maior inflação de energia é a da Noruega (alta de 78%), com a Espanha em segundo lugar (26,8%). Nos Estados Unidos e seu mercado livre ou muito flexível, a energia ficou em média 22% mais cara.
Cartazes criticam alta de preços e governo federal - Marlene Bergamo - 2.mar.2021/Folhapress
A inflação em geral no Brasil também está no pódio de carestia dessas economias mais relevantes. Em 12 meses, perde apenas para a da Argentina (51,4%), bidu, e a da Turquia (19,3%).
Com base em dados de 46 países também compilados pela OCDE, a inflação no Brasil não foi a que mais aumentou (acelerou) do início da epidemia até agora —fica em 14º lugar, nesse quesito. Mas essa estatística simples não faz lá muito sentido sem um pouco de contexto.
A inflação argentina não acelerou, mas continuou na casa de mais de 50%, muito pior. Em outros países em que houve aceleração notável, o avanço dos preços para os consumidores saiu de algo em torno de 1% ao ano para 4% ao ano, aceleração muito maior do que a do Brasil, onde, no entanto, a inflação é mais alta e, no momento, está à beira de sair do controle. É fácil perceber que se trata de mundos diferentes.
Há um choque mundial de energia, de causas variadas. Quanto ao Brasil, a alta do preço do petróleo foi ainda multiplicada pela grande desvalorização do real, o dólar caro. A conta já cara da energia elétrica aumentou ainda mais por causa da seca.
De fevereiro de 2020, logo antes da epidemia, até este mês de novembro, o real passou pela maior desvalorização (em relação ao dólar) entre 38 moedas habitualmente acompanhadas pelo FMI. No Brasil, o dólar ficou 27,5% mais caro nesse período (média de fevereiro de 2020 contra média de novembro de 2021). Em segundo lugar, vem o sol peruano (18,4%).
Entre as moedas de países ditos "emergentes" relevantes, o real varia muito, dá saltos relativamente maiores, por causa de características (algumas ruins) de seus grandes mercados de dinheiros, em particular o de câmbio. O fato de estarmos frequentemente em salseiro econômico é muito importante, se não determinante.
A dívida pública, dos governos, no Brasil estava em nível muito alto logo antes da epidemia. Com a desgraceira humanitária e econômica que seria causada pelo coronavírus, era evidente que a dívida subiria mais. Dado ainda que o país vive a pior derrocada econômica em 120 anos de história de que se tem registro, a expectativa de aumento descontrolado da dívida ficou ainda mais forte. É um ingrediente da desvalorização cambial, que foi temperado com as pimentas podres do desgoverno da economia e da convulsão política permanente, obras de Jair Bolsonaro.
Mesmo enquanto parecia “flutuar” a 31 metros de altura durante escavações de pavimentos subterrâneos em uma obra de engenharia que chamou atenção pública, a quase centenária Capela Santa Luzia estava em um restauro. Procedimentos variados, como a retirada de camadas de tinta, revelaram as características e os afrescos originais do templo católico, que reabrirá após décadas neste sábado, 13.
O evento contará com uma celebração religiosa para convidados e autoridades, conduzida pelo arcebispo de São Paulo, cardeal D. Odilo Scherer. Fechado, o evento também marcará a inauguração do primeiro espaço do mega complexo bilionário de luxo, moda, gastronomia, hotelaria, negócios e cultura Cidade Matarazzo, implantado no antigo Hospital Umberto I, a uma quadra da Avenida Paulista, no centro expandido.
Capela Santa Luzia, construída em 1922 no complexo Cidade Matarazzo Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Esta será a primeira de uma série de inaugurações da primeira fase do complexo. A seguinte ocorrerá em 15 de dezembro, com abertura da antiga maternidade, transformada no Hotel Rosewood, de seis estrelas, e em restaurantes.
O cronograma de aberturas é paulatino até abril. Ele abrange outros espaços gastronômicos (incluindo o novo do chef Felipe Bronze), o restante do hotel (em uma torre assinada pelo premiado arquiteto francês Jean Nouvel), um espaço de eventos e o edifício de escritórios desenhado pelo escritório francobrasileiro Triptyque (em parceria com o arquiteto francês Rudy Ricciotti). O restante das inaugurações, voltadas especialmente à moda (com 70 marcas de luxo exclusivas e 69 artesãos) e cultura (incluindo um teatro multiuso com 22 horas de programação diária), ficará para 2023.
Antiga maternidade, Torre Mata Atlântica e edifício Ayahuasca são os próximos espaços a abrir na Cidade Matarazzo Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Entre as novidades planejadas, está a transformação do Parque Mário Covas em um espaço agroambiental e a instalação de uma escultura de 185 metros de comprimento no Tenente Siqueira Campos (Trianon), que poderá ser percorrida internamente pelo público para ter acesso a conteúdos sobre florestas. A concessão inclui, ainda, a Praça Alexandre de Gusmão, que terá uma temática voltada ao feminino.
As ideias foram anunciadas em um evento na COP 26, com participação do empresário francês Alexandre Allard, idealizador do projeto, e do governador paulista, João Doria. Ao Estadão, Allard falou em “ambição verde” e no desejo de fazer uma transformação na Avenida Paulista. “(Para) Virar o maior centro cultural aberto e verde do mundo.”
Arquitetura da capela tem influência de técnicas italianas Foto: Daniel Teixeira/Estadão
‘Tudo sempre começou em uma capela’
Como outras tantas cidades brasileiras, a Cidade Matarazzo também cresceu em volta de um templo católico, de acordo com comparação de Allard. “Tudo sempre começou em uma capela. A capela é um símbolo do trabalho que fizemos aqui, de mostrar que o caminho da preservação, do cuidar, é o caminho do futuro”, afirmou.
Ele se refere especialmente à grande obra de escavação que exigiu a sustentação aérea da capela por quase dois anos para a criação de oito pavimentos subterrâneos, incluindo o centro de eventos. “Todo mundo conhece as imagens da capela ‘voando’. Isso define a ambição do nosso projeto. Nós estamos aqui pra mostrar que o futuro do Brasil é o futuro da preservação.”
Capela Santa Luzia ganhou rosácea do artista Vik Muniz Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Allard considera que as soluções estruturais adotadas foram importantes também pela aplicação de técnicas pouco comuns no País. Para tanto, um dos nomes que cita como fundamentais foi o do engenheiro Mario Franco, italiano radicado no Brasil, que participou do projeto até perto do fim da vida, em 2019, aos 90 anos, e cujos cálculos feitos à mão foram guardados para o acervo visual da história da obra (que estará disponível por um app de realidade aumentada).
Durante as escavações, os trabalhos dentro da capela continuaram. “O pessoal estava cavando e a gente restaurando em cima. A estrutura nestes casos sempre mexe, mas não pode mexer muito, por isso, havia um monitoramento”, conta o arquiteto Roberto Toffoli, que liderou os trabalhos de restauro.
Vista interna da Capela Santa Luzia, construída em 1922 Foto: Daniel Teixeira/Estadão
A capela foi erguida por iniciativa de Virginia Matarazzo, cunhada do industrial Conde de Matarazzo, após a cura de um filho adoentado. Ela foi inaugurada em 1922, destacando-se pela fachada neoclássica e os vitrais art déco coloridos e geométricos, que remetem a flores, frutas e outros elementos da natureza.
Uma das características da restauração foi a manutenção das “marcas do tempo” das peças e da capela, em vez da adoção de técnicas que corrigissem o enfraquecimento das cores e outras imperfeições. O trabalho foi interpretado como de recuperação das características originais e de interrupção da deterioração (agravada ao longo das décadas por problemas de infiltração precedentes à obra), mantendo as “cicatrizes”.
Restauradores retiraram cinco camadas de tinta da fachada até chegar à característica original da capela Foto: Daniel Teixeira/Estadão
“As marcas do tempo tem uma poesia, uma essência da nossa própria humanidade. Se escondessem essas marcas, talvez com isso nós perderíamos a energia dessa história. Quando se olha a capela, com as pinturas um pouco desgastadas, transmite-se de uma maneira muito mais forte”, afirma Allard.
Na parte externa, descobriu-se, por exemplo, que o revestimento original era de uma argamassa que imitava tijolos intercalados, técnica comum na Itália há cem anos. Além disso, as paredes internas eram revestidas com a técnica “escaiola”, que dá a aparência de mármore polido, material que compunha o altar.
Capela Santa Luzia (à direita) será primeiro espaço a ser inaugurado no megacomplexo Cidade Matarazzo Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Ao mesmo tempo, durante os trabalhos de pesquisa bibliográfica e na obra da capela, descobriu-se que originalmente ela teria uma rosácea (espécie de vitral redondo) na fachada, o que foi resgatado com a criação de uma nova pelo artista Vik Muniz, inspirada em Santa Luzia. “Tem um contraste entre momentos históricos diferentes”, descreve o arquiteto Toffoli. A nova peça foi instalada onde antes havia uma marca de cruz.
A capela estará vinculada à Mitra Arquidiocesana. Segundo a Arquidiocese de São Paulo, a próxima celebração após a reabertura será a missa de Solenidade de Cristo Rei, em 21 de novembro, e as atividades pastorais serão iniciadas “tão logo seja finalizado o processo de instauração da reitoria”. A responsabilidade será do padre Maurício Matarazzo Falcão, tataraneto da Condessa Filomena Matarazzo.
Megacomplexo inclui torre com 200 árvores nativas
Com investimento de R$ 2,7 bilhões, o complexo ocupa uma área de 27,4 mil metros quadrados, onde o antigo Hospital Umberto I funcionou de 1904 a 1993 e cujas edificações são tombadas em nível estadual desde 1986. O empreendimento manteve 10 construções originais, como a Maternidade Condessa Filomena Matarazzo (de 1943), enquanto as demais foram demolidas após o conselho estadual de patrimônio mudar a resolução de proteção, que permanece para os demais espaços históricos.
Segundo Allard, cerca de 2 mil pessoas atuam hoje na obra, que envolve uma cadeia estimada de 15 mil trabalhadores diretos e indiretos. “É um trabalho de logística que ‘ufa’ (suspira), até agora não consigo entender como tudo isso está funcionando”, diz.
Antiga maternidade reabrirá em dezembro como Hotel Rosewood, restante dos quartos ficará na Torre Mata Atlântica (ao fundo) Foto: Daniel Teixeira/Estadão
No complexo, um dos principais projetos é o da Torre Mata Atlântica, do arquiteto francês Jean Nouvel, o mesmo do Louvre de Abu Dhabi e de outras obras culturais e de luxo na Europa e no Oriente Médio. O edifício foi concebido para ser uma extensão vertical das 10 mil árvores que irão compor o complexo. Ele vai abrigar mais de 200 exemplares adultos nas áreas externas (que começaram a ser plantados em setembro, incluindo ipê-roxo, araçá, aldrago e outros).
A torre tem 25 andares, com 104 quartos de hotel e 122 suítes privativas (para moradia, cujo metro quadrado é vendido a R$ 66 mil se incluir o mobiliário e a decoração elaborados pelo designer francês Philippe Starck, sendo que as unidades têm de 112 a 519 metros quadrados). Ela inclui, ainda, jazz bar, terraços, salão de bailes e outros espaços, parte deles abertos ao público.
Edifício Ayahuasca é envolto em cipós de cimento, que serão cobertos por plantas trepadeiras Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Outro destaque arquitetônico é o Edifício Ayahuasca, cuja fachada está recoberta de cipós gigantes de cimento, que serão cobertos por plantas trepadeiras até a inauguração. O desenho desta parte do prédio é do arquiteto francês Rudy Ricciotti, o mesmo do Museu das Civilizações da Europa e do Mediterrâneo (MuCEM), na França. Ao todo, o espaço tem cinco lajes de escritórios, que poderão abrigar empresas e ONGs.
Há, ainda, o desenvolvimento de um aplicativo de rede social, com troca de informações e interatividade a respeito de temas alinhados com as propostas do complexo, como sustentabilidade, bem-estar, alimentação saudável e cultural. “Vai juntar uma comunidade hoje pulverizada”, descreve Allard.
Capela foi sustentada a 31 metros de altura Foto: Acervo Cidade Matarazzo
O desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, eleito corregedor-geral do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que sua meta é unir magistrados de primeiro grau e desembargadores. Segundo ele, o Poder Judiciário “só sobreviverá e ultrapassará os ataques que vem sofrendo se estiver coeso e unido”.
“Vou procurar, dentro das minhas forças e com o auxílio dos meus colegas do Conselho Superior da Magistratura, uma união efetiva entre os dois graus de jurisdição”, prometeu Garcia.
Garcia disse que espera contar com a Apamagis (Associação Paulista de Magistrados), da qual foi secretário, “para que essa união efetivamente aconteça”. Ele se dirigia à juíza Vanessa Mateus, presidente da associação, que acompanhou a solenidade ao lado de Pinheiro Franco. A Apamagis tem mais de 3.000 associados, representa toda a magistratura paulista. É a maior entidade regional de magistrados da América Latina.
Além do aceno aos magistrados de primeiro grau –a quem Garcia se referiu como “guerreiros”– a presença de Vanessa na cerimônia sugere algum avanço na corte, criticada em gestões anteriores por manifestações de machismo. (*)
Para conduzir o maior tribunal estadual do país no próximo biênio foram eleitos apenas homens (há três juízas na chapa vencedora para a direção da Escola Paulista da Magistratura, liderada pelo desembargador José Maria Câmara Júnior).
Ao anunciar o resultado das eleições, Pinheiro Franco disse que Vanessa “promoveu um trabalho extraordinário” de integração à frente da Apamagis”: “ela, com o braço político e social, e o tribunal, com o braço jurisdicional e administrativo”.
O presidente eleito, Ricardo Mair Anafe, elogiou a atuação da presidente da Apamagis junto ao Congresso Nacional e à Assembleia Legislativa. Guilherme Strenger, eleito vice-presidente, disse que Vanessa continuará a conduzir a Apamagis, “por sua brilhante gestão nesse biênio”. As eleições na Apamagis ocorrerão no próximo dia 20.
O desembargador Artur César Beretta Silveira, eleito presidente da Seção de Direito Privado, disse que Vanessa “estará concorrendo a reeleição e será com certeza eleita, não porque não tem concorrente, mas sim pela grandeza de seu trabalho realizado na Apamagis até este momento”.
A primeira manifestação do TJ-SP favorável à maior participação dos juízes de primeiro grau aconteceu em 2014. O então presidente José Renato Nalini afirmou ser “muito simpático à ideia de eleições diretas nos tribunais”.
A declaração de Nalini foi feita ao receber juízes da Apamagis que acompanhavam Jayme Martins de Oliveira Neto, primeiro juiz de primeiro grau a presidir a associação. A Apamagis era considerada uma extensão do tribunal, tradicionalmente presidida por juízes de segunda instância e desembargadores.
“Queremos uma gestão participativa, com corresponsabilidades dos juízes de primeiro grau”, afirmou Jayme Oliveira. A Apamagis continua defendendo eleições diretas.
Desde a primeira gestão de um juiz de primeira instância, a Apamagis eliminou as festas de final de ano com sorteios de automóveis, cruzeiros marítimos e equipamentos eletrônicos oferecidos por empresas privadas.
Vanessa Mateus foi a primeira mulher eleita para a diretoria executiva da Apamagis. Participou das duas gestões de Jayme Oliveira, reeleito em chapa única. Ela bateu o recorde de votação na última eleição, mesmo tendo candidatura única.
Natural de Santos, Vanessa Mateus formou-se em Direito pela Universidade Católica de Santos em 1997. Ingressou na magistratura em 2000, mesmo ano em que se associou à Apamagis.
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(*) Membros do Órgão Especial foram deselegantes com uma desembargadora que questionou números do orçamento e contratos milionários suspeitos. Quando ela iniciou a carreira como juíza, um corregedor a criticou porque sorria muito. Ele era contra mulheres na magistratura. “Mulheres servem para cuidar da família, procriar e pilotar o fogão”, disse.