quinta-feira, 11 de novembro de 2021

BBC News Brasil SUSTENTABILIDADE Clima: como reduzir o impacto dos seus hábitos no meio ambiente, de roupas a comida, FSP

 Camilla Costa

SÃO PAULO | BBC NEWS BRASIL

Com que frequência você lava suas calças jeans? Quando viaja de avião, são viagens longas? Prefere comprar tomates embalados, avulsos ou em conserva? Quantas vezes por semana você come carne?

As perguntas soam, a princípio, muito específicas. Mas são essenciais para entender o rastro que seus hábitos de consumo e escolhas individuais deixam no planeta.

Foi em uma conversa com o marido, no sofá de casa, que a designer industrial e escritora holandesa Babette Porcelijn percebeu que, apesar de ser especialista na cadeia produtiva de produtos industrializados, não entendia exatamente qual era o impacto do seu estilo de vida no planeta.

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"Ele me contou que os 16 maiores navios porta-contêineres do mundo juntos emitem a mesma quantidade de enxofre que todos os carros que circulam no mundo! E que perdíamos cerca de 27 milhões de árvores por dia por causa do desmatamento", disse à BBC News Brasil.

"Isso mudou minha maneira de ver nosso impacto ambiental, porque eu achava que estávamos fazendo um ótimo trabalho, pelo menos aqui na Holanda".

Ao pesquisar sobre o tema, Porcelijn percebeu que pelo menos em países ricos como Holanda e Estados Unidos menos de 20% da "pegada ecológica" de cada ser humano é perceptível no dia a dia.

O resto está embutido no ciclo de vida de produtos e serviços –da extração de matérias-primas, passando pelo transporte, até o descarte.

Conseguimos refletir, por exemplo, sobre a energia elétrica gasta para carregar nossos celulares, laptops e outros aparelhos eletrônicos.

Mas falamos pouco sobre as consequências da mineração dos metais necessários para produzi-los ou a quantidade de água utilizada nesse processo.

A principal revelação da pesquisa, conta Porcelijn, é que "o maior impacto ambiental não é causado exatamente pelos carros que dirigimos ou pelo ar-condicionado das casas e, sim, por produtos que consumimos –livros, eletrônicos, roupas, alimentos". Pelo menos na Holanda e nos Estados Unidos.

O resultado do estudo foi compilado no livro "Hidden Impact" ("Impacto oculto", em tradução livre), no qual a autora também dá dicas de como reduzir, de forma prática, o impacto provocado pelas escolhas cotidianas. E sem que seja preciso, necessariamente, mudar radicalmente de hábitos da noite para o dia.

Desde então, a holandesa se dedica em tempo integral a projetos de consultoria e análises de impacto ambiental. Ela esteve em São Paulo, em 2017, para participar do evento What Design Can Do ("O que o design pode fazer", em tradução livre).

COMO CALCULAR?

O que Porcelijn considera como impacto é composto de elementos como uso da água e da terra, desmatamento, mineração e processamento de matérias-primas, esgotamento de recursos naturais, perda de biodiversidade, emissões de gases de efeito estufa, lixo e uso de combustíveis fósseis.

"O que eu quero fazer é monitorar todo o sistema e incluir todo tipo de impacto. Não só no clima, mas também na natureza, na biodiversidade, todo tipo de poluição", explica.

"Eu não conseguia encontrar esses dados em lugar nenhum, o que achei muito esquisito. É esse o tipo de coisa que queremos e precisamos saber. Eu tive que ir muito fundo na pesquisa e contratei empresas especializadas para me ajudar."

Para calcular o impacto da carne, por exemplo, é preciso levar em conta a produção de alimento para o gado e o desmatamento causado para criar o pasto.

Para saber o real impacto de um carro, é necessário incluir a poluição causada pela mineração dos metais utilizados.

No caso de uma calça jeans, deve-se considerar a água utilizada na produção de algodão e também na lavagem do tecido.

A pesquisadora e designer criou uma ferramenta que permite calcular o seu próprio impacto, disponível aqui (em holandês, pode ser traduzida para o português pelo navegador Chrome).

A tarefa parece impossível e, de fato, a escritora holandesa reconhece que ainda há muito a ser calculado.

"Quando eu procurei especialistas, eles me disseram que nenhum método científico atual inclui todos os tipos de impacto. Mas como podemos superar o maior desafio dos nossos tempos se não conseguimos investigá-lo de verdade?", questiona.

"Resolvi seguir em frente assim mesmo."

Por isso, ela explica, os cálculos utilizados em seu método são aproximados.

Para efeito de comparação, a designer fez os mesmos cálculos para a Holanda e para os Estados Unidos, quando conseguiu obter as informações.

"É meio chocante, porque lá tudo é o dobro", diz.

Babette Porcelijn diz que não é preciso ser radical para reduzir pegada ecológica individual
Babette Porcelijn diz que não é preciso ser radical para reduzir pegada ecológica individual - Johannes Abeling Photography

Ela conta que está, no momento, procurando empresas que a ajudem a fazer as mesmas estimativas para o Brasil.

A pedido da BBC News Brasil, ela adaptou alguns gráficos produzidos durante a sua pesquisa e converteu os dados para as unidades de medida brasileiras.

CONSEQUÊNCIAS 'SURPRESA'

Ao escolher estudos de caso para exemplificar o impacto oculto do nosso consumo, Porcelijn diz ter se surpreendido com dados que desafiavam o senso comum a respeito do tema.

No exemplo da calça jeans, ela descobriu que o maior prejuízo ao meio ambiente está escondido no cultivo de algodão. Mas o uso de máquinas de lavar e de secar, que costuma não ser considerado, emite cerca de 12,5 kg de CO2 por lavagem, além do gasto de ao menos 50 litros de água.

No caso dos alimentos, a pesquisa revelou que frutas e legumes em conserva ou transformados em molhos, como o tomate, podem ter menos impacto ambiental do que os frescos.

A autora explica: normalmente, o impacto da produção de vegetais no ecossistema é pequeno, incluindo eventuais embalagens plásticas. O problema se encontra, no entanto, no desperdício que acontece do momento da colheita até a chegada ao prato do consumidor.

"Perder um tomate tem um impacto muito mais negativo do que comprar tomates embalados. A embalagem na verdade, se não for excessiva, pode ser boa, se considerarmos que ela impede a perda", diz.

Mais de um terço da comida produzida nunca chega ao seu prato. No caso das frutas, legumes e verduras, a perda chega a 50% das colheitas. Por isso, as conservas –que são feitas com vegetais frescos logo após serem colhidos e têm perda menor– acabam sendo mais vantajosas para o meio ambiente.

Parte desse não aproveitamento acontece em casa, com a comida que estraga na geladeira ou é deixada no prato. Porcelijn calculou também esse impacto: se não desperdiçássemos nenhum alimento, nossa pegada ecológica diminuiria cerca de 15% para comida em geral e até 17% considerando só os vegetais.

Uma das dicas da designer industrial é fazer um calendário com as frutas, legumes e verduras de cada estação e procurar comprá-los de produtores locais localizados a até 2.000 quilômetros de distância, para diminuir o impacto do transporte. Se quiser algum que esteja fora de época, cujo impacto para produzir é maior, prefira a conserva.

Outra boa ideia, segundo Porcelijn, é comprar produtos que estejam perto do vencimento e consumi-los rapidamente, para evitar que o supermercado jogue no lixo. E vale a pena ficar de olho em embalagens excessivas.

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Os meios de transporte também foram computados no cálculo de Porcelijn, com mais uma revelação surpreendente: caso a intenção seja diminuir realmente o seu impacto negativo no mundo, vale reduzir as viagens longas de avião.

Apesar de, no total, carros poluírem mais por quilômetro rodado que aviões, os especialistas consultados pela designer ressaltam que a possibilidade de viajar de avião aumentou as distâncias que percorremos.

Por isso, eles fizeram uma comparação entre diferentes meios de transporte para uma viagem de 6,5 horas. O resultado: aviões poluem mais, pelo menos em viagens mais longas. Para outro estado pode valer a pena. Mas férias em outro país? Pense no impacto, sugere Babette Porcelijn.

Caso você realmente não queira abrir mão de viajar, vale calcular o plantio de árvores necessário para compensar as emissões pela duração do voo, ou apoiar alguma organização que faça esse trabalho.

POR ONDE COMEÇAR?

A designer holandesa também se especializou em dar dicas para tentar mitigar a pegada ecológica de cada um, sem que isso tenha que significar adotar uma vida "ecoréxica", segundo ela.

"Para mim, é importante começar pelas coisas grandes, que causam mais impacto. Mudá-las é mais eficiente", afirma.

Desde que se debruçou sobre o tema, Porcelijn inseriu algumas dessas mudanças na rotina de sua família.

"Só compro o que realmente preciso e, se eu puder, de segunda mão, especialmente roupas; parei de comer carne e também não tenho mais carro e não pego aviões, a não ser que isso seja para fazer mais bem do que mal. Estou indo de avião para São Paulo porque acho que alcançar pessoas aí e eventualmente ajudá-las a mudar suas vidas faz mais bem do que mal", afirma.

"Nas férias, viajamos muito de bicicleta. É uma aventura incrível e nossos filhos também adoram. A família ficou mais próxima."

A designer acredita que deixar de comer carne - o alimento mais poluente - pode ser mais prioritário para o meio ambiente do que deixar de ter um carro.

"Na Holanda certamente esse é o caso, e pelo que ouço do Brasil, também", diz.

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O primeiro passo, segundo ela, é tornar-se sustentável e reduzir o impacto relativo aos seus hábitos pessoais.

De acordo a ONU, a população da Terra será de cerca de 10 bilhões de pessoas em 2050, caso o ritmo de crescimento se mantenha.

Já a economia global em 2050 será 2,7 vezes maior do que em 2017, segundo a consultoria PricewaterhouseCoopers. E, de acordo com a ONG Global Footprint Network, a população atual vive como se tivesse os recursos de 1,6 planeta Terra.

De acordo com o cálculo de Porcelijn, usando as duas estatísticas, chegaríamos a 2050 precisando de 4,3 Terras para sustentar nosso estilo de vida.

"Se vivermos de acordo com os limites do nosso planeta, já seremos sustentáveis", afirma.

No caso do Brasil, cuja população vive como se tivesse 1,8 planeta Terra, viver no limite seria reduzir o impacto médio total para cerca de metade do que ele é atualmente.

Para quem pretende ir mais além, ser "econeutro" envolve fazer compostagem, plantar árvores, investir em energia renovável e apoiar financeiramente organizações ambientais, por exemplo.

O nível três, "ecopositivo", significa trabalhar para que sua influência na mudança de hábitos das pessoas ao seu redor –em casa, no trabalho e em outros grupos– seja maior do que seu impacto no mundo como consumidor.

MENOS É MAIS

O impacto negativo está, inevitavelmente, em todos os produtos que consumimos e atividades que praticamos. A holandesa ressalta, no entanto, que a mudança não deve assustar.

"O truque é: mesmo que você ainda faça tudo o que normalmente faz, faça menos. Por exemplo, pode comer a metade de uma porção de carne, e não essas enormes. Ou não comer todo dia, mas só uma vez por semana", diz.

"Depois de começar a adotar essas reduções, pode escolher opções que tenham menos impacto. No caso da carne, por exemplo, a bovina tem o maior impacto. Frango já seria melhor."

Para Porcelijn, também é preciso combater o mito de que "tudo o que é orgânico é melhor" na hora de mudar o estilo de vida.

"A carne orgânica, por exemplo, nem sempre é a melhor escolha. Os dados que recolhi mostram que os animais vivem mais, mas geralmente têm um rendimento menor e necessitam de mais espaço e mais alimento, que é o fator mais poluente", explica.

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"Ainda precisamos fazer com que a produção de orgânicos seja algo muito mais eficiente do que é. E também melhorar a agricultura e pecuária intensivas. Acho que os dois processos deveriam ser combinados e teríamos um bom resultado. Até lá, tenha cuidado."

A escolha do material das roupas também é importante.

"Eu achava que roupas sintéticas seriam melhores, porque a produção delas é menos poluente do que as de algodão, lã ou seda. Mas o problema é que, quando você lava, os tecidos sintéticos liberam microplásticos na água", explica.

"Se você sabe que determinado tecido é produzido de maneira menos poluente, ótimo. Mas é melhor comprar menos roupas, do que simplesmente mudar para roupas orgânicas."

Críticos afirmam que a ideia de abrir mão de tantos produtos e atividades ainda é elitista –já que, em sua maioria, produtos orgânicos ou sustentáveis costumam ser mais caros.

A autora diz, no entanto, que são as pessoas com maior renda que devem, de fato, se preocupar mais com seus hábitos.

"Quanto mais dinheiro você tem, mais impacto pode comprar. Então os ricos devem estar mais atentos a isso do que os pobres. E, de modo geral, percebo que minha vida é bem mais barata com o novo estilo que adotei."

"Tento dizer quais mudanças seriam as mais eficientes. Mas não julgo o comportamento das pessoas. Só acho que não temos tempo a perder."

Este texto foi publicado originalmente em 27 de novembro de 2017 e atualizado em novembro de 2021 com novos dados.


Audiência que permite a preso relatar tortura policial 'desaparece' na pandemia, FSP

 Fernanda Mena

SÃO PAULO

Suspensas em grande parte do Brasil desde o início da pandemia, em março do ano passado, as audiências de custódia vêm sendo retomadas de maneira gradual e intermitente em meio a um intenso debate sobre sua virtualização por meio do uso de videoconferência.

Com a paralisação e a virtualização, o número desse tipo de audiência despencou de 222 mil em 2019 para 66 mil em 2020. Até junho deste ano, houve apenas 19 mil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Segundo relatório da Rede de Justiça Criminal, lançado na tarde desta quinta-feira (11), o processo de tornar essas audiências remotas significa, na prática, seu desmonte.

Preso é ouvido em sala em audiência de custódia
Preso é ouvido em audiência de custódia por meio de vídeo no Maranhão - Divulgação/Tribunal de Justiça do Maranhão

"Durante a pandemia, houve várias iniciativas do Judiciário e do Legislativo para que as audiências de custódia fossem flexibilizadas e realizadas por videoconferência", diz Janine Salles de Carvalho, secretária-executiva da Rede de Justiça Criminal.

"Entramos numa batalha para que esse instituto não fosse virtualizado porque isso compromete a sua finalidade. Não dá para detectar tortura por meio de uma tela."

Criada em 2015 para assegurar direitos fundamentais de pessoas presas, a audiência de custódia consiste na apresentação perante o juiz, em até 24 horas, de quem foi preso em flagrante ou por mandado de prisão.

Acompanhada de advogado ou defensor, a pessoa presa é ouvida pelo juiz, que pode manter sua prisão, convertida em preventiva, ou substituí-la por medidas cautelares, ou libertá-la, além de verificar se existem sinais ou relatos de tortura ou de maus-tratos.

Sua implementação responde a questões como o encarceramento em massa no Brasil, que tem a terceira maior população prisional do planeta, a superlotação do sistema prisional e o alto percentual de pessoas presas provisoriamente, sem uma condenação.

As audiências regulam a porta de entrada do sistema carcerário e são apontadas como principal fator de contribuição para a queda de 11% no número de presos provisórios, que representavam 37% da população carcerária em 2015 e 30% em 2019.

A redução evitou 277 mil prisões desnecessárias e uma economia de pelo menos R$ 13,8 bilhões aos cofres públicos pela eliminação da necessidade de novas vagas, sem considerar custeio.

As denúncias sobre maus-tratos praticados por policiais no momento da prisão mais do que dobraram desde que as audiências de custódia foram instituídas, passando de 2,4% dos casos em 2015 para 6,2% em 2019.

Estudos indicam, no entanto, que há subnotificação de violências sofridas no ato das prisões. Ocorrências de 13 cidades monitoradas sob supervisão do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) apontaram que quase 24% das pessoas presas afirmaram ter sofrido violência por parte de agentes policiais.

Levantamento feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro com base em dados do CNJ apontou para o impacto da suspensão das audiências presenciais.

De março a agosto de 2020, apenas 0,83% dos autos indicavam a ocorrência de tortura, contra 38,3% de denúncias de maus-tratos feitas durante audiências de custódia presenciais entre setembro de 2017 e de 2019.

Foi o caso de Marta (nome fictício), apresentada a um juiz poucos dias depois da retomada das audiências de custódia presenciais no Rio, em agosto de 2020. Ela inicialmente negou ter sofrido maus-tratos, ainda que exibisse uma postura acuada e um ferimento na cabeça.

Desconfiado, o juiz pediu que todos saíssem da sala, menos a promotora e a defensora. Explicou a Marta que o sigilo das informações seria garantido. Mais segura, ela relatou, entre lágrimas, que oito policiais haviam invadido e revirado sua casa, agredido e ameaçado em busca de drogas.

"Esse caso é bem ilustrativo da importância de ter audiências de custódia presenciais, porque o juiz pode transmitir a ela uma segurança que é impossível de ser passada por uma tela", avalia Mariana Castro, coordenadora do núcleo de audiências de custódia da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

"Sozinha numa sala, sem saber se há alguém escutando atrás da porta ou de uma parede fina, e se sofrerá alguma retaliação assim que a câmera for desligada, a denúncia fica mais difícil."

Segundo a defensora, é comum que vítimas de maus-tratos se apresentem intimidadas, assustadas, traumatizadas ou até mesmo envergonhadas. "É imprescindível que o magistrado tenha contato direto com a pessoa porque há nuances e sutilezas, de postura, de tom de voz, que não podem ser percebidos adequadamente através de telas."

O uso de videoconferência para audiências de custódia durante a pandemia de Covid chegou a ser vetado em maio de 2020 pelo então presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli. Ele argumentou que instrumentos internacionais —o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos— ressaltam o direito de presença.

Em setembro de 2020, o ministro Luiz Fux, já presidente do CNJ, mudou o entendimento e editou resolução que regulamenta a videoconferência durante a pandemia, com o uso de mais de uma câmera ou de câmera 360 graus dentro da sala, além de uma câmera externa à sala.

No Legislativo, a restrição constava do chamado pacote anticrime (lei 13.964/2019), mas o parágrafo que proibia o uso de videoconferência em audiências de custódia foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em abril de 2021, o Congresso derrubou o veto do presidente, mas, em junho, decisão liminar do ministro Nunes Marques em ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) autorizou o uso de videoconferências durante a pandemia.

Seis dos 11 ministros confirmaram a decisão, mas o julgamento foi interrompido pelo pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes.

Levantamento da AMB de 2018 apontou que 50,3% dos magistrados que atuam na primeira instância são favoráveis às audiências de custódia. Nos tribunais de segunda instância, o índice sobe para 80,9%; nas cortes superiores, vai a 88,2%.

Em nota, a presidente da AMB, Renata Gil, afirma que a realização de audiências de custódia por videoconferência reduz custos, ao diminuir deslocamentos e emprego de forças policiais, e acelera a tramitação dos processos. Ela também diz que o recurso evita a perpetuação de abusos e permite aos magistrados identificar eventuais sinais de maus-tratos.

Para Janine, da Rede de Justiça Criminal, o argumento da redução de custos, já evocado pelo ministro Fux, é falacioso. "Nunca foi apresentado um estudo de impacto econômico dessa mudança, que implica a aquisição de equipamentos de imagem e de som, além de internet de qualidade, e funcionários para sua operação e manutenção", afirma.

O relatório da Rede levantou licitações em oito estados do país para a aquisição de câmeras, microfones e demais equipamentos que, somadas, implicam um custo de cerca de R$ 40 milhões. Só no Maranhão, serão investidos R$ 7,1 milhões em suporte técnico, monitoramento e infraestrutura.​

"Investimentos estão sendo feitos nos estados, e existe uma pressão no sentido de uso da videoconferência. Nosso receio é que esse processo de virtualização se torne irreversível. E isso é acabar com o fundamento das audiências de custódia."