Cartas com a inscrição “Resultado Positivo” estampada na sua parte frontal foram enviadas a milhares de pessoas na capital paulista desde o fim do mês passado em meio à pandemia do novo coronavírus. Ao abrirem a carta, os destinatários encontram um texto no qual um pastor evangélico pede voto para o atual presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Eduardo Tuma (PSDB), candidato a vereador.
As cartas têm fotos do presidente da igreja evangélica Assembleia de Deus Ministério em Santo Amaro, o pastor Galdino Júnior, textos bíblicos e propaganda para Tuma. Na parte frontal também está escrita a palavra “Eleições”, mas em tamanho e localização discretos, ao lado de símbolos dos Correios.
A Folha também obteve uma outra versão de carta da campanha de Tuma com a mesma inscrição que geralmente é usada em diagnósticos de doenças, mas com conteúdo interno diferente, apenas com mensagem do próprio vereador. Essa outra propaganda foi enviada neste mês, com tiragem de 84 mil exemplares.
Procurada pela reportagem, a assessoria técnica do Ministério Público eleitoral de São Paulo afirmou que o uso dos dizeres “Resultado Positivo” viola a legislação eleitoral, “pois cria artificialmente no eleitor-destinatário que recebe a correspondência estados mentais, emocionais ou passionais”.
Segundo a promotora Ana Laura Bandeira Lins Lunardelli, a utilização “da expressão “Resultado Positivo”, especialmente empregada em meio à pandemia de coronavírus, fere especialmente o artigo 242 do Código Eleitoral e o artigo 10, da Resolução TSE n. 23.610/2019 (propaganda eleitoral)”.
“Poderá o eleitor, inicialmente ser confundido, sobretudo se estiver aguardando algum resultado de exame. O texto escrito pelo autor apela para o emocional, citando texto bíblico, instigando o destinatário a votar em um candidato determinando”, disse a promotora.
De acordo com Ana Laura, “o destinatário não descartará o material publicitário sem antes abrir e ler o seu conteúdo. Contudo, vejo que a propaganda feita desta forma pode até causar efeito contrário não desejado para quem a postou, porque o eleitor não espera receber uma propaganda eleitoral ao abrir uma carta com esse apelo emocional e poderá reagir negativamente”.
A promotora disse que agora o material deverá ser analisado pelos integrantes do Ministério Público responsáveis pela apresentação de ações à Justiça relativas à propaganda eleitoral.
A campanha de Eduardo Tuma nega que o uso da expressão “Resultado Positivo” tenha violado a legislação eleitoral.
Segundo o comitê político do presidente da Câmara, "a carta é clara quanto a sua natureza de publicidade eleitoral.
O "resultado positivo" remete aos resultados das ações do mandato do vereador. Supor que o material possa levar a qualquer outro entendimento que não o de que se trata de uma ação de campanha eleitoral é desprezar a inteligência do eleitor".
Tuma é o principal aliado do prefeito da capital e também candidato Bruno Covas (PSDB) no legislativo paulistano, e já foi inclusive secretário-chefe da Casa Civil da administração do tucano. O presidente da Câmara Municipal é evangélico e frequenta a igreja Bola de Neve.
A Folha também procurou o pastor Galdino Júnior por meio da Assembleia de Deus Ministério em Santo Amaro e foi atendida por Renato Galdino, secretário-adjunto da presidência da instituição religiosa e irmão do religioso.
Renato, que também é pastor, disse não ver problema no uso da expressão.
“O resultado positivo é o resultado do trabalho que nós identificamos no Eduardo Tuma, dos trabalhos que o Eduardo Tuma tem feito na cidade de São Paulo. Em nenhum momento está falando que é uma carta de saúde pública”, afirmou.
O secretário-adjunto da igreja disse ser o responsável pela decisão de usar a expressão e financiou com seus recursos pessoais o produção do impresso.
Renato afirmou que doou R$ 1 mil em cartas para o vereador, mas esse valor ainda não foi declarado à Justiça Eleitoral. Ele declarou que antes da última prestação de contas vai pagar a gráfica e lançar o valor na prestação de contas de Eduardo Tuma.
Segundo a promotora Ana Laura, a prática descrita por Renato pode configurar uma irregularidade eleitoral.
“Para fazer doação estimável em dinheiro, como é o caso das cartas, o doador precisaria doar bens ou serviços que constituam produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas ou constituir seu próprio patrimônio no caso de bens. Para doar impressos seria necessário que o doador fosse proprietário de uma gráfica”, disse.
A promotora afirmou que “a doação entra no cálculo do limite de gastos pelo candidato beneficiado, que pode não ter as contas aprovadas se omitir uma doação”.
A carta traz os CNPJs da campanha de Tuma e de uma gráfica, além da indicação da tiragem, 30 mil exemplares, como normalmente ocorre em material de propaganda eleitoral.
A prestação de contas do vereador registra uma doação do pastor Galdino Júnior no valor de R$ 1 mil, porém com data de 3 de novembro, posterior à data do envio das cartas, 30 de outubro.
Segundo Renato, os expositores, a exemplo de Galdino Júnior, tinham direito de obter os endereços do mailing da feira, que depois então foi usado para enviar as cartas com pedido de votos a Tuma.
Quanto ao uso da lista de endereços, a promotora Ana Laura disse que “se não houver autorização dos destinatários dos impressos, o mailing utilizado tem o tratamento de dados desvirtuado, pois as pessoas cadastradas fornecem os seus dados para outra finalidade, diversa da empregada”.
A respeito das afirmações de Renato, a campanha do presidente da Câmara afirmou que é "importante ressaltar que ele não responde nem fala em nome da campanha de Eduardo Tuma, que está pautada no total respeito à legislação. A referida doação não ocorreu nem será recebida pela campanha, que também não tem nenhum conhecimento sobre o uso do mailing citado”.