domingo, 13 de setembro de 2020

O QUE A FOLHA PENSA Perigosos e inábeis, FSP

 

Revelação de que Trump sabia dos riscos do vírus mostra inaptidão de populistas

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O presidente dos EUA, Donald Trump, na sexta-feira (11)
O presidente dos EUA, Donald Trump, na sexta-feira (11) - Andrew Caballero-Reynolds/AFP

A ascensão de líderes populistas em democracias mundo afora sempre teve em Donald Trump um ícone. O americano personifica o chamado populismo cultural, usualmente à direita, e serve até hoje de modelo declarado a governantes como o brasileiro Jair Bolsonaro.

Entre tantos traços em comum, os populistas do século 21 bebem nos manuais fascistas e comunistas de outrora: crise boa é crise inventada, por manipulável.

Assim como os inimigos imaginários, sejam imigrantes viciosos nos EUA ou marxistas culturais no Brasil, as emergências também têm de ser engendradas para maximizar os ganhos do mandatário.

Confrontados com uma emergência real na figura da pandemia de 2020, a reação instintiva de parte da turma foi a de buscar ignorá-la.

A revelação feita pelo lendário jornalista Bob Woodward de que Trump sabia desde o começo da crise que o novo coronavírus era mortal e perigoso, e ainda assim preferiu minimizá-lo, prova o dano que esse comportamento gera.

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Pelo relato de Woodward, que por si enseja questionamentos éticos sobre o interesse pelo qual ele escondeu por meses informação vital ao seu país, Trump alegava querer poupar o público do pânico.

Tal afronta soa familiar ao que aconteceu no Brasil de Bolsonaro e sua interminável ladainha sobre a Covid-19, ora gripezinha, ora invenção da mídia, agora uma certa ameaça para a qual a vacina pode ou não pode ser uma solução.

Em ambos os países, dificuldades econômicas e sociais se empilham junto aos cadáveres, demonstrando que a inabilidade gerencial também marca essa cepa populista.

Enquanto buscam objetivos de manutenção de poder, empurram sem norte os problemas, seja a China lá ou medidas anticrise, aqui.

O mesmo se vê no México de López Obrador e no Reino Unido de Boris Johnson, ambos negacionistas que amainaram o discurso.

O britânico, temendo uma segunda onda da Covid-19, tem dificuldade em convencer a população a aderir a restrições que ele criticava. De quebra, reativou a disputa com a União Europeia ao mudar os termos do divórcio com o bloco.

Como uma hidra, o populismo tem várias cabeças. O centro do ex-premiê britânico Tony Blair conta 17 populistas à frente de democracias plenas. Desses, 12 levaram a crise a sério, com respostas diversas. Trump e Bolsonaro estão no outro grupo, com no mínimo dolo indireto no caso do americano.

editoriais@grupofolha.com.br

sábado, 12 de setembro de 2020

A peleja entre o time das redes e o time das lives. OESP

João Gabriel de Lima, O Estado de S.Paulo

12 de setembro de 2020 | 03h00

Jana e Tchelo. Tchelo e Jana. Jana é Janaina Paschoal, deputada estadual em São Paulo pelo PSL. Tchelo é Marcelo Freixo, deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro. Alguém teve a ideia de convidá-los para o mesmo vídeo – e, por incrível que pareça, eles mais concordaram que discordaram. Janaina concordou que “as pessoas de esquerda” têm razão em se sentir ameaçadas com o ambiente de ódio que vigora no Brasil atualmente. Freixo concordou que a direita têm motivos para se queixar de discriminação, especialmente no ambiente acadêmico. Os dois concordaram que alguém dizer que prefere ter um filho morto a um filho gay só demonstra “ignorância” – palavra usada por Janaina.

A conversa entre Jana e Tchelo – como eles passaram a se tratar, em tom de brincadeira, durante a gravação – pode ser assistida no YouTube. Ela é parte do Fura Bolha, série de vídeos reunindo personagens da vida política que pensam que modo diferente. A primeira temporada, com oito episódios, teve até agora uma audiência de 12 milhões de pessoas. Entre os pares convidados, além de Freixo e Janaina, estão Sâmia Bomfim e Kim KataguiriTabata Amaral e Vinícius PoitJoice Hasselmann e Randolfe Rodrigues.

A era digital fornece ferramentas para o monólogo e para o diálogo. As redes sociais costumam ser o território do monólogo. Como eu não vejo meu interlocutor, sou levado a lacrar, causar – e posso xingar à vontade. Já os vídeos e lives, popularizados pela pandemia, abrem espaço para o diálogo. “Quando você é obrigado a interagir com alguém, seja virtualmente, seja presencialmente, precisa articular um pensamento, em vez de apenas latir e vociferar”, diz o cientista político Sérgio Fausto, um dos mentores do Fura Bolha e personagem do minipodcast da semana. A série foi criada pelo sociólogo Bernardo Sorj, codiretor, com Fausto, do projeto Plataforma Democrática. No Fura Bolha, Fausto e Sorj trabalharam em parceria com a página digital Quebrando o Tabu.

O time das redes e o time das lives disputam o debate digital. Eles têm comportamentos diferentes. Tanto Freixo quanto Janaina apanharam de seus seguidores nas redes sociais, apenas por topar conversar em público com um adversário político. Em contrapartida, choveram comentários elogiando a iniciativa – mostrando que o time das lives começa a equilibrar o jogo. “Nas redes sociais, o que acontece muitas vezes é a não conversa, quem coloca uma opinião lá quer apenas ganhar a discussão e não trazer ideias ao debate”, diz a jornalista Alana Rizzo, uma das líderes do projeto Redes Cordiais, pioneiro nesse tipo de iniciativa. No ano passado, o Redes juntou num debate, por exemplo, a deputada bolsonarista Alê Santos e a criadora do movimento Ninguém Solta a Mão de NinguémThereza Nardelli. Ninguém morreu nem saiu ferido.

Para o jornalista britânico Edmund Fawcett, autor do livro Liberalismo, a vida de uma ideia, o cerne da democracia é a crença de que nunca existirá uma sociedade em que todos acham a mesma coisa – e só o debate civilizado entre os que pensam de modo diferente pode levar à melhora coletiva. O Fura Bolha e o Redes Cordiais mostram que, mesmo num ambiente polarizado, é possível ter uma conversa serena e inteligente, adjetivos que sempre andam juntos – da mesma forma que burrice e gritaria costumam ser inseparáveis.


Esplendores e misérias das cortesãs e cortesãos do bolsonarismo à la Balzac, Mario Sergio Conti, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Balzac não escapou das cretinices cloroquínicas de seu tempo, o século 19. Ao contrário. Foi um entusiasta da frenologia e da fisiognomia, pseudociências que atribuíam o caráter das pessoas à sua aparência física, a começar pela do crânio.

Num lance de gênio, contudo, também fez com que as roupas, a decoração e a arquitetura expressassem pessoas e costumes —e vice-versa. É por isso que ele diz da dona da pensão em “O Pai Goriot”: “A sua pessoa explica a pensão, assim como a pensão implica sua pessoa”.

A abrangência do recurso evitou que fosse um Lombroso das letras. Sua imaginação titânica não cabia nas próprias crendices: cada um dos 2.472 personagens de “A Comédia Humana” tem traços singulares. Juntos e misturados, e mediados pelo dinheiro, compõem o mural de uma época.

A seguir, verbetes à la Balzac dos lírios envenenados da vala bolsonarista.

Ilustração de uma pessoa apertando o botão de uma privada e liberando vários seres que saem delas. É possível reconhecer algumas pessoas (Regina Duarte, Damares Alves, Michelle Bolsonaro, Paulo Guedes) e animais (cachorro e jacaré)
Bruna Barros/Folhapress

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Brasília
Sondai-a o quanto quiserdes e jamais conhecereis todos os desvãos da medonha fossa do Planalto Central. Por numerosos que sejam os exploradores do abismo, sempre haverá antros secretos, valhacoutos, mictórios, guaritas, casernas. O Mitômano está em casa.

Damares Alves
Seu rosto desalentado e gorducho, do qual brota um nariz em bico de papagaio, as mãozinhas rechonchudas, o corpo roliço como de uma ratazana de igreja, o busto amplo e oscilante estão em harmonia com o ar fétido que o ministério, enfadado, exala.

Ricardo Salles
Acha que o mundo todo tolera quem tem olho claro. Mas como os incêndios na Amazônia e no Pantanal brilham mais, foi marcado a ferro e fogo pelo que realmente é: arrogante, vaidoso, mesquinho, execrável.

Michelle Bolsonaro
Se as luzes de um baile projetassem reflexos rosados no semblante gasto; se uma carta de amor iluminasse suas faces ligeiramente cavas; se o convívio com gente graciosa lhe reanimasse os olhos fundos, seus dias seriam leves. Como não tem nada disso, e o estrupício a aborrece, retirou uns quilos do abdômen e botou botox rosto.

André Mendonça
Baixinho, franzino, com cabelos ralos e óculos redondos de aro de metal, lembra um funcionário da Gestapo dos filmes de guerra. (Essa não é de Balzac; é do Jô).

Sergio Moro
Nosso Rastignac: topetudo, provinciano, interesseiro, manipulador astuto, um baita arrivista de voz esganiçada. Para ele não há princípios, só circunstâncias; não há leis, mas acontecimentos. Teve na política entrada de leão (grrr!) e saída de cão (caim! caim!).

Braga Netto
Sempre alerta, qual um cavalo de parada ao ouvir o toque do clarim.

Janaina Paschoal
A Salomé do Tatuapé rodopiou a cabeleira ensebada e revirou os olhinhos até obter a cabeça de Lula numa bandeja de prata. Debulhando-se em lágrimas crocodilescas, disse a Dilma que o impeachment era para o bem dos seus netos. Cartesiana que só ela.

Eduardo Pazuello
Concentra todo o suor do corpanzil entre o nariz e o lábio superior, uma característica da casta burocrático-militar.

Dias Toffolli
Com mais gel no cabelo que neurônios no cérebro, traz no corpo as cicatrizes da covardia. Dobra de bom grado a espinha para generais, mas somatiza a subserviência em vagos achaques, lumbagos, abcessos e num engorda-emagrece incessante.

Paulo Guedes
Tem alma de jogador da Bolsa e o pior corte de cabelo da República. Vai de chinelo e meia ao trabalho. Disse ter lido Keynes três vezes e ficou evidente que não entendeu nada. Cultiva
a arrogância dos sem-noção: não conversa, ministra aulas.

Augusto Heleno
Estava à altura do general Sylvio Frota, o pintor de rodapé de quem foi ajudante. Galgou degraus e dragonas servindo gente de alto coturno e baixa catadura.

Regina Duarte
Chegou à pocilga planaltina toda coquete, com olhos vidrados, sorriso automático, o nervosismo de uma alcoviteira que se agasta para se fazer pagar mais caro. Deu-se mal. De volta a São Paulo, caiu na rua e quebrou os dentes.

Carluxo
Hostil e turbulento como Vautrin, de quem um policial de “O Pai Goriot” diz: “Sabem de um segredo? Ele não gosta das mulheres”.

Eduardo Bolsonaro
Fez carreira na Polícia Federal e não passou de escrivão. Deputado, continua um escrivão com cérebro de escrivão de polícia.

Millôr Fernandes
Em 1970, a Redação de O Pasquim foi presa e ele escreveu uma carta a Ivan Lessa, em Londres. Disse dos governantes de então: “A vida não vai acabar já e esses putos não vão durar sempre, muito embora já estejam durando demais pro meu gosto”.

Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".