quinta-feira, 2 de julho de 2020

É bom para a democracia que a política defina relações pessoais e hábitos de consumo?, Fernando Schüler, FSP


Quase todo mundo tem uma história pra contar sobre desavenças que surgiram, nos últimos anos, em função da brigalhada política. Tempos atrás vi um tuíte de uma filha dizendo que o pai era um homem bom e que o “perdoava”, mesmo tendo ele votado no candidato que ela detestava.

O filósofo Robert Talisse comenta que encontrou mais de 40 milhões de entradas digitais com instruções sobre como escapar dos temas politicamente delicados e sobreviver aos encontros familiares no Dia de Ação de Graças americano.

Achou curioso não ter encontrado nenhuma vez a sugestão simples de que talvez a própria celebração entre as pessoas fosse mais importante do que as crenças políticas de cada um.

A partir desse incômodo ele escreveu “Overdoing Democracy”, um livro que faria bem ser lido por aqui. O ponto de Talisse é o que ele chama de “saturação política da vida social”. A ideia obsessiva de que “tudo é política” e é ela que deve pautar nossas relações pessoais, hábitos de consumo e juízos sobre qualquer coisa.

Lendo o livro me veio à mente o tema das identidades. A percepção de que, para além da retórica habitual, não é o gênero ou cor da pele que define o respeito, em regra, no mundo público, mas a opção política.

Neste episódio do ex-ministro Decotelli, li uma crítica dizendo que ele talvez até merecesse o tombo que levou não pelas omissões no currículo, mas porque era evangélico e renegava a religiosidade de seus antepassados. E era bolsonarista.

Seu problema era “político”. Escolheu errado. O autor destilava seu ódio com uma estranha pátina de virtude autoconcedida. Estranha, mas crível. Sua tribo iria entender do que ele estava falando. E isso bastava.

A saturação política invade também os espaços de consumo. Dias atrás observei gente bacana distribuindo listas de empresas a serem boicotadas, dado que seus proprietários manifestavam esta ou aquela posição política. Comer um cachorro-quente se tornava um gesto político. A estratégia impor um custo, fazer “calar a boca” de fato parecia funcionar.

Para o fanático político há sempre algo mais em jogo do que uma escolha eleitoral. Este é o ponto de Talisse. Se tudo é política, cada gesto remete a uma “totalidade”, sacou? O gosto por um desenho, o trecho de um filme, tudo pode ser imensamente grave. Não dá pra deixar passar, não é mesmo?

Mesmo o passado anda saturado de política, como mostra a atual onda iconoclasta. Isso não é novo, mas agora ganhou escala. O sujeito cruzou anos pela estátua do Borba Gato, em Santo Amaro, mas subitamente passa a enxergá-la como um ator político. Não é mais a imagem de um tempo que se foi. Ela se põe em movimento, incomoda, agride. E também precisa calar a sua boca.

Qual seria exatamente o problema com a saturação política? Alguns diriam que é a chatice. Tendo a concordar com isso quando dou uma olhada nas discussões de alguns grupos de WhatsApp nos quais (não me perguntem por que) estou incluído.

Mas a coisa vai muito além. Há bens valiosos que se perdem nesse caminho. O respeito humano é um deles (o respeito às escolhas políticas de Decotelli é só um exemplo). Há a perda da empatia, da capacidade de levar à frente projetos comuns com quem se discorda.

Há bens essenciais à democracia que a obsessão política leva com a água do banho. A capacidade de agir com imparcialidade e respeitar regras que não deveriam depender da lealdade política. A liberdade de expressão é um bom exemplo, mas está longe de ser o único.

O problema é a solução proposta por Talisse. Ele fala em cultivar a humildade intelectual e virtudes como a “amizade cívica”, capaz de cruzar fronteiras políticas. Sugere que cada um veja a si como vê a seus inimigos. Como “irracionais, imunes a evidências e assim por diante”.

A tese é boa. A democracia, para funcionar bem, precisa preservar espaços protegidos da própria política. Há um longo aprendizado a ser feito aí, visto que por ora parecemos caminhar alegres e obsessivamente na direção oposta.​

Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Locutor famoso pelo comercial 'Hitler' grava campanha da Folha pela democracia, FSP

'Foi como se tivesse voltado mais de 30 anos', diz locutor Ferreira Martins

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SÃO PAULO

Locutor do histórico comercial "Hitler", de 1987, Ferreira Martins diz que, ao ser convidado para gravar "Amarelo/Democracia" agora, "foi como se tivesse voltado mais de 30 anos".

"O país está precisando, está precisando realmente", afirma, lembrando ser assinante da Folha há meio século. "Quando endosso lá [no anúncio, com a voz], eu estou endossando mesmo".

Em "Amarelo/Democracia", sobre uma foto clássica da repressão em 1968, que aos poucos se revela, ele fala: "Nós vimos —e nunca esqueceremos— os horrores da ditadura. E sempre defenderemos a democracia. Folha de S.Paulo. Use amarelo. Pela democracia".

Martins, 74, começou no rádio, estreou em televisão na Globo, onde fazia as entradas diárias de São Paulo no Jornal Nacional, quando sua voz grave marcante dialogava com a de Cid Moreira, e passou mais de uma década no Jornal Bandeirantes, ao lado de Joelmir Beting.

O locutor e radialista Ferreira Martins
O locutor e radialista Ferreira Martins - Marcos Micheletti/Portal TT

Com o tempo, deixou o jornalismo pela publicidade. Em 1987, já vinha gravando campanhas da Folha para o publicitário Washington Olivetto. "E o comercial do Hitler, particularmente, foi do Washington e do Nizan [Guanaes]. Foi um privilégio."

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Nele, sobre uma foto do ditador nazista que se revela após uma série de dados positivos do que fez para a economia alemã, falava: "É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade. Por isso, é preciso tomar muito cuidado com a informação e o jornal que você recebe. Folha de S.Paulo".

A outra voz no comercial "Amarelo/Democracia" é de PC Bernardes, 58, que prepara a entrada de Martins, dizendo: "A atual democracia brasileira tem 35 anos. Mais da metade dos eleitores tem menos de 40. E a Folha vai fazer 100 anos".

Publicitário e produtor, Bernardes também fez a trilha do anúncio. Não participou de "Hitler", mas acompanhou à época e se lembra bem. "Fiquei muito feliz com o convite, de participar de alguma maneira. A defesa da democracia não é negociável."

Veiculado no intervalo do JN, o novo comercial lançou no sábado (27) a campanha da Folha em defesa dos valores democráticos. Produzido internamente, usa uma imagem feita pelo fotógrafo Evandro Teixeira, que trabalhava no "Jornal do Brasil".

Mostra um estudante de medicina sendo perseguido por policiais na Cinelândia, no Rio, em 21 de junho de 1968. No dia, que ficou conhecido como "sexta-feira sangrenta", a repressão levou dezenas à morte, inclusive o manifestante que aparece na foto.

FGV foi covarde com Decotelli, que está sofrendo achincalhe absurdo, diz irmã de Paulo Guedes, FSP

Achincalhe Presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes diz que o ex-ministro da Educação Carlos Decotelli passou por achincalhe “absurdo”. Ele pediu demissão do cargo nesta terça-feira (30).

Irmã do ministro Paulo Guedes (Economia), Elizabeth conhece Decotelli há 30 anos, quando o contratou para dar aulas no Ibmec-SP, do qual foi uma das fundadoras. Ela refuta a nota da FGV que diz que Decotelli não foi professor da instituição. “A FGV foi covarde. Ele coordena MBA e é professor lá, sim”.

Elizabeth Guedes, presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup)
Elizabeth Guedes, presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) - Silvia Costanti-11.mai.2015/Valor

Sem graça Após deixar o cargo, Decotelli disse que a nota da instituição foi a pá de cal sobre sua permanência no ministério. “A FGV fazer diferença entre professores efetivos e professores colaboradores é uma piada. Se ela for ver quais são os efetivos vai dar 1/5 dos professores que ela tem lá. Todo mundo é PJ”, diz Elizabeth.

O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli - Divulgação-25.jun.2020/Presidência da República

Gabaritado Ela diz que Decotelli errou ao mentir no currículo, atitude que a surpreendeu, mas classifica a reação pública como fora de proporção. “Houve um aproveitamento político e foi esquecida a dimensão profissional dele”, afirma, chamando-o de professor exemplar e pessoa íntegra.

Ela disse que os cursos ministrados por Decotelli no Ibmec, em São Paulo, sempre foram tidos como um sucesso.

"Era um professor que chegava e resolvia. Capacidade de comunicação incrível, sempre rindo, muito efetivo, conhece o que ensina", afirma. Elizabeth diz ser grata a Decotelli até hoje, pois ele substituiu um professor que vinha sendo criticado e mudou positivamente a percepção das turmas sobre o curso.

Cadê “O Decotelli é um preto que venceu no mercado de capitais, que é um lugar de homem branco e rico. Ninguém fala isso. Se fosse de esquerda...”, afirma Elizabeth.

“Cadê o movimento preto, que gosta de defender? Ninguém vai defender esse preto? Quantos brancos já fizeram isso e não aconteceu nada?”, pergunta.

Com Mariana Carneiro e Guilherme Seto