domingo, 7 de abril de 2019

Doria ameaça cultura no Estado de São Paulo: orçamento caiu pela metade desde 2010 , BdF

Museu Afro Brasil e Theatro São Pedro podem fechar devido a corte de quase 23% na pasta que já possui o menor orçamento

Brasil de Fato | São Paulo (SP)
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João Doria, governador de São Paulo, diz que cultura não é prioridade em sua gestão / Leon Rodrigues/SECOM
Uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) na noite da última quinta-feira (4) trouxe mais uma vez à tona o risco de desmonte da cultura sob a gestão de João Doria (PSDB). Um decreto assinado pelo governador em janeiro deste ano estabeleceu corte de 22,95% no orçamento anual da Secretaria da Cultura e Economia Criativa.
A iniciativa da audiência foi do deputado Carlos Giannazi (PSOL), autor do projeto de lei que pretende revogar o decreto de Doria. A expectativa é que a pressão faça o governo recuar, como foi com o Projeto Guri, preservado após intensa mobilização no início desta semana.
A decisão de Doria representou uma redução de R$ 148 milhões em recursos e pode levar à extinção de 25 projetos culturais e organizações sociais. Atualmente, o governo investe apenas 0,35% em cultura.
Um levantamento da Associação Brasileira das Organizações Sociais de Cultura (Abraosc) aponta impactos desse contingenciamento, como fechamento de teatros e museus, cancelamento de exposições, extinção de grupos artísticos, redução nos horários de funcionamento e demissão de funcionários. A Abraosc reúne entidades responsáveis por implementar boa parte das políticas da Secretaria do Estado, que já estão se mobilizando contra o decreto.
Também nesta quinta (04), um grupo de trabalhadores do Museu Afro Brasil, localizado na cidade de São Paulo (SP), denunciou em nota que a instituição está sob ameaça por conta do corte orçamentário de quase 23%, explica Renata dos Santos, auxiliar de coordenação do Núcleo de Educação do Museu. A redução proposta pelo Estado em outras áreas foi de 3,54%, enquanto o percentual investido em cultura caiu pela metade desde 2010. O domínio tucano entre governadores de São Paulo dura mais de duas décadas.
“A cultura já tem o menor orçamento das pastas: 0,35% do orçamento do Estado para a cultura já representa falta de investimento e descaso muito grande. Os impactos desse corte para o Museu Afro Brasil pode representar seu fechamento, senão parcialmente, definitivamente.”
Além do Museu Afro Brasil, outros pontos de cultura também correm o risco de fechar as portas, como o Theatro São Pedro, referência nacional na produção de óperas e concertos. Com a extinção de sua orquestra, a instituição trabalha com a previsão de encerramento de suas atividades ao longo deste ano. Renata enfatiza que a luta dos movimentos se constitui na defesa do acesso à cultura na cidade de São Paulo.
“A nossa luta é, sim, pelo Museu, mas é também pela cultura. Nós estamos nos articulando com pessoas de outros museus, de outras áreas da cultura, da música, do teatro para, juntos, fazermos um enfrentamento real, forte e firme, pelos meios que forem necessários, contra esse corte do governador João Doria.”
Localizado no Parque do Ibirapuera, o Museu Afro Brasil guarda um acervo com mais de cinco mil obras dos universos culturais africanos e afro-brasileiros e evidencia suas memórias e histórias na formação do patrimônio, identidade e cultura brasileira. “Mas, é também um museu que, ao contar a história do Brasil a partir da população negra, faz com que negros, brancos, indígenas, brasileiros e estrangeiros que visitem esse espaço se encontrem com a história de uma população de forma diferente da que nós encontramos na história oficial”, completa Renata.
A integrante do Núcleo de Educação afirma que fechar o Museu Afro Brasil é uma política de extermínio de memórias e histórias abolicionistas, que, anualmente, recebem mais de 180 mil visitantes. A instituição conta com 62 funcionários diretos e 27 terceirizados.
“Em 2015, o Museu Afro Brasil já teve um corte de 12%, que resultou na demissão de 25 funcionários do Museu. Esses postos não foram reocupados pelos mesmos ou por outros trabalhadores. Então, nós já estamos trabalhando no limite, com o quadro de funcionários a menos do que o ideal.”
Segundo a Abraosc, “o impacto pode ser ainda mais significativo uma vez que as atividades já estão em andamento e o orçamento terá que ser adequado agora para um intervalo de oito meses até o final do ano, contabilizando gastos já realizados de acordo com a previsão orçamentária anterior.”
Descaso
O acesso às atividades culturais por pessoas de baixa renda deve ser ainda mais prejudicado. Segundo o levantamento da Abraosc, com o corte de verba, o ingresso gratuito aos sábados na Pinacoteca do Estado, por exemplo, será cancelado e um terço dos funcionários deverá ser demitido.
Já, nas Fábricas de Cultura, centros culturais localizados na periferia de São Paulo, há projeção do cancelamento de 250 ateliês e fechamento e redução do funcionamento de bibliotecas, prejudicando 7,5 mil frequentadores. Dessa maneira, os pontos de cultura também podem reduzir em 40% o acolhimento ao público na zona leste (4 mil pessoas), além de fechar orquestras, bandas, oficinas de férias e cursos noturnos.
“Algumas estimativas das OSs [Organizações Sociais] apontam para mais de 30% de corte real para o equilíbrio financeiro dos contratos, principalmente pelo custo das demissões necessárias. Outro importante efeito é o impacto negativo para a captação de recursos pelas instituições, pois os cortes diminuirão imediatamente a capacidade das OSs de cumprirem com metas já pactuadas com patrocinadores e, em vários casos, com assinantes de temporada, que trazem mais receitas para os equipamentos e programas – mais de R$ 80 milhões de reais em 2019 –, além do óbvio abalo na imagem e credibilidade dos programas com os parceiros da iniciativa privada”, diz o relatório da entidade.
Questionada pelo Brasil de Fato sobre como pretende manter as atividades dos equipamentos culturais com a redução da verba, a Secretaria do Estado da Cultura e Economia Criativa informou que tem realizado reuniões com as organizações sociais com as quais mantém contratos. "O objetivo é avaliar, definir e mitigar os impactos do contingenciamento sobre as atividades realizadas. Não há previsão de fechamento de instituições e programas", afirmou a assessoria de imprensa do órgão.

A revolta dos injustiçados, FSP

Não são só primatas que demonstram contrariedade diante de injustiças

Frans de Waal, autor do livro 'Mama’s Last Hug' (o último abraço de Mama), durante apresentação
Frans de Waal, autor do livro 'Mama’s Last Hug' (o último abraço de Mama), durante apresentação - Reprodução/TED
De onde tiramos a ideia de justiça? Para os religiosos, ela vem de Deus. Para os platônicos, é uma emanação da forma perfeita que existe no mundo das ideias. Para kantianos, é uma consequência necessária de nossa mente racional.
Sem a pretensão de resolver o impasse filosófico, acho que dá para dizer que a ideia de justiça nem sequer é um original humano. Nós só burilamos uma intuição herdada de nossos ancestrais não humanos.
Quem tem algo relevante a dizer sobre isso é o primatologista Frans de Waal, que galgou o estrelato no YouTube ao apresentar um vídeo em que um macaco capuchino fica indignado por receber uma recompensa pior (um pedaço de pepino) que a oferecida a um colega (que ganhara uma uva) por desempenhar a mesma tarefa.
Em seu mais recente livro, “Mama’s Last Hug” (o último abraço de Mama), De Waal nos atualiza sobre as pesquisas envolvendo animais e as emoções que estão na base da ideia de justiça. Não são só primatas que demonstram contrariedade diante de injustiças. Tal comportamento foi observado também entre canídeos, corvídeos e papagaios.
De Waal mostra que a diferença de tratamento não afeta apenas a parte injustiçada mas também a que foi beneficiada. Para prová-lo, o pesquisador modificou o jogo de ultimato, um clássico em experimentos psicológicos, para que pudesse ser jogado por chimpanzés. Constatou-se que, a exemplo de humanos, nossos primos também costumam optar por receber uma recompensa menor para não deixar o colega a ver navios. Está em operação aqui uma noção de justiça de segunda ordem.
Nosso chanceler Araújo diria que os chimpanzés são comunistas, mas é possível explicar o fenômeno de forma mais individualista. Cada ave, macaco ou pessoa que vive em bando precisa cooperar com seus semelhantes. E não pode haver cooperação se não estivermos dispostos a ceder. A política é uma coisa bem velha, antecedendo os humanos.

Menos carro, mais metrô, Opinião FSP


Adoção de um pedágio urbano requer coragem política



Engarrafamento em Nova York - Johannes Eisele/AFP
Até o final de 2020 a cidade de Nova York passará a cobrar para que automóveis e caminhões possam circular pela região mais movimentada de Manhattan. O principal objetivo da cobrança, além de melhorar o trânsito e a qualidade do ar, é levantar recursos para investir na rede de transporte público, em especial no metrô.
Nova York possui um amplo e já centenário sistema de trilhos subterrâneos que requer cuidados. Sobrecarregado e defasado em termos tecnológicos e físicos, o metrô possui estações em estado relativamente precário e vem sofrendo com atrasos e superlotação.
Ainda não estão definidos os valores a serem cobrados, mas especula-se que deverão girar em torno de US$ 12 por dia (R$ 46) para os carros de passeio e US$ 25 (R$ 97) para veículos pesados.
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Discutem-se ainda possíveis isenções ou descontos para moradores da área afetada e em situações especiais, como consultas médicas e acesso a hospitais.
Tais políticas, no entanto, tendem a ser restritas, uma vez que um número elevado de gratuidades tenderia a elevar a tarifa, com a qual se pretende gerar US$ 1 bilhão (R$ 3,9 bilhões) por ano.
O plano prevê cobrança por meio de dispositivos eletrônicos e fiscalização amparada no sistema de câmeras que monitora a metrópole. Nova York é a primeira cidade americana a aprovar esse tipo de pedágio urbano —e poderá ser seguida por outras, como as congestionadas Los Angeles e San Francisco.
Outros grandes centros internacionais já implementaram medidas restritivas à circulação de veículos em determinadas áreas, casos de Singapura, Estocolmo, Milão e da pioneira Londres, que começou a adotar a taxação em 2003, a despeito da resistência da população.
Das grandes cidades brasileiras, São Paulo, a maior delas, é a única a praticar algum tipo de controle sobre a circulação de carros e caminhões —um sistema de rodízio no chamado centro expandido, que começou a funcionar de modo experimental em 1996.
O debate acerca da adoção de um pedágio urbano já foi levantado algumas vezes na cidade, mas não saiu do âmbito dos especialistas. Trata-se, sem dúvida, de medida que requer coragem política.
Pesquisa Datafolha realizada em julho de 2014 mostrou que 76% dos paulistanos eram contrários à iniciativa —o percentual subia a 80% entre usuários de carros.
O tema, no entanto, não deve ficar ausente da agenda municipal. Pelo contrário, trata-se de uma discussão a ser travada com vistas a investir em transporte público, aliviar o trânsito caótico e abrandar os efeitos da poluição ambiental.