De onde tiramos a ideia de justiça? Para os religiosos, ela vem de Deus. Para os platônicos, é uma emanação da forma perfeita que existe no mundo das ideias. Para kantianos, é uma consequência necessária de nossa mente racional.
Sem a pretensão de resolver o impasse filosófico, acho que dá para dizer que a ideia de justiça nem sequer é um original humano. Nós só burilamos uma intuição herdada de nossos ancestrais não humanos.
Quem tem algo relevante a dizer sobre isso é o primatologista Frans de Waal, que galgou o estrelato no YouTube ao apresentar um vídeo em que um macaco capuchino fica indignado por receber uma recompensa pior (um pedaço de pepino) que a oferecida a um colega (que ganhara uma uva) por desempenhar a mesma tarefa.
Em seu mais recente livro, “Mama’s Last Hug” (o último abraço de Mama), De Waal nos atualiza sobre as pesquisas envolvendo animais e as emoções que estão na base da ideia de justiça. Não são só primatas que demonstram contrariedade diante de injustiças. Tal comportamento foi observado também entre canídeos, corvídeos e papagaios.
De Waal mostra que a diferença de tratamento não afeta apenas a parte injustiçada mas também a que foi beneficiada. Para prová-lo, o pesquisador modificou o jogo de ultimato, um clássico em experimentos psicológicos, para que pudesse ser jogado por chimpanzés. Constatou-se que, a exemplo de humanos, nossos primos também costumam optar por receber uma recompensa menor para não deixar o colega a ver navios. Está em operação aqui uma noção de justiça de segunda ordem.
Nosso chanceler Araújo diria que os chimpanzés são comunistas, mas é possível explicar o fenômeno de forma mais individualista. Cada ave, macaco ou pessoa que vive em bando precisa cooperar com seus semelhantes. E não pode haver cooperação se não estivermos dispostos a ceder. A política é uma coisa bem velha, antecedendo os humanos.
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