sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Com sorte, nova ministra não terá poder sobre educação e saúde, FSP

Área de direitos humanos tem problemas e não precisa de invencionices ultraconservadoras

Segundo Damares Alves, em breve a princesa do desenho “Frozen” acordará a Bela Adormecida com um “beijo lésbico”. Ela também reclamou quando viu o pai gay de uma ilustração usando um tênis da moda, que o faz parecer mais descolado do que um pai heterossexual.
Com sorte, a futura ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não terá poder para interferir em políticas públicas na saúde, na educação, na cultura e em outros temas fora de seu guarda-chuva.
A pasta que será comandada pela advogada e pastora não toma decisões nessas áreas, mas costuma ser ouvida. Caso ela abasteça o governo com as informações que usou em palestras nos últimos anos, o país corre o risco de enfrentar retrocessos.
Damares já distorceu dados sobre saúde pública para mobilizar fiéis de igrejas evangélicas. Em 2013, disse que não há milhares de mulheres que morrem em consequência de abortos ilegais e desafiou qualquer pessoa a mostrar seus túmulos.
Também exibiu uma propaganda italiana sobre discriminação sexual e disse falsamente que ela seria reproduzida no Brasil. Ao falar de turismo sexual, afirmou: “Tem muito hotel fazenda de fachada por aí para os homens transarem com animais”.
Nesta quinta-feira (6), Damares disse estar interessada em combater preconceitos, a pedofilia e a violência contra a mulher. O ministério já tem um prato cheio de problemas para resolver sem as invencionices de alas ultraconservadoras.

Se não surgirem explicações convincentes, a revelação de que um ex-assessor de Flávio Bolsonaro movimentou R$ 1,2 milhão em um ano e assinou um cheque de R$ 24 mil para a mulher de Jair Bolsonaro abrirá a primeira crise do novo governo.
O azar do futuro presidente é que ele não poderá usar a caneta Bic para demitir o filho, senador eleito, caso precise se distanciar do problema. Nesta semana, Flavio disse que, por causa do sobrenome, não será “um senador comum”. Ele tem razão.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

Vergonha de ser brasileiro, FSP

Advogado foi grosseiro ao abordar Lewandowski, mas ministro extrapolou ao mobilizar a PF

O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, durante sessão da corte
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, durante sessão da corte - Adriano Machado/Reuters
É perfeitamente razoável sentir vergonha de ser brasileiro. Motivos para isso não faltam, e eles são inteiramente subjetivos. Pode ser o 7 a 1 para a Alemanha em 2014, a eleição de Lula em 2002 ou a de Bolsonaro em 2018. Pode ser a performance da cantora Anitta ou a atuação do STF. Comunicar o sentimento de embaraço a quem quer que seja não é nem pode ser um crime.
Não há muita dúvida de que o advogado Cristiano Caiado de Acioli foi grosseiro e inoportuno ao abordar o ministro Ricardo Lewandowskidizendo sentir vergonha de ser brasileiro por causa do STF. Pode-se vislumbrar na atitude do causídico até um animus provocandi, já que ele cuidou de registrar imagens e áudio de sua discussão com o ministro. Ainda assim, se o vídeo do incidente não contém omissões nem edições, tudo o que houve foi apenas falta de educação.
Afirmar sentir vergonha de alguém ou de alguma coisa não constitui ofensa à honra objetiva, excluindo desde logo a ocorrência dos crimes de calúnia e difamação. Poderia ser um caso de injúria, que lida com a honra subjetiva. Mas, como o objeto da crítica foi a corte, que por não ser pessoa natural não tem honra subjetiva a ser preservada, fica difícil classificar a conduta do advogado como delituosa.
Se alguém extrapolou nesse episódio, parece-me ter sido Lewandowski, ao mobilizar a Polícia Federal para tratar de uma questiúncula que dizia respeito mais a seu ego ferido do que ao interesse público.
Eu preferiria viver num mundo onde todos se comportassem como lordes ingleses, deixando fleugmaticamente os outros em paz. Mas vivemos num planeta em que as pessoas são inurbanas, inconvenientes e se provocam por razões ideológicas. Tudo isso precisa ser tolerado num regime que valoriza as liberdades, como é o nosso.
Não dá para o STF pontificar sobre a liberdade de expressão, se seus ministros não aguentam uma crítica mais veemente ou ardilosa.
O ministro Ricardo Lewandowski ao ser filmado e interpelado em voo pelo advogado Cristiano Caiado de Acioli
O ministro Ricardo Lewandowski ao ser filmado e interpelado em voo pelo advogado Cristiano Caiado de Acioli - Reprodução
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Ainda mais pobres, Opinião FSP

Mulher em lixão no município de Barcarena, na região metropolitana de Belém (PA)
Mulher em lixão no município de Barcarena, na região metropolitana de Belém (PA) - Eduardo Anizelli/Folhapress
A quantidade de pobres aumentou no Brasil de 2016 para 2017, de acordo com os cálculos do IBGE  na recém-divulgada Síntese de Indicadores Sociais. Embora a longa e aguda recessão já tivesse terminado, o crescimento foi minúsculo no ano passado, e a situação do emprego permaneceu precária.
Essa estatística contabiliza os indivíduos cuja renda domiciliar per capita (a renda média dos moradores da casa) não alcança US$ 5,50 por dia, que, ajustados pelo poder de compra da moeda nacional, equivaliam a R$ 406 mensais —linha recomendada pelo Banco Mundial para países incluídos no nível médio-alto de riqueza.
Segundo tal critério, a parcela da população vivendo na pobreza passou de 25,7% para 26,5%, ou quase 55 milhões de pessoas. No caso de extrema pobreza (renda de até R$ 140 por mês), o contingente afetado passou de 6,6% para 7,4%.
Os dados demonstram como o país custa a superar os efeitos do ciclo de contração econômica de 2014-16. Ali se interrompeu um processo de expressiva ascensão social que já contava uma década. Infelizmente, o IBGE não apurou cifras comparáveis para todo o período, que permitiriam avaliar melhor a extensão do desastre.
Mas há fartura de evidências de que a presente recuperação da economia é a mais lenta da história documentada desde o século passado. O Produto Interno Bruto cresceu 1,1% em 2017; a taxa deste ano pouco passará disso. Neste dezembro de 2018, o PIB per capita é quase 8% menor que o de 2013.
Tamanha tibieza se traduz, na prática, em uma taxa de desemprego elevada que recua de modo pouco perceptível —foram 11,7% no trimestre encerrado em outubro, apenas 0,5 ponto percentual abaixo da cifra de um ano antes.
Dado que a penúria orçamentária do governo não permite uma ampliação de programas sociais em tempo hábil, a aceleração do crescimento econômico constitui o alívio mais plausível para a pobreza neste momento.
Em tese, R$ 14 bilhões anuais em transferências diretas de renda bastariam para eliminar a extrema pobreza, que vitima 15 milhões de brasileiros. Trata-se de montante que poderia ser obtido, por exemplo, com a revisão de subsídios e benefícios tributários como os destinados a baratear o óleo diesel.
Entretanto o governo está forçado a priorizar a urgente e politicamente indigesta reforma da Previdência, sem a qual as finanças caminharão para o estrangulamento —e o PIB não deixará a prostração.