quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A democracia vai de susto em susto, Clovis Rossi, FSP

Coletes amarelos, o desconhecido entra em cena

Manifestantes com coletes amarelos em estrada de Biarritz, no sudeste da França - Bob Edme/AP
Dois eventos do fim de semana levaram a democracia para mais perto de um ataque de nervos.
Primeiro, o incêndio de Paris durante manifestação dos chamados “coletes amarelos” contra uma porção de coisas mas principalmente contra o presidente Emmanuel Macron.
Ressalve-se que o quebra-quebra não parece ser responsabilidade dos “coletes amarelos” e, sim, dos “casseurs”, a versão francesa dos hooligans, black blocs, vândalos enfim, cuja única agenda é quebrar tudo.
No domingo (2), veio a entrada no Parlamento da Andaluzia do Vox, grupo de ultradireita, nostálgico da ditadura (franquista) e xenófobo.
A Espanha, até aqui imune à infestação da extrema direita, recebeu a sua dose. Não é suficiente para arrancar os cabelos, primeiro por ter sido uma eleição apenas regional e, segundo, porque o Vox arrebanhou apenas 10% dos votos. Fica longe, portanto, dos 26% que os partidos ditos populistas, de esquerda mas principalmente de direita, colheram, em média, neste 2018 na Europa, conforme levantamento do Guardian.
Além disso, o avanço desse grupo é fácil de explicar: trata-se da exploração demagógica do fenômeno da imigração, o combustível que catapultou tantos outros grupos extremistas recentemente.
O que assusta o establishment europeu são os “coletes amarelos”, assim chamados porque usam essa vestimenta, obrigatória em todo veículo francês.
Está meio mundo se perguntando quem são eles e o que querem exatamente. Ao haver dúvidas sobre como rotulá-los, perde-se a referência tradicional (direita, esquerda, centro, ultradireita, ultraesquerda).
Le Monde fez um esforço para comparar suas reivindicações com as plataformas dos candidatos às presidenciais de 2017 e o que descobriu apenas confunde mais as coisas: dois terços de suas reivindicações são compatíveis com as propostas de Jean-Luc Mélenchon, definido como de esquerda radical (não acho que seja bem assim, mas o Monde sabe mais que eu); metade de suas propostas são, no entanto, compatíveis com a extrema direita, compartilhadas por seus candidatos, a notória Marine Le Pen e o menos conhecido Nicolas Dupont-Aignan.
Santiago Abascal, líder do partido espanhol Vox, durante discurso em Sevilha - Marcelo del Pozo - 2.dez.2018/Reuters
Por extensão, essa identificação torna os “coletes amarelos” muito distantes de Emmanuel Macron.
É precipitado dizer que o presidente francês fracassou no seu propósito de criar um movimento (La Republique en Marche) que utilizasse, dizia, o melhor da esquerda e o melhor da direita? No primeiro ano, até que funcionou. Agora, no entanto, “instalou-se a dúvida”, escreve sempre no Monde Françoise Fressoz
Completa: “Resultados [da gestão Macron], nada ou muito pouco. O crescimento permanece fraco, o desemprego forte”. Para piorar, “o incontrolável Donald Trump fala e age bem mais firmemente que o presidente francês” (justo ele que pretendeu erigir-se no contraponto ao nacionalismo do americano).
Se se considerar que a eleição de 2017 fez pó dos partidos tradicionais e só deixou de pé o movimento de Macron, o abalo agora sofrido é mesmo para dar taquicardia na democracia. Até porque os coletes amarelos parecem ser “um eleitorado não representado em uma democracia representativa”, como escreve Judah Grunstein, editor-chefe da World Politics Review.
O desconhecido assusta mais do que zumbis redivivos como o Vox.
Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Grupo de Doria escolhe novo presidente do PSDB-SP e lança sucessor de Alckmin na sigla, OESP


Deputado estadual Marco Vinholi também será secretário da gestão Doria em 2019; deputado Bruno Araújo, nome apontado por Doria, é mencionado para a presidência nacional do partido

Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo
06 Dezembro 2018 | 16h18
Anunciado pelo governador eleito João Doria como futuro secretário de Desenvolvimento Regional de São Paulo, o deputado estadual Marco Vinholi vai assumir a presidência do PSDB-SP em 2019.
A escolha pavimenta o controle de Doria sobre a máquina partidária paulista e sacramenta o fim da “era” Geraldo Alckmin, que predominou nos últimos oito anos.
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O deputado estadual por São Paulo Marco Vinholi (PSDB) e futuro secretário de Desenvolvimento Regional do estado na gestão João Doria Foto: Raphael Montanaro/Alesp
Com o controle do PSDB paulista, o grupo de Doria ganha musculatura na disputa pelo comando do diretório nacional, que será renovado em maio. A convenção do diretório estadual será em março.
Em entrevista ao Estado, Vinholi lançou o deputado federal Bruno Araújo, que foi derrotado na disputa pelo Senado em Pernambuco, como candidato a presidente nacional do PSDB.
Araújo é o nome preferido de Doria, mas sofre resistência dos tucanos históricos que tentam frear o avanço do governador eleito sobre o partido.
Aliados de Alckmin, que não tentará à reeleição para a presidência do PSDB, tentam convencer o senador Antonio Anastasia (MG) a entrar na disputa.
“Doria passou a ser a principal liderança nacional do PSDB. É natural que haja mais membros ligados a ele na executiva do partido.  Bruno Araújo é nosso candidato a presidente nacional do PSDB”, disse Vinholi. Com 34 anos, o deputado será o mais jovem presidente do PSDB.
Ele começou a carreira política no movimento estudantil da PUC-SP, onde cursou administração, e foi dirigente da juventude tucana ao lado do atual prefeito Bruno Covas. O pai de Marco Vinholi, Geraldo Vinholi, foi prefeito de Catanduva, no interior paulista.     

Governo e religião, Antonio Delfim Netto, FSP

Provavelmente, nem a arrogância do mais pretensioso intelectual permita-lhe afirmar que as mais recentes descobertas científicas deem uma resposta aceitável ao problema fundamental que o homem se colocou desde sempre: qual o significado do universo que o cerca e qual o seu papel nele? 
Como tinha necessidade intrínseca de encontrá-la, uma vez que a sua própria sobrevivência física dependia da natureza dessa resposta, procurou conforto numa “crença”, numa “religião”, que estabelece a ordem, a estabilidade e a previsibilidade nas relações sociais, produzidas por restrições às ações de cada um, dispostas por um ser divino benevolente que controla a ordem do mundo.
Trata-se de um sentimento profundo e robusto —isto é, de uma fé— que dispensa qualquer prova material porque conforta e dá esperanças ao seu portador. Foi esse o papel da Igreja Católica durante muitos anos, antes de que ela se “intelectualizasse” e se afastasse do povo. 
É preciso —sem preconceitos— reconhecer que seu lugar hoje é ocupado pelas igrejas evangélicas, cujo sucesso é a prova material de que estão mais antenadas com as novas realidades. 
 
O conhecimento “científico” (isto é, a ciência) exige o oposto: a dúvida permanente, a busca interminável de recusar o que se supõe conhecido e aceitá-lo, provisoriamente, enquanto não for negado empiricamente. Como disse Popper, “o homem não pode conhecer, mas apenas conjecturar”. 
Não há, necessariamente, nenhuma contradição entre essas atitudes. É possível ser, ao mesmo tempo, um bom católico, um honesto protestante pentecostal ou um gentil muçulmano na vida privada (o que exige humildade) e um brilhante cientista da vida pública (orgulhoso de seus feitos), desde que estas esferas continuem separadas.
A confusão entre elas anula as suas virtudes e pode ter consequências desagradáveis.
A ação pública resolve-se no campo da política que procura a solução dos conflitos através do razoável consenso coletivo, do respeito à opinião do “outro” e da recusa a todo abuso de poder que discrimine minorias em resposta ao “pretendido” conhecimento da “vontade da maioria”. O seu instrumento é a construção de uma república democrática sem adjetivos, como a que está implícita na Constituição de 1988.
Um exemplo dessa confusão é a intromissão dos evangélicos nas políticas públicas de gênero. É melhor respeitar e deixar cada um a vida privada que mais o conforta.
Bolsonaro foi eleito por um velho movimento cíclico de “mudar tudo o que está aí”, que se repete de tempos em tempos. Torçamos para que o cumpra e não meta a religião na política pública, o que pode desviá-lo de seu objetivo.


Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.