segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Olavismo como política, Celso Rocha de Barros, FSP


O histórico de análises políticas de Olavo de Carvalho não é bom.
Não, Carvalho, o PT não estava engajado em um projeto de maciço aparelhamento do Estado brasileiro com o objetivo de construir o socialismo.
A corrupção petista não foi bolivarianismo: a grana roubada comprava campanhas eleitorais e aliados no Congresso, as mesmas sacanagens de sempre da política brasileira.
Nenhum passo em direção ao socialismo foi dado com esse dinheiro.
Aliás, parte do problema do PT foi justamente o quanto os radicais sobreviveram às investigações de corrupção. Caíram os moderados.
No final das contas, o PT caiu sem muito esforço pela ação do Congresso, da imprensa, dos tribunais, dos empresários, de todo mundo que, em tese, ele teria aparelhado.
E faltou sutileza nessa leitura de Gramsci, Carvalho. Quando Gramsci introduz o elemento de convencimento no repertório do bolchevismo, trata-se de disputar a sociedade civil nos termos da sociedade civil, a cultura nos termos da cultura, porque, sem a coerção, as regras de cada esfera se impõem.
O comunismo não passou no teste, pior para o comunismo, mas o teste ainda é esse.
Veja a história do Partido Comunista Italiano: Gramsci não conduziu nenhuma democracia ao comunismo, mas conduziu muitos comunistas à democracia.
E não, Carvalho, por mais que seu modelo mental exija sociedades secretas, o Foro de São Paulo não é uma organização poderosa que controla os partidos e governos de esquerda latino-americanos.
ideia de Carvalho é projetar no Foro a imagem da Internacional Comunista. Esta, sim, era capaz de comandar partidos pelo mundo afora.
Mas a diferença entre os dois é óbvia: ao contrário da Internacional, o Foro não tem dinheiro, não tem armas. Não tem a União Soviética.
O teste é simples: o que algum governo de esquerda fez, por ordem do Foro, que seja tão contrário ao que teria feito sem o Foro?
O que não é explicável pela ideologia de cada governo de esquerda ou pelas particularidades da política nacional de cada país?
Às vezes Carvalho é mais inteligente do que seu referencial analítico. 
Durante o impeachment, entendeu que os analistas de esquerda estavam certos, e que o impeachment era um esforço de recomposição do sistema político.
Chegou a cogitar que fosse um plano do Foro de São Paulo (Facebook, 3 de outubro de 2015).
É uma intuição correta —o impeachment prejudicou muito a reconstrução da direita democrática brasileira— expresso na linguagem paranoica do olavismo.
Em vez do impeachment, Carvalho passou a defender a intervenção militar.
Brigou com o resto da direita brasileira. Voltou ao centro do debate quando Temer e seus candidatos fracassaram, o liberalismo perdeu tração eleitoral e era preciso encontrar algum outro discurso antipetista.
A esta altura, olavismo não disputa mais “gramscianamente” a hegemonia.
Quando os militares entram em cena, essa conversa já acabou.
Mas o olavismo ainda tem duas funções, que talvez não sejam as que seu fundador gostaria de desempenhar.
Suas histórias de aparelhamento e conspiração ajudam a fazer do PT o bode expiatório dos defeitos da política brasileira, o que interessa à turma de sempre.
E o olavismo serve como droga de entrada para coisas mais pesadas, como Steve Bannon.
Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

    domingo, 2 de dezembro de 2018

    O agronegócio não é uma 'bancada do boi', FSP

    Nessa frente há trogloditas que querem queimar matas e invadir terras alheias

    Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina "bancada do boi". Nessa bancada há trogloditas que querem queimar matas, calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonarochega mesmo a acreditar que os quilombolas são um problema nacional.
    Dois renomados historiadores —Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e Francisco Vidal Luna, da USP— entregaram à editora da Universidade de Cambridge o texto de "Feeding the World" ("Alimentando o Mundo"), em que contam a história da revolução ocorrida na agricultura brasileira nos últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a tradução, no ano que vem.
    O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador de soja, carnes processadas, laranjas e açúcar. É o quinto maior produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da abertura da economia, o agronegócio adaptou-se, expandiu-se e adquiriu competitividade internacional.
    O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), veste boné verde escrito "Agro a força que move o Brasil" na feira Agrishow, em Ribeirão Preto, em abril
    O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), veste boné escrito "Agro a força que move o Brasil" na feira Agrishow, em Ribeirão Preto, em abril - Joel Silva - 30.abr.18/Folhapress
    Entre a década de 1980 e os últimos oito anos, a produtividade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreendedores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha 6.000 estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituições públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas 8.000 teses de mestrado e 3.000 dissertações de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centros de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.
    Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõem uma revolução que está acontecendo. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformou Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores; 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram 7.000 hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidade e mortalidade infantil caíram, enquanto a expectativa de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%).
    O agronegócio carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminação paleolítica obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheiros do agronegócio durante a campanha eleitoral.
    Choque
    prisão do governador Pezão chocou o Palácio do Planalto. Uma nuvem preta paira sobre o futuro de Michel Temer a partir do dia 2 de janeiro.
    No mínimo, ele ficará exposto a uma prisão espetaculosa decretada numa sexta-feira. Mesmo que ela seja revogada três dias depois, o estrago será irreversível.
    Cuidado, Moro
    Numa das encruzilhadas do caminho de Sergio Moro para o Ministério da Justiça há uma grossa macumba. O Conselho Nacional de Justiça tem 17 representações contra ele, e o julgamento está marcado para o dia 11. Muitas são referentes ao mesmo assunto, como no caso da divulgação do grampo de Lula fora do prazo legal. O CNJ pode arquivá-las, no entendimento de que, tendo-se exonerado, deixou de ser juiz. Esse seria um caminho natural, mas pode-se também deixar algumas representações na frigideira.
    Numa outra esfera, há sinais de que se articula uma forma de recurso junto ao Supremo, buscando o impedimento da posse de Moro. Isso seria feito buscando-se uma analogia meio girafa com a decisão tomada quando Lula foi impedido de assumir a Casa Civil. As chances de essa manobra dar certo são poucas, a menos que se queira apenas produzir uma barafunda.
    Satiagraha japonesa
    De um conhecedor do mundo empresarial brasileiro e mundial:
    "A prisão do Carlos Ghosn é a Operação Satiagraha japonesa".
    A Satiagraha brasileira foi uma ação espetaculosa que deu em nada. Seu chefe, o delegado Protógenes Queiroz, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal e viu-se demitido da PF.
    Ghosn é acusado, entre outras coisas, de ter um apartamento no Rio. Era a casa de sua mãe. Ele parece estar sendo triturado por um golpe empresarial, com a ajuda do Ministério Público japonês.
    Bolsonarômetro
    A equipe de Jair Bolsonaro incorporou alguns nomes com reconhecida experiência na administração pública civil. Por exemplo: Joaquim Levy (BNDES), Mansueto Almeida (Tesouro) e Waldery Rodrigues (Secretaria da Fazenda).
    Contudo, aceitando-se uma definição do banqueiro Gastão Vidigal, faltam nomes ligados à produção: "Produto é aquilo que se pode embrulhar. Pregos, por exemplo". Nessa categoria, até agora há apenas duas indicações relevantes, as da ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa da Costa, do agronegócio, e a de Roberto Castello Branco, futuro presidente da Petrobras, que passou pela Vale.
    Na equipe, entrou o empresário Salim Mattar, que vai cuidar das privatizações. Ele não tem experiência na administração pública e nunca produziu um prego, mas teve uma bem-sucedida experiência na iniciativa privada, criando a Localiza, uma empresa de serviço de locação de carros.
    O sapo otimista
    Diante do otimismo disseminado às vésperas do novo governo, aqui vai uma história que Winston Churchill contava em 1940, quando a guerra parecia perdida e a Inglaterra esperava ser invadida:
    "Dois sapos caíram numa jarra de leite. Um, assustado, afogou-se. O otimista passou a noite batendo as pernas. Não sabia para que, mas era um otimista. De manhã, estava numa jarra de manteiga, deu um pulo e foi-se embora".
    Venezuela
    A diplomacia romântica de Jair Bolsonaro corre o risco de se meter numa parceria suicida com os Estados Unidos em relação à Venezuela.
    Valeria a pena que seus estrategistas consultassem a documentação do Itamaraty para resgatar um episódio ocorrido em 1982.
    O presidente Ronald Reagan decidiu invadir o Suriname, onde ocorrera um golpe de oficiais esquerdistas, e mandou a Brasília o diretor da CIA, William Casey, para buscar apoio.
    Sem alarde, o presidente João Figueiredo informou que não entraria na aventura. O projeto da invasão com apoio do Brasil só foi revelado décadas depois, pelo próprio Reagan.
    Pavões
    Alguém precisa avisar aos desembargadores do Tribunal Regional da 4ª Região que as ombreiras plissadas de suas togas são ridículas.
    Elio Gaspari
    Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".