domingo, 24 de setembro de 2017

PSDB alimenta Bolsonaro, OESP

PSDB agoniza em praça pública e não consegue se apresentar como opção viável de poder

Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
24 Setembro 2017 | 03h00
Imerso em sua eterna crise existencial, sem conseguir decidir o que pensa sobre o governo Michel Temer, sem ser capaz de definir um calendário para a escolha de seu candidato a presidente e assistindo inerte a uma disputa que ainda é velada, mas tende a se tornar explícita, entre seus dois nomes mais viáveis para 2018, o PSDB vai perdendo relevância política nacional e alimentando o crescimento de Jair Bolsonaro.
Os tucanos parecem ter ficado aturdidos com a debacle do PT. Diante da revelação pela Lava Jato de que o PT, juntamente com seus aliados nos governos Lula e Dilma, ergueu um esquema para se perpetuar no poder à custa de contratos com estatais, o PSDB, em vez de se mostrar capaz de ser uma alternativa àquele modelo de clepto-estatismo, resolveu chafurdar na lama junto com seus arquirrivais.
A disseminação do instituto das delações premiadas fez com que, instados a falar de suas traficâncias com partidos e governos, empreiteiros dissessem o óbvio: que as práticas eram as mesmas no governo federal e em Estados governados por siglas de A a Z, inclusive e em grande medida o PSDB. 
Levados à ribalta da Lava Jato principalmente depois do impeachment, os tucanos passaram a agir em uma espécie de pacto dos afogados com petistas e peemedebistas para melar as investigações. O furacão colheu Aécio Neves, presidente do partido e seu mais bem-sucedido presidenciável desde Fernando Henrique Cardoso. 
Desde então, o PSDB agoniza em praça pública e não consegue se apresentar como uma opção viável de poder numa eleição que se dará sob o signo da reconstrução (política, econômica, ética, estrutural e institucional) do Brasil.
Surgido da costela do PMDB no fim da década de 80 justamente sob um discurso da renovação das práticas políticas e de negação do quercismo, o PSDB foi apenas um partido-butique até o Plano Real: os eleitores admiravam alguns de seus líderes, associados à luta pelas Diretas-Já e a uma centro esquerda iluminista, mas não sufragavam seus nomes em eleições majoritárias.
FHC virou ministro da Fazenda de Itamar Franco, escolheu a equipe que erigiu o Real e, de senador com dificuldade de se reeleger, se tornou presidente eleito em primeiro turno.
Desde aquela eleição e em todas as que se seguiram, o PSDB viu a necessidade de se aliar a partidos à sua direita para chegar ao poder e governar. Foi um Cavalo de Troia para ela, de bom grado.
A roubança promovida pelo PT, que desmoralizou a esquerda e implodiu até os ganhos sociais do primeiro mandato de Lula, encorajou a direita a sair do armário. E o antigo “hospedeiro”, o PSDB, não se mostra capaz de propor uma agenda econômica e política para reconquistar o eleitorado que esteve com ele nesses anos de polarização com o petismo.
Paradoxalmente, ainda são tucanos os dois nomes enxergados pelo mercado e pelas forças políticas tradicionais como viáveis para empunhar as bandeiras das reformas e com a austeridade fiscal. Mas Geraldo Alckmin e João Doria, aliados até ontem, já estão bastante avançados numa disputa por espaço interno e alianças que pode inviabilizar qualquer acordo e levá-los a disputar por partidos diferentes no ano que vem.
Enquanto grassa essa mixórdia no ninho tucano, Bolsonaro cresce sem contraponto, sem questionamento no campo da política e sem que se saiba o que propõe para a economia, educação, saúde ou qualquer tema que não seja segurança pública e uma duvidosa noção de “pureza” política.
Ondas políticas podem se tornar fenômenos irreversíveis se a sociedade se convencer de que não há alternativas. PSDB e seus aliados, de um lado, e o PT e a esquerda, de outro, insistem em fertilizar esse campo.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Estadinho, Texto de (Luiz Roberto Souza Queiroz)


Recebi a coleção de um ‘Estadinho’
que eu nem sabia que existiu
Fotografias do padre Boer, do Tuca Pereira de Queiroz, do Niles Simone, do Luiz Carlos Ramos quando ainda deixava a gente chama-lo de ‘Barriga’, do Luchetão, do Lobatinho, do Joaquim Douglas, do Marcão Faerman, das telefonistas que todos da redação queriam namorar, do Alaor, do Luiz Carlos Lisboa, do Adhemar Oricchio de chuteiras, no time do ‘Estadão’, do Hamilton Otávio de Souza (como é triste saber que tive alunos na Faculdade que já morreram), de Ivan Ângelo, Arquimedes, até do Lula, do Tráfego e a história do Messias, o fotógrafo que chegou a São Paulo para lavar pratos no restaurante de um hotel do Brás.
Essas fotos todas e muitas mais estão numa coleção encadernada do ‘Estadinho’ que, por engano, o João Luiz Guimarães trouxe para o almoço aqui em Itu, achando que era o suplemento infantil e que eu havia de querer matar a saudade dos artigos sobre animais que escrevia para a editora Lourdes Sola, o que levou o Zeca Cafundó a me apelidar de ‘Bebeto, o bichologista do Estadão’.
Mas não era, era a coleção do jornal da ‘Associação Recreativa Júlio de Mesquita’, de 1978, com reportagens incríveis, que naquele tempo mesmo nas horas de lazer os coleguinhas escreviam ‘prá copidesque nenhum ponhar defeito’.
O ‘Estadinho’ era jornal de serviços, em todo número se explicava como fazer inscrições e como estava a fila para as colônias de férias do jornal, no Suarão, mais requisitada, ou em Campos do Jordão e fico pensando se as colônias ainda existem, que fim levaram?
Havia também matérias incríveis, como do Arquimedes Azol que ‘apresentava’ os vizinhos mais próximos do ‘novo prédio’, na Marginal, as 10 vacas do ‘Velho Boiadeiro’, que pastavam num terreno ao lado do jornal e a oficina mecânica que tirou a sorte grande quando o jornalão chegou, junto com os jornalistas com seus carros velhos, que exigiam muitos reparos.
Há matérias de pesquisa, também, contando que a ideia do jornal nasceu em 1873, na Convenção de Itu, mas que não deu certo a tentativa de comprar um jornal existente, por isso foi adquirida uma tipografia com os 50 contos de reis de capital arrecadado, o que garantiu a impressão (à luz de velas de sebo, que eletricidade não havia) dos primeiros números com 4 páginas e 5 colunas largas. O incrível era a tiragem inicial, 2.000 exemplares para uma São Paulo com 25.000 habitantes, vale dizer que a tiragem cobria quase 10% da população.
As páginas do ‘Estadinho’ se sucedem com matérias que, 40 anos depois, ainda sacodem a alma desse velho repórter, orgulhoso dos companheiros que registraram a história do jornal que fazíamos. Há entrevistas com os entregadores do jornal, que enfrentavam cachorros bravos para deixar o ‘Estadão’ no jardim das casas, antes do café da manhã. Há histórias dos teletipistas, alguns mais rápidos que a máquina e foto do João Luiz, quem diria, chefiando o grupo de revisores do jornalão.
Há matérias que me pegam, como da aposentadoria do Renato Pantoja, o diagramador que, com a bebida limitada por ordem médica, levava toda noite para a redação um vidrinho de remédio cheio de ....cachaça, a dose exata que podia beber. Eu comprovo como sou um dinossauro, quando lembro que o Pantoja, meu amigo e companheiro, foi quem ensinou o Gegê a diagramar, Gegê que, depois de cantar ‘Strangers in Night’ cada vez que um censor chegava à redação foi, há menos de dois meses, velhinho, diagramar para São Pedro.
O ‘Estadinho’ tem histórias com a chargista Hilde (ela fazia exposições de xilografuras, e eu nunca soube), com Mário Erbolato, com Expedito que ainda hoje é tão gentil para resolver os infindáveis problemas de aposentadoria com o INSS, com o pessoal da limpeza que conhecíamos bem, pois tantas e tantas vezes eles chegavam de manhãzinha, quando ainda estávamos na redação, vivendo as crises, que imaginávamos serem as piores da história, sem nem desconfiar que um dia o Brasil no qual acreditávamos estaria sob comando de Renans, Jucás, de Temers e Eliseus Padilhas.
O ‘Estadinho’ me pega quando conta a história do nascimento das sucursais, fruto da visão incrível e da dedicação do Raul Bastos, a história da Sucursal de Brasília, principalmente, que nasceu com a nova Capital e me pega mais com um texto primoroso do Wanderley Midei, contando a história do Antônio Soares que, um dos primeiros setoristas, começou a cobrir a Polícia em 1945 e que, 30 anos depois lembrava que “cada vez que eu cobria um incêndio, chegava todo molhado à redação”.
Lembro, porém, que Soares não foi o primeiro, pois quando, foquinha verde de tudo cheguei ao jornal e José Natal Sartoreto resolveu que eu havia deixava de ser copy para ‘virar’ repórter – e eu não gostei -, me mostraram o Randolpho Marques Lobato e contaram que o cargo de repórter também era importante. Tanto que, quando Júlio de Mesquita Filho voltou dos Estados Unidos e reassumiu o jornal, então feito apenas de massudos artigos e ‘telegramas internacionais’, comentou que os jornais americanos tinham um novo tipo de profissional, o repórter, e que o ‘Estado’, querendo ser um jornal moderno, também deveria ter um. Esse um, foi o Lobatinho, a quem me apresentei. Ele pegou duas laudas, dobrou em quatro, na vertical, e disse: “Essa é a primeira lição, dobre as laudas assim para poder escrever em pé, sem apoio, e mesmo levando cotoveladas dos seguranças que às vezes acompanham os figurões que temos de entrevistar”.
Foi há 53 anos, mas eu nunca esqueci a lição que lembro agora, graças ao ‘Estadinho’ que não era, que o João Luiz me emprestou.

Diante da crises socioambientais, o ambientalismo também precisa de reavaliação e autocrítica, por Henrique Cortez



editorial

[EcoDebate] Ao longo dos últimos 20 anos, no Brasil e no mundo, a causa socioambiental conquistou alguns avanços e sofreu grandes derrotas. Depois de muitos anos de militância e jornalismo ambiental, me vejo falando das mesmas coisas, diante dos mesmos problemas, o que é profundamente desanimador. Tenho consciência de que meu prazo de validade está vencendo e, por isto, a frustração e o senso de urgência são ainda maiores.
Também percebo que as grandes ONGs ambientais continuam com mesmas as agendas, os mesmos discursos e a mesma dinâmica de atuação. Ou seja, também nas ações organizadas pouco avançamos, diante das crises globais e locais.
Um dos nossos problemas é a diversidade de temas na nossa agenda socioambiental, É fácil ser ambientalista nos países top do primeiro mundo, mas, nós ainda estamos patinando na educação, na saúde, no saneamento, na gestão de resíduos, na conservação, na proteção de espécies (vegetais e animais) ameaçadas, no combate ao desmatamento, nas queimadas ilegais, nas ameaças aos territórios indígenas, quilombolas e populações tradicionais, na urbanização desorganizada, na exploração predatória de nossos recursos naturais, e por aí vai.
Raras ONGs ambientalistas conseguem traçar uma agenda comum com outras ONGs ambientais e, principalmente, com os agentes sociais e os movimentos populares como a CPT, o MST, o MAB, as organizações de defesa dos direitos humanos, dos indígenas, dos quilombolas.
Aliás, as grandes ONGs precisam reavaliar suas estratégias e ações, separando as agendas globais e locais, porque nem sempre são as mesmas. No feio, sujo e pobre mundo dos subdesenvolvidos, as pautas urgentes são outras. Também devem se preocupar com a formação e informação de seus ativistas para além de seu foco específico de ação. Já passamos do momento em que a ‘decoreba’ de briefings produzidos à distância podia ser suficiente.
No Brasil e nos demais países em desenvolvimento, adotamos um modelo de desenvolvimento socialmente injusto, economicamente excludente e ambientalmente irresponsável e este é o grande tema que nos aproxima dos demais movimentos sociais e populares. Pelo menos deveria nos aproximar.
Se não questionarmos o modelo de desenvolvimento, ficaremos presos a temas meramente acessórios, em um ambientalismo de butique que não vai muito além de discutir as sacolinhas de supermercado ou fazer a separação do lixo reciclável.
De fato, o ambientalismo continua incapaz de se articular com os movimentos sociais e populares. Ao contrário dos demais movimentos sociais, os ambientalistas, em geral, tem dificuldades em assumir o questionamento do modelo de desenvolvimento, da economia que está ‘matando o planeta’, da exclusão econômica e outras questões que estão profundamente relacionadas à crise ambiental.
Vivemos em um planeta finito e com recursos naturais igualmente finitos. No entanto, o nosso modelo econômico é baseado em produção e consumo infinitos. É evidente que este modelo não funciona por muito tempo. Além de ambientalmente irresponsável, este modelo também é socialmente injusto e economicamente excludente porque apenas atende à sanha consumista de uma fração da população.
É necessária uma atitude politicamente ativa, lúcida e responsável que realmente questione o modelo atual. Não é fácil nem simples, porque serão exigidas profundas transformações, que modificarão as relações de trabalho e consumo. Na realidade, precisamos construir uma nova sociedade, com um novo modelo econômico. Voltando ao tema central, não teremos um futuro minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos, fundamentos e modelo da economia.
Uma agenda ambiental, minimamente coerente, resultará em impactos sociais e econômicos em escala global. Se não compreendermos isto, continuaremos tratando câncer com aspirina. Ou pouco mais que isto.
Estas questões sem resposta são fortes argumentos para que nos aproximemos dos movimentos sociais e populares, que questionam e lutam contra estas sequelas do modelo de desenvolvimento e de consumo.
A única diferença é que eles estão tratando dos temas e agindo em escala local e o ambientalismo deve agir em escala global porque a crise ambiental não reconhece fronteiras.
Reafirmo que não tenho as respostas, mas também reafirmo a minha convicção pessoal de que precisamos de uma ampla reflexão, de uma severa autocrítica no que fazemos ou propomos e de humildade para nos integrarmos aos demais movimentos sociais, companheiros de jornada por um outro mundo necessário e possível.
Ou, então, assumimos um mero e decorativo ambientalismo fashion, fazendo de conta que é o suficiente.
Não importa se atuamos na defesa dos animais, das florestas, do ar, da água, dos gnomos e fadas… Repito que o importante é a soma de nossas contribuições individuais. Acredito, sinceramente, que o resultado coletivo é transformador.
Como veem não é nada fácil ser ambientalista. Poucos assuntos causam tanta polêmica quanto as questões socioambientais. Isto é natural, tendo em vista a sua imensa complexidade e incontáveis desafios. Nosso conhecimento técnico-científico ainda está sendo desenvolvido e até ser completado, se é que isto acontecerá, teremos mais dúvidas do que certezas.
Existe uma estória, incorporada ao folclore científico, em que Einstein entregou à secretaria da Universidade de Princeton as questões da prova final de física. A funcionária da secretaria estranhou as perguntas porque elas eram as mesmas da prova de três anos antes, ao que Einstein respondeu que as perguntas eram as mesmas, mas as respostas agora eram outras. Folclore à parte, isto é verdade em temas ambientais.
De qualquer forma, o debate é necessário porque, sendo um tema multi e interdisciplinar, o meio ambiente exige grandes discussões. Ninguém possui todas as respostas porque ninguém possui a total percepção de todas as interações e implicações possíveis. É necessário pesquisar, analisar e debater.
Não somos inimigos do desenvolvimento nem queremos que nosso país se inviabilize economicamente. Apenas reafirmamos que este modelo de desenvolvimento é equivocado e inaceitável.
Somos incômodos porque denunciamos um gigantesco esquema oportunista e ganancioso que se apropria dos ativos ambientais e que somente pode ser combatido sistemicamente, se o modelo de desenvolvimento for repensado. Na verdade, mais do que tudo, defendemos que se iniciem as discussões sobre este modelo econômico escorado na exportação de produtos primários, com destaque para minério, carne e grãos. É necessário questionar a quem serve este modelo neocolonial e a quem beneficia
Podemos até não ser “ouvidos”, nem respeitados pelo poder, mas não desistiremos de afirmar que nossa compreensão de desenvolvimento é completamente diferente do que aí está. Queremos um desenvolvimento que seja realmente sustentável, o que, na nossa concepção, significa ser economicamente inclusivo, socialmente justo e ambientalmente responsável.
Henrique Cortez, ambientalista e jornalista, editor da revista eletrônica EcoDebate e da revista impressa Cidadania & Meio Ambiente.