sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Estadinho, Texto de (Luiz Roberto Souza Queiroz)


Recebi a coleção de um ‘Estadinho’
que eu nem sabia que existiu
Fotografias do padre Boer, do Tuca Pereira de Queiroz, do Niles Simone, do Luiz Carlos Ramos quando ainda deixava a gente chama-lo de ‘Barriga’, do Luchetão, do Lobatinho, do Joaquim Douglas, do Marcão Faerman, das telefonistas que todos da redação queriam namorar, do Alaor, do Luiz Carlos Lisboa, do Adhemar Oricchio de chuteiras, no time do ‘Estadão’, do Hamilton Otávio de Souza (como é triste saber que tive alunos na Faculdade que já morreram), de Ivan Ângelo, Arquimedes, até do Lula, do Tráfego e a história do Messias, o fotógrafo que chegou a São Paulo para lavar pratos no restaurante de um hotel do Brás.
Essas fotos todas e muitas mais estão numa coleção encadernada do ‘Estadinho’ que, por engano, o João Luiz Guimarães trouxe para o almoço aqui em Itu, achando que era o suplemento infantil e que eu havia de querer matar a saudade dos artigos sobre animais que escrevia para a editora Lourdes Sola, o que levou o Zeca Cafundó a me apelidar de ‘Bebeto, o bichologista do Estadão’.
Mas não era, era a coleção do jornal da ‘Associação Recreativa Júlio de Mesquita’, de 1978, com reportagens incríveis, que naquele tempo mesmo nas horas de lazer os coleguinhas escreviam ‘prá copidesque nenhum ponhar defeito’.
O ‘Estadinho’ era jornal de serviços, em todo número se explicava como fazer inscrições e como estava a fila para as colônias de férias do jornal, no Suarão, mais requisitada, ou em Campos do Jordão e fico pensando se as colônias ainda existem, que fim levaram?
Havia também matérias incríveis, como do Arquimedes Azol que ‘apresentava’ os vizinhos mais próximos do ‘novo prédio’, na Marginal, as 10 vacas do ‘Velho Boiadeiro’, que pastavam num terreno ao lado do jornal e a oficina mecânica que tirou a sorte grande quando o jornalão chegou, junto com os jornalistas com seus carros velhos, que exigiam muitos reparos.
Há matérias de pesquisa, também, contando que a ideia do jornal nasceu em 1873, na Convenção de Itu, mas que não deu certo a tentativa de comprar um jornal existente, por isso foi adquirida uma tipografia com os 50 contos de reis de capital arrecadado, o que garantiu a impressão (à luz de velas de sebo, que eletricidade não havia) dos primeiros números com 4 páginas e 5 colunas largas. O incrível era a tiragem inicial, 2.000 exemplares para uma São Paulo com 25.000 habitantes, vale dizer que a tiragem cobria quase 10% da população.
As páginas do ‘Estadinho’ se sucedem com matérias que, 40 anos depois, ainda sacodem a alma desse velho repórter, orgulhoso dos companheiros que registraram a história do jornal que fazíamos. Há entrevistas com os entregadores do jornal, que enfrentavam cachorros bravos para deixar o ‘Estadão’ no jardim das casas, antes do café da manhã. Há histórias dos teletipistas, alguns mais rápidos que a máquina e foto do João Luiz, quem diria, chefiando o grupo de revisores do jornalão.
Há matérias que me pegam, como da aposentadoria do Renato Pantoja, o diagramador que, com a bebida limitada por ordem médica, levava toda noite para a redação um vidrinho de remédio cheio de ....cachaça, a dose exata que podia beber. Eu comprovo como sou um dinossauro, quando lembro que o Pantoja, meu amigo e companheiro, foi quem ensinou o Gegê a diagramar, Gegê que, depois de cantar ‘Strangers in Night’ cada vez que um censor chegava à redação foi, há menos de dois meses, velhinho, diagramar para São Pedro.
O ‘Estadinho’ tem histórias com a chargista Hilde (ela fazia exposições de xilografuras, e eu nunca soube), com Mário Erbolato, com Expedito que ainda hoje é tão gentil para resolver os infindáveis problemas de aposentadoria com o INSS, com o pessoal da limpeza que conhecíamos bem, pois tantas e tantas vezes eles chegavam de manhãzinha, quando ainda estávamos na redação, vivendo as crises, que imaginávamos serem as piores da história, sem nem desconfiar que um dia o Brasil no qual acreditávamos estaria sob comando de Renans, Jucás, de Temers e Eliseus Padilhas.
O ‘Estadinho’ me pega quando conta a história do nascimento das sucursais, fruto da visão incrível e da dedicação do Raul Bastos, a história da Sucursal de Brasília, principalmente, que nasceu com a nova Capital e me pega mais com um texto primoroso do Wanderley Midei, contando a história do Antônio Soares que, um dos primeiros setoristas, começou a cobrir a Polícia em 1945 e que, 30 anos depois lembrava que “cada vez que eu cobria um incêndio, chegava todo molhado à redação”.
Lembro, porém, que Soares não foi o primeiro, pois quando, foquinha verde de tudo cheguei ao jornal e José Natal Sartoreto resolveu que eu havia deixava de ser copy para ‘virar’ repórter – e eu não gostei -, me mostraram o Randolpho Marques Lobato e contaram que o cargo de repórter também era importante. Tanto que, quando Júlio de Mesquita Filho voltou dos Estados Unidos e reassumiu o jornal, então feito apenas de massudos artigos e ‘telegramas internacionais’, comentou que os jornais americanos tinham um novo tipo de profissional, o repórter, e que o ‘Estado’, querendo ser um jornal moderno, também deveria ter um. Esse um, foi o Lobatinho, a quem me apresentei. Ele pegou duas laudas, dobrou em quatro, na vertical, e disse: “Essa é a primeira lição, dobre as laudas assim para poder escrever em pé, sem apoio, e mesmo levando cotoveladas dos seguranças que às vezes acompanham os figurões que temos de entrevistar”.
Foi há 53 anos, mas eu nunca esqueci a lição que lembro agora, graças ao ‘Estadinho’ que não era, que o João Luiz me emprestou.

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