[EcoDebate] Ao longo dos últimos 20 anos, no Brasil e no mundo, a causa socioambiental conquistou alguns avanços e sofreu grandes derrotas. Depois de muitos anos de militância e jornalismo ambiental, me vejo falando das mesmas coisas, diante dos mesmos problemas, o que é profundamente desanimador. Tenho consciência de que meu prazo de validade está vencendo e, por isto, a frustração e o senso de urgência são ainda maiores.
Também percebo que as grandes ONGs ambientais continuam com mesmas as agendas, os mesmos discursos e a mesma dinâmica de atuação. Ou seja, também nas ações organizadas pouco avançamos, diante das crises globais e locais.
Um dos nossos problemas é a diversidade de temas na nossa agenda socioambiental, É fácil ser ambientalista nos países top do primeiro mundo, mas, nós ainda estamos patinando na educação, na saúde, no saneamento, na gestão de resíduos, na conservação, na proteção de espécies (vegetais e animais) ameaçadas, no combate ao desmatamento, nas queimadas ilegais, nas ameaças aos territórios indígenas, quilombolas e populações tradicionais, na urbanização desorganizada, na exploração predatória de nossos recursos naturais, e por aí vai.
Raras ONGs ambientalistas conseguem traçar uma agenda comum com outras ONGs ambientais e, principalmente, com os agentes sociais e os movimentos populares como a CPT, o MST, o MAB, as organizações de defesa dos direitos humanos, dos indígenas, dos quilombolas.
Aliás, as grandes ONGs precisam reavaliar suas estratégias e ações, separando as agendas globais e locais, porque nem sempre são as mesmas. No feio, sujo e pobre mundo dos subdesenvolvidos, as pautas urgentes são outras. Também devem se preocupar com a formação e informação de seus ativistas para além de seu foco específico de ação. Já passamos do momento em que a ‘decoreba’ de briefings produzidos à distância podia ser suficiente.
No Brasil e nos demais países em desenvolvimento, adotamos um modelo de desenvolvimento socialmente injusto, economicamente excludente e ambientalmente irresponsável e este é o grande tema que nos aproxima dos demais movimentos sociais e populares. Pelo menos deveria nos aproximar.
Se não questionarmos o modelo de desenvolvimento, ficaremos presos a temas meramente acessórios, em um ambientalismo de butique que não vai muito além de discutir as sacolinhas de supermercado ou fazer a separação do lixo reciclável.
De fato, o ambientalismo continua incapaz de se articular com os movimentos sociais e populares. Ao contrário dos demais movimentos sociais, os ambientalistas, em geral, tem dificuldades em assumir o questionamento do modelo de desenvolvimento, da economia que está ‘matando o planeta’, da exclusão econômica e outras questões que estão profundamente relacionadas à crise ambiental.
Vivemos em um planeta finito e com recursos naturais igualmente finitos. No entanto, o nosso modelo econômico é baseado em produção e consumo infinitos. É evidente que este modelo não funciona por muito tempo. Além de ambientalmente irresponsável, este modelo também é socialmente injusto e economicamente excludente porque apenas atende à sanha consumista de uma fração da população.
É necessária uma atitude politicamente ativa, lúcida e responsável que realmente questione o modelo atual. Não é fácil nem simples, porque serão exigidas profundas transformações, que modificarão as relações de trabalho e consumo. Na realidade, precisamos construir uma nova sociedade, com um novo modelo econômico. Voltando ao tema central, não teremos um futuro minimamente aceitável sem uma profunda revisão dos conceitos, fundamentos e modelo da economia.
Uma agenda ambiental, minimamente coerente, resultará em impactos sociais e econômicos em escala global. Se não compreendermos isto, continuaremos tratando câncer com aspirina. Ou pouco mais que isto.
Estas questões sem resposta são fortes argumentos para que nos aproximemos dos movimentos sociais e populares, que questionam e lutam contra estas sequelas do modelo de desenvolvimento e de consumo.
A única diferença é que eles estão tratando dos temas e agindo em escala local e o ambientalismo deve agir em escala global porque a crise ambiental não reconhece fronteiras.
Reafirmo que não tenho as respostas, mas também reafirmo a minha convicção pessoal de que precisamos de uma ampla reflexão, de uma severa autocrítica no que fazemos ou propomos e de humildade para nos integrarmos aos demais movimentos sociais, companheiros de jornada por um outro mundo necessário e possível.
Ou, então, assumimos um mero e decorativo ambientalismo fashion, fazendo de conta que é o suficiente.
Não importa se atuamos na defesa dos animais, das florestas, do ar, da água, dos gnomos e fadas… Repito que o importante é a soma de nossas contribuições individuais. Acredito, sinceramente, que o resultado coletivo é transformador.
Como veem não é nada fácil ser ambientalista. Poucos assuntos causam tanta polêmica quanto as questões socioambientais. Isto é natural, tendo em vista a sua imensa complexidade e incontáveis desafios. Nosso conhecimento técnico-científico ainda está sendo desenvolvido e até ser completado, se é que isto acontecerá, teremos mais dúvidas do que certezas.
Existe uma estória, incorporada ao folclore científico, em que Einstein entregou à secretaria da Universidade de Princeton as questões da prova final de física. A funcionária da secretaria estranhou as perguntas porque elas eram as mesmas da prova de três anos antes, ao que Einstein respondeu que as perguntas eram as mesmas, mas as respostas agora eram outras. Folclore à parte, isto é verdade em temas ambientais.
De qualquer forma, o debate é necessário porque, sendo um tema multi e interdisciplinar, o meio ambiente exige grandes discussões. Ninguém possui todas as respostas porque ninguém possui a total percepção de todas as interações e implicações possíveis. É necessário pesquisar, analisar e debater.
Não somos inimigos do desenvolvimento nem queremos que nosso país se inviabilize economicamente. Apenas reafirmamos que este modelo de desenvolvimento é equivocado e inaceitável.
Somos incômodos porque denunciamos um gigantesco esquema oportunista e ganancioso que se apropria dos ativos ambientais e que somente pode ser combatido sistemicamente, se o modelo de desenvolvimento for repensado. Na verdade, mais do que tudo, defendemos que se iniciem as discussões sobre este modelo econômico escorado na exportação de produtos primários, com destaque para minério, carne e grãos. É necessário questionar a quem serve este modelo neocolonial e a quem beneficia
Podemos até não ser “ouvidos”, nem respeitados pelo poder, mas não desistiremos de afirmar que nossa compreensão de desenvolvimento é completamente diferente do que aí está. Queremos um desenvolvimento que seja realmente sustentável, o que, na nossa concepção, significa ser economicamente inclusivo, socialmente justo e ambientalmente responsável.
Henrique Cortez, ambientalista e jornalista, editor da revista eletrônica EcoDebate e da revista impressa Cidadania & Meio Ambiente.
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