O embaixador Rubens Ricupero, principal conselheiro do chanceler José Serra, contestou artigo publicado pelo ex-chanceler Celso Amorim (1993-95 e 2003-11) na Folha neste domingo (22). No texto, Amorim critica "o afã em aderir a mega-acordos regionais como o TPP (Tratado Transpacífico )", que tem 12 países.
Segundo o diplomata, Serra não diz que pretende negociar a entrada do Brasil no TPP. "A ideia é apenas se aproximar desses países", diz Ricupero, que foi secretário-geral da Unctad (Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento), ministro da Fazenda e do Meio Ambiente.
Em relação às críticas que Amorim fez às notas do Itamaraty que rechaçavam comentários dos países da aliança bolivariana, Ricupero afirma: "É inacreditável um [ex-]ministro que aplaude um ataque estrangeiro ao Brasil". Países como Bolívia e Venezuela questionaram a legitimidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
O ex-ministro também respondeu às criticas ao estudo de custos que pode resultar em fechamento de embaixadas abertas pelos governos de Lula e Dilma. "O que adianta ter embaixada se não há dinheiro para pagar a contas?", indagou.
Em seu artigo, Amorim irozina que o Brasil voltará "ao cantinho de onde nunca deveria ter saído", referindo-se a uma posição subalterna no cenário internacional.
"Uma coisa é você ter sobriedade e realismo, outra é querer dar um passo maior que a perna", disse Ricupero.
Segundo ele, o Brasil é uma potência quando se refere ao tema do ambiente, mas não se aproveitou dessa oportunidade durante Lula e Dilma. "Eles foram tímidos e defensivos."
Ele rebateu a ideia de que Serra, que acusava a política externa do PT de ser ideológica, agora proponha uma aproximação com governos de centro-direita, o que seria também uma "ideologização".
"Lula e Amorim buscavam uma relação especial com países como Nicarágua e Cuba, com os quais não temos quase nada em comum", disse.
"Já Argentina e México são as duas principais economias da região e são governos dispostos a negociar com o Brasil. Argentina seria prioritária com Cristina Kirchner ou Mauricio Macri."
Uma
imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por
cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as
palavras podem ter grande peso.
A
combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se
ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.
É
até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo
que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande
parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.
E
não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e
intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo.
Certamente, a imagem da equipe do filme "Aquarius", estampada pelaFolhaem sua primeira página da
edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as
figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.
Evaristo
Sá -18.maio.2016/AFP
Novo chanceler brasileiro,
José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
Por
um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado
aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam
mulheres, negros ou jovens.
O
que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.
Em
suas primeiras ações,o novo chancelerdisse a que veio: com palavras
incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como
a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em
"propagar falsidades", asnotas divulgadas(aliás, estranhamente atribuídas ao
Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe,
com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos
do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena
nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das
Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade
dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.
Um
misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o
Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.
Talvez,
por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram
palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a
despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se
sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica,
insuspeita de bolivarianismo.
Mas
o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados
de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político.
Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo,
não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.
Há
muito que "especialistas", cujos discursos são ecoados pela grande
mídia, acusam de "partidária" a política externa dos governos Lula e
Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e
admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada
pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que
modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC
(Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das
negociações em nível global.
Ao
mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu
"coração", a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do
presidente Tabaré Vasquez).
Em
matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (aParceria Transpacífico) denota total ignorância das
cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo
industrial, ambiental e de saúde, entre outros).
Chega
a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de
usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja
informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus
(na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais
ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento
em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam
para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e
Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada
pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.
A
África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do
Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do
continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano,
sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia,
Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant.
Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria.
Nada de atitudes independentes.
A
Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido
reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma
solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na
época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo,
inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo
medíocre em nosso país.
Mas
as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo
voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca
deveria ter saído.
CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi
ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo
Dilma)
O maior desafio do
novo presidente é colocar a economia brasileira nos trilhos. Isso requer
ajustar as contas públicas para evitar um crescimento explosivo da dívida.
Esse ajuste é
muito complicado em uma recessão, pois a arrecadação de impostos é
menor e aumentar impostos nesse momento torna ainda mais
difícil a recuperação.
Se o novo governo
conseguisse transmitir confiança aos investidores e, assim, atrair
investimentos, a tarefa seria menos complicada por dois motivos: esse
aumento no investimento e na produção teria um efeito positivo na arrecadação
(menos cortes seriam necessários); e o consequente aumento no nível de
emprego colaboraria para a popularidade do novo governo e, assim,
reduziria a oposição às reformas.
Então, como transmitir
confiança?
O governo precisa
convencer os agentes econômicos que será capaz de aprovar uma
série de medidas econômicas que implicam em gastos públicos menores e/ou
impostos maiores. Muita gente vai reclamar.
Portanto, para transmitir
confiança, o presidente precisa mostrar que será capaz
de suportar pressões de vários grupos e de angariar algum
apoio da opinião pública.
A questão do
Ministério ou Secretaria da Cultura é pouco relevante. Em princípio,
a mudança poderia ser só uma troca de nome. Só que Michel Temer
poderia ter usado esse episódio para transmitir confiança.
Usando a terminologia de
teoria dos jogos, a chiadeira contra a extinção do Ministério da Cultura deu ao
presidente a oportunidade de “sinalizar seu tipo”, ou seja, deu-lhe a chance
de mostrar que teria condições de suportar pressões e ditar a agenda.
Por exemplo, me parece que
seria fácil para o governo olhar os orçamentos dos ministérios e:
(1) Achar algum motivo pelo
qual faria sentido ter o Ministério da Cultura junto com o da Educação. Alguma
secretaria ou órgão com função parecida nos dois ministérios, ou alguns
programas que poderiam ser combinados, alguma sinergia, qualquer coisa.
Qualquer coisa que pudesse ser usada para argumentar que a mudança será benéfica (mesmo que depois alguém
pudesse apontar contra argumentos).
(2) Achar algum
gasto que pode ser cortado, algum incentivo que pode ser modificado
(talvez por algum tempo), alguma coisa que signifique uma economia de recursos
e que a maior parte da população seja a favor (claro que alguns vão
chiar, é preciso aguentar).
(3) Achar algum gasto
que foi cortado, algum programa que não foi executado pela gestão
anterior, qualquer coisa que custe menos que o que será cortado (o item 2) e
pareça um melhor uso de recursos.
Por exemplo: seria
reduzido o incentivo fiscal a grandes empresas (ou bancos!) que
financiam eventos direcionados aos mais ricos (com ingressos caros); aumentaria
o incentivo fiscal para algum tipo de projeto de arte com entrada franca. No
total, o país economizaria um troco.
Os jornais trariam os
argumentos dos Ministros ou Secretários com números e exemplos que
quase ninguém conhece ou tem acesso (ou paciência para olhar). Até alguém
achar os dados, entender o assunto e estruturar um
bom contra-argumento, levaria uma semana. Nesse tempo, o assunto já
estaria esfriando e o debate ficaria restrito aos mais interessados.
A economia de recursos
seria ínfima se comparada ao tamanho do ajuste, mas o governo
conseguiria “sinalizar seu tipo”.
À opinião pública, o
governo passaria a impressão de saber o que está fazendo e de estar
buscando um ajuste fiscal razoável.
Aos mais cínicos (como eu),
o governo passaria a impressão de conseguir suportar pressões e de ser
capaz de trazer a opinião pública para seu lado. Investidores passariam
a acreditar que o governo teria condições de fazer limonadas dos
vários limões que ainda serão atirados quando medidas de ajuste forem
propostas.