CELSO
AMORIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
22/05/2016 01h22
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Uma
imagem vale mais que cem palavras, diz o provérbio chinês; e uma ação vale por
cem imagens, poder-se-ia complementar. E, no entanto, na diplomacia, as
palavras podem ter grande peso.
A
combinação das palavras com as ações em matéria de política externa, que se
ouviram ou viram até aqui, inspira preocupação.
É
até compreensível que o novo chanceler do governo interino defenda o processo
que o guindou ao cargo, amplamente criticado no mundo, ainda que uma grande
parte da população brasileira considere tal processo ilegítimo.
E
não estamos falando apenas dos militantes do PT e do PC do B, mas de artistas e
intelectuais, que, de maneira intuitiva, interpretam a alma do povo.
Certamente, a imagem da equipe do filme "Aquarius", estampada pela Folhaem sua primeira página da
edição de quarta-feira (18), contrasta, inclusive por sua diversidade, com as
figuras cinzentas que aparecem na cerimônia de posse do presidente interino.
Evaristo
Sá -18.maio.2016/AFP
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Novo chanceler brasileiro,
José Serra, em seu escritório no Itamaraty, Brasília
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Por
um momento, ao vê-las, com os áulicos de ontem e de sempre, fui transportado
aos eventos palacianos do tempo do governo militar, quando não se viam
mulheres, negros ou jovens.
O
que assistimos no Itamaraty guarda semelhança com esse quadro mais amplo.
Em
suas primeiras ações, o novo chanceler disse a que veio: com palavras
incomumente duras, que fazem lembrar os comunicados do tempo da ditadura, como
a acusação de que governos de países da nossa região estariam empenhados em
"propagar falsidades", as notas divulgadas (aliás, estranhamente atribuídas ao
Ministério das Relações Exteriores e não ao governo brasileiro, como de praxe,
com o intuito provável de enfatizar a autoria) atacam governos de países amigos
do Brasil, ameaçam veladamente o corte da cooperação técnica a uma pequena
nação pobre da América Central e acusam o secretário-geral da Unasul (União das
Nações Sul-Americanas), um ex-presidente colombiano, eleito pela unanimidade
dos membros que constituem a organização, de extrapolar suas funções.
Um
misto de prepotência e de arrogância pode ser lido nas entrelinhas, como se o
Brasil fosse diferente e melhor do que nossos irmãos latino-americanos.
Talvez,
por prudência (ou temor do sócio maior dessa entidade), as notas evitaram
palavras equivalentes sobre a OEA (Organização dos Estados Americanos), a
despeito das expressões críticas do seu secretário-geral e da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Até o momento, eximiu-se de manifestar-se
sobre as preocupações expressadas pela pequena, mas altiva Costa Rica,
insuspeita de bolivarianismo.
Mas
o que mais preocupa é o afã em diferenciar-se de governos anteriores, acusados
de ação partidária, como se esta só existisse na esquerda do espectro político.
Quando o partido é de direita, e as opções seguem a cartilha do neoliberalismo,
não haveria partidarismo. Tratar-se-ia de políticas de Estado.
Há
muito que "especialistas", cujos discursos são ecoados pela grande
mídia, acusam de "partidária" a política externa dos governos Lula e
Dilma, esquecendo-se que muitas de suas iniciativas foram objeto de respeito e
admiração pelo mundo afora, como a própria Unasul —aparentemente desprezada
pelos ocupantes atuais do poder— os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul; sem os quais não teria havido a primeira reforma real, ainda que
modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial) e o G-20 da OMC
(Organização Mundial do Comércio), que mudou de forma definitiva o padrão das
negociações em nível global.
Ao
mesmo tempo, busca-se derreter o Mercosul, retirando-lhe seu
"coração", a União Aduaneira (para tomar emprestado uma metáfora do
presidente Tabaré Vasquez).
Em
matéria comercial, o afã em aderir a mega-acordos regionais do tipo do TPP (a Parceria Transpacífico ) denota total ignorância das
cláusulas, que cerceiam possibilidades de políticas soberanas (no campo
industrial, ambiental e de saúde, entre outros).
Chega
a ser espantoso que alguém que se bateu, com coragem e firmeza, pelo direito de
usar licenças compulsórias para garantir a produção de genéricos, não esteja
informado da existência de cláusulas, intituladas enganosamente de Trips plus
(na verdade, do nosso ponto de vista, seriam Trips minus), que, de forma mais
ou menos disfarçada, reduzem a latitude para o uso de tais medidas, no momento
em que comissões de alto nível criadas pelo secretário-geral da ONU alertam
para o risco de debilitar a Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e
Saúde, consagrada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, aprovada
pelos chefes de Estado na 20ª Assembleia Geral da ONU.
A
África, de onde provém metade da população brasileira e onde os negócios do
Brasil cresceram exponencialmente —sem falar na importância estratégica do
continente africano para a segurança do Atlântico Sul- ficará em segundo plano,
sob a ótica de um pragmatismo imediatista. Sobre os Brics, o Ibas (Índia,
Brasil e África do Sul), as relações com os árabes, uma menção en passant.
Esqueça-se a multipolaridade, viva a hegemonia unipolar do pós-Guerra Fria.
Nada de atitudes independentes.
A
Declaração de Teerã, por meio da qual o Brasil, com a Turquia (e a pedido
reiterado do presidente Barack Obama, diga-se de passagem) mostrou que uma
solução negociada era possível, completou seis anos, no dia 17 de maio. Na
época, foi exaltada por especialistas das mais variadas partes do mundo,
inclusive nos Estados Unidos. Porém causou horror aos defensores do bom-mocismo
medíocre em nosso país.
Mas
as elites não terão mais nada a temer. Nenhuma atitude desassombrada desse tipo
voltará a ser tomada. O Brasil voltará ao cantinho pequeno de onde nunca
deveria ter saído.
CELSO AMORIM, diplomata de carreira, foi
ministro das Relações Exteriores (governos Itamar e Lula) e da Defesa (governo
Dilma)
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