quarta-feira, 16 de abril de 2014

O PAC 3 e as eleições - GIL CASTELLO BRANCO


O GLOBO - 15/04

Em síntese, até dezembro de 2013 mais da metade do PAC 2 sequer saiu do papel


Há dez dias, quando a presidente-candidata anunciou que lançará em agosto — dois meses antes das próximas eleições — a terceira versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3), lembrei-me dos filmes da série “Rambo”, que agradavam aos cinéfilos menos exigentes, especialmente pela pirotecnia. Na verdade, Lula e Dilma não inovaram ao “batizar” e associar um conjunto de ações aos seus mandatos. Assim foi em governos anteriores com o “Avança Brasil”, o “Brasil em Ação”, o “Programa de Metas”, o “Plano Salte”, entre outros. Estrategicamente, são “títulos fantasia” para Planos Plurianuais (PPAs), previstos na Constituição federal, que os governantes têm por obrigação realizar.

Às vésperas da divulgação do PAC 3, a Associação Contas Abertas reuniu dados oficiais sobre a execução do PAC 2, que abrange o período de 2011 a 2014. Essa etapa do programa foi anunciada com pompa e cerimônia em 29 de março de 2010, na presença de 30 ministros do governo Lula, prefeitos de várias capitais, empresários e líderes de movimentos sociais.

Em síntese, até dezembro de 2013 mais da metade do PAC 2 sequer saiu do papel. Decorridos três anos, dentre os 49.095 empreendimentos, 26.154 (53%) estão nos estágios de “ação preparatória”, “em contratação”, “em licitação de obra” e “em licitação de projeto”. De cada dez iniciativas, menos de quatro estão “em obra” ou “em execução”. Apenas 12% dos empreendimentos estão “concluídos”.

Na Saúde, das 24.006 obras tocadas pelo ministério e pela Funasa, só 2.547 (11%) foram colocadas à disposição da sociedade. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) ilustram essa realidade: das 15.652 previstas, irrisórias 1.404 (9%) foram concluídas. Quanto às Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), 503 estavam previstas, mas somente 14 ficaram prontas. Nas ações de saneamento e recursos hídricos, das 7.911 iniciativas, apenas 1.129 (14%) foram finalizadas. Pelo visto, para reduzir os problemas da saúde no Brasil, serão necessárias, além dos médicos cubanos, mais infraestrutura e melhor gestão.

Em outras áreas, várias propostas ainda são promessas. No começo do ano passado, durante o programa “Café com a presidenta”, Dilma prometeu entregar até o fim do seu mandato seis mil creches, número que poderia chegar a nove mil. Para a profecia não virar “mico”, as obras terão que ser aceleradas. Das 5.257 creches e pré-escolas constantes do PAC 2 apenas 223 estavam em funcionamento até o fim do ano passado. No esporte, os estádios padrão Fifa estão quase prontos; no entanto, das 9.158 quadras esportivas que seriam construídas em escolas, apenas 481 (5%) foram inauguradas. Nenhum dos 285 centros de iniciação ao esporte ficou pronto.

Os resultados também são pífios nos Transportes. Dos 106 empreendimentos em aeroportos, quase 70% ainda estão em fases burocráticas. De cada três obras em rodovias, apenas uma foi concluída. Das 48 intervenções em ferrovias, apenas 12 chegaram ao fim. Nos chamados PACs do “turismo”, das “cidades históricas” e das “cidades digitais” nenhum dos 733 empreendimentos foi finalizado.

Como quantitativamente os projetos evoluem lentamente, o governo prefere enfatizar que as “ações concluídas” somam R$ 583 bilhões. Deste valor, 44%, isto é, R$ 253,8 bilhões são “empréstimos habitacionais à pessoa física”. Assim, caro leitor, se você for à Caixa Econômica Federal e solicitar empréstimo para a compra de imóvel novo, usado ou para reformas, o financiamento, tão logo liberado, será incluído como “ação concluída” do PAC. Por incrível que possa parecer, o dinheiro que a CEF lhe emprestou — em parte vindo do FGTS, que já era seu e sobre o qual você irá pagar juros — é a principal realização do PAC 2, tal como já acontecera no PAC 1. A soma dos “empréstimos habitacionais à pessoa física” é tão relevante que supera o montante de todas as obras concluídas dos eixos de transporte e energia.

Em agosto, após as comemorações ou a ressaca da Copa, estaremos a dois meses das eleições e os marqueteiros entrarão em campo. O governo associará o PAC 3 à “mãe do programa”, destacando a importância da sua reeleição para a continuidade da saga. A oposição, certamente, irá procurar demonstrar a extensão do canteiro de obras inacabadas. Diante desse panorama, antes de anunciar o PAC 3, seria conveniente o governo acelerar o PAC 2. Afinal, a estratégia política de fazer promessas mirabolantes às vésperas das eleições é mais velha do que os filmes de Sylvester Stallone, o heroico personagem da série “Rambo”.

Justiça suspende audiências e barra Plano Diretor em SP


Liminar acolheu pedido de associação que alega que debates confundem participantes

16 de abril de 2014 | 9h 59

Caio do Valle - O Estado de S. Paulo
Atualizado às 12h25.
Plano Diretor tem como meta deixar cidade menos desigual - Ernesto Rodrigues/Estadão
Ernesto Rodrigues/Estadão
Plano Diretor tem como meta deixar cidade menos desigual
SÃO PAULO - Uma decisão judicial suspendeu a revisão do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, um dos principais projetos da gestão do prefeito Fernando Haddad (PT). Com isso, as discussões em torno da proposta ficam impedidas de seguir em frente na Câmara Municipal.
Em uma liminar publicada nesta terça-feira, 15, o desembargador Camargo Pereira, da 3ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, acolheu um pedido da Associação Preserva São Paulo para barrar as audiências públicas realizadas para debater as características do Plano Diretor.
Na avaliação da entidade, essas audiências têm sido convocadas "em desacordo com os princípios da plena informação, da publicidade, eficiência e da supremacia do interesse público, pois, de forma arbitrária, o calendário proposto se inviabiliza aos munícipes e interessados delas participarem, vez que o objeto de discussão das audiências o substitutivo ao PL 0688/2013 é desconhecido pela população."
A Preserva São Paulo perdeu o processo movido contra a Câmara Municipal, mas recorreu e obteve agora a liminar em segunda instância, onde conseguiu a vitória, por meio de um efeito suspensivo. Com isso, a Câmara fica impedida de realizar novos eventos para debater o Plano Diretor. Havia dois marcados para esta quarta-feira, 16, e dois para quinta-feira, 17.
Segundo a entidade que moveu a ação, "nas audiências públicas já realizadas nos dias 5 e 6 de abril, havia pelo menos dois textos diferentes sobre o mesmo assunto, o que confundia os presentes". Por isso, pretendia obter na Justiça a suspensão das audiências convocadas para os dias 14, 15, 16 e 17 de abril. Como a decisão foi tomada nesta terça, a restrição valerá para esta quarta e quinta-feira.
Segundo Jorge Eduardo Rubies, presidente da Associação Preserva São Paulo, as audiências muitas vezes são realizadas na mesma data e textos com diferentes versões circulam nos eventos. Para ele, isso dificulta o processo de debate com a população a respeito do futuro Plano Diretor.
"A cada dia eles mudavam os textos, colocando coisas para favorecer o setor imobiliário, sem consultar e contra os interesses da população. Esse processo está vergonhoso, na verdade. Vários movimentos sociais estão chocados com o que está acontecendo", disse Rubies ao Estado.
Política urbana. O Plano Diretor Estratégico, segundo a Prefeitura, "é a primeira etapa do processo de revisão do marco regulatório de política urbana do município, enquanto tal, estabelece um importante avanço para que se estabeleça um novo modelo de desenvolvimento urbano diretamente atrelado ao enfrentamento das expressivas desigualdades socioterritoriais presentes na cidade de São Paulo".
Seu objetivo é "equilibrar o funcionamento da cidade, combinando uma boa regulação urbana que articule o fortalecimento do controle social com a dinamização das iniciativas" para tornar a cidade menos desigual.
Procurada, a Câmara Municipal informou por meio de nota que "ainda não foi intimada a respeito das audiências públicas do Plano Diretor Estratégico".
Veja a íntegra do despacho judicial:

Judiciário sacrificado (pauta Nalini)

16 de abril de 2014 | 3h 50

José Renato Nalini* - O Estado de S.Paulo
A explosão de ações judiciais é um fenômeno que assola o Brasil e precisaria ser tratado como política pública das mais sérias. Como atender ao demandismo que produziu, em poucos anos, quase 100 milhões de processos em toda a Justiça brasileira? O usuário do sistema quer respostas prontas. Afinal, impossível pactuar com a injustiça, e o serviço estatal encarregado de resolver conflitos precisa funcionar com eficiência, princípio incidente sobre toda espécie de atividade governamental.
Enquanto não se inverte a tendência de proliferação de processos, fruto, entre outras causas, de uma formação adversarial nas Faculdades de Direito, e se adota o rumo do ideal da pacificação, é preciso enfrentar os milhões de demandas em curso. São Paulo é um exemplo emblemático: 20 milhões de processos tramitam por todos os foros da Justiça Comum Estadual. Mas o crescimento quantitativo não correspondeu ao tratamento reservado ao Poder Judiciário pelos setores técnicos responsáveis pelo orçamento.
Enquanto o Orçamento Geral do Estado registrou acréscimo de 97% nos últimos sete exercícios, saltando de R$ 96 bilhões em 2008 para R$ 190 bilhões em 2014, a dotação do Tribunal de Justiça (TJSP) foi corrigida em apenas 54,7%, passando de R$ 4,2 bilhões em 2008 para R$ 6,5 bilhões em 2014. Significativa a queda na participação do Judiciário nesse orçamento: era de 4,38% em 2008 e em 2014 foi reduzida para 3,42%.
Se a porcentagem mínima fosse preservada, a dotação orçamentária de 2014 corresponderia a R$ 8,32 bilhões, ou seja, R$ 1,82 bilhão superior ao aprovado na Lei Orçamentária de 2014, após as mutilações propostas pelo Executivo e acolhidas pelo Legislativo.
O quadro atual é preocupante, para ser eufemístico. Em 2013 o comprometimento com pessoal atingiu 95,7% de todo o orçamento. Houve necessidade de suplementação orçamentária para honrar o pagamento do funcionalismo, no valor de R$ 231 milhões. Já para 2014 o TJSP postulou R$ 9,8 bilhões, dos quais R$ 9,08 bilhões para pagamento de pessoal, R$ 420 milhões para custeio e R$ 206 milhões para investimento. Na proposta inicial projetou-se o custo do dissídio anual de servidores e magistrados e o acréscimo decorrente do aumento efetivo de servidores - ativos e inativos -, que passou de 57.822 para 60.862 em dezembro de 2013.
Foram ainda encaminhadas Emendas de números 8.749, 10.969, 12.129, 12.147 e 12.335, para inclusão dos benefícios concedidos aos funcionários da Justiça, previstos pela Lei Complementar Estadual n.º1.217, aprovada no final de 2013. Essa normativa criou a Gratificação pelo Desempenho de Atividade Cartorária (GDAC), o Adicional de Qualificação (AQ) e a Revisão de Enquadramentos. Todavia tais acréscimos, decorrentes de lei aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, não foram acolhidos. Entre o exercício de 2013 e o de 2014 houve adição de míseros 2,28% no orçamento do Judiciário, evidentemente insuficiente para fazer face às despesas para a manutenção dos serviços.
Um aumento de apenas R$ 162 milhões para pagamento de pessoal não suportará o gasto ordinário diante dos dissídios anuais de servidores (6%) e magistrados (5%), que importarão em despesa projetada de R$ 359 milhões anuais - além dos R$ 220 milhões da implantação dos benefícios legais GDAC, AQ, da Revisão de Enquadramentos e dos R$ 294 milhões decorrentes da recomposição do quadro de servidores.
Esse déficit orçamentário torna inviável o enfrentamento de urgências manifestas: suprir as estruturas anacrônicas de inúmeras comarcas, tanto material como de pessoal, atender às demandas dos municípios que pretendem ampliação dos serviços, dotar de instalações condignas foros sucateados, acelerar a informatização e tantos outros sonhos suscetíveis de se converterem - diante da ausência de recursos financeiros - num trágico pesadelo.
É urgente repensar a fórmula adotada por São Paulo de sustento de sua Justiça. Para mantê-la em situação compatível com as necessidades da população precisa ser retomada a discussão de reservar porcentagem mínima da arrecadação do ICMS, insuscetível de cortes ou de contingenciamento. Nunca se destinaram 6% da arrecadação à Justiça do maior Estado da Federação. Mas é preciso implementar a urgente destinação dos emolumentos dos serviços extrajudiciais exclusivamente ao Judiciário. Por preceito constitucional, é o Judiciário que fiscaliza, disciplina, provê as funções e mantém sob sua direta coordenação os antigos cartórios: tabelionatos e registros públicos. É inconcebível que a parcela que o Estado arrecada com tais imprescindíveis préstimos não seja carreada para a Justiça. Impõe-se revisão da lei de custas, repensar a prodigalização da justiça gratuita, além de outras iniciativas que resultem da criatividade e da boa vontade dos que não temem uma Justiça efetiva, eficaz e eficiente.
Afinal, a Constituição da República, desde 1988, garante ao Judiciário autonomia administrativa e financeira (artigo 99), regra reiterada na Constituição do Estado de São Paulo (artigo 55). Todavia, como uma série de outros preceitos fundamentais, convertida em proclamação retórica, como alegoria a uma Justiça que se pretende seja apenas simbólica.
O problema não se circunscreve ao âmbito restrito da comunidade judiciária, mas interfere na higidez da própria democracia, que não existe de verdade se não houver Judiciário a funcionar com desenvoltura. A carência de condições que tornem viável a regularidade dos serviços gera intranquilidade interna, a traduzir-se em inadequada prestação de um serviço essencial e do qual dependem não apenas a pacificação social, mas o próprio desenvolvimento do Brasil.
Mais uma vez, é a sociedade que deve definir como quer que seja sua Justiça e qual a qualidade dos préstimos que ela deve oferecer a quem arca com seus custos.
*José Renato Nalini é presidente do TJSP.