16 de abril de 2014 | 3h 50
José Renato Nalini* - O Estado de S.Paulo
A explosão de ações judiciais é um fenômeno que assola o Brasil e precisaria ser tratado como política pública das mais sérias. Como atender ao demandismo que produziu, em poucos anos, quase 100 milhões de processos em toda a Justiça brasileira? O usuário do sistema quer respostas prontas. Afinal, impossível pactuar com a injustiça, e o serviço estatal encarregado de resolver conflitos precisa funcionar com eficiência, princípio incidente sobre toda espécie de atividade governamental.
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Enquanto não se inverte a tendência de proliferação de processos, fruto, entre outras causas, de uma formação adversarial nas Faculdades de Direito, e se adota o rumo do ideal da pacificação, é preciso enfrentar os milhões de demandas em curso. São Paulo é um exemplo emblemático: 20 milhões de processos tramitam por todos os foros da Justiça Comum Estadual. Mas o crescimento quantitativo não correspondeu ao tratamento reservado ao Poder Judiciário pelos setores técnicos responsáveis pelo orçamento.
Enquanto o Orçamento Geral do Estado registrou acréscimo de 97% nos últimos sete exercícios, saltando de R$ 96 bilhões em 2008 para R$ 190 bilhões em 2014, a dotação do Tribunal de Justiça (TJSP) foi corrigida em apenas 54,7%, passando de R$ 4,2 bilhões em 2008 para R$ 6,5 bilhões em 2014. Significativa a queda na participação do Judiciário nesse orçamento: era de 4,38% em 2008 e em 2014 foi reduzida para 3,42%.
Se a porcentagem mínima fosse preservada, a dotação orçamentária de 2014 corresponderia a R$ 8,32 bilhões, ou seja, R$ 1,82 bilhão superior ao aprovado na Lei Orçamentária de 2014, após as mutilações propostas pelo Executivo e acolhidas pelo Legislativo.
O quadro atual é preocupante, para ser eufemístico. Em 2013 o comprometimento com pessoal atingiu 95,7% de todo o orçamento. Houve necessidade de suplementação orçamentária para honrar o pagamento do funcionalismo, no valor de R$ 231 milhões. Já para 2014 o TJSP postulou R$ 9,8 bilhões, dos quais R$ 9,08 bilhões para pagamento de pessoal, R$ 420 milhões para custeio e R$ 206 milhões para investimento. Na proposta inicial projetou-se o custo do dissídio anual de servidores e magistrados e o acréscimo decorrente do aumento efetivo de servidores - ativos e inativos -, que passou de 57.822 para 60.862 em dezembro de 2013.
Foram ainda encaminhadas Emendas de números 8.749, 10.969, 12.129, 12.147 e 12.335, para inclusão dos benefícios concedidos aos funcionários da Justiça, previstos pela Lei Complementar Estadual n.º1.217, aprovada no final de 2013. Essa normativa criou a Gratificação pelo Desempenho de Atividade Cartorária (GDAC), o Adicional de Qualificação (AQ) e a Revisão de Enquadramentos. Todavia tais acréscimos, decorrentes de lei aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, não foram acolhidos. Entre o exercício de 2013 e o de 2014 houve adição de míseros 2,28% no orçamento do Judiciário, evidentemente insuficiente para fazer face às despesas para a manutenção dos serviços.
Um aumento de apenas R$ 162 milhões para pagamento de pessoal não suportará o gasto ordinário diante dos dissídios anuais de servidores (6%) e magistrados (5%), que importarão em despesa projetada de R$ 359 milhões anuais - além dos R$ 220 milhões da implantação dos benefícios legais GDAC, AQ, da Revisão de Enquadramentos e dos R$ 294 milhões decorrentes da recomposição do quadro de servidores.
Esse déficit orçamentário torna inviável o enfrentamento de urgências manifestas: suprir as estruturas anacrônicas de inúmeras comarcas, tanto material como de pessoal, atender às demandas dos municípios que pretendem ampliação dos serviços, dotar de instalações condignas foros sucateados, acelerar a informatização e tantos outros sonhos suscetíveis de se converterem - diante da ausência de recursos financeiros - num trágico pesadelo.
É urgente repensar a fórmula adotada por São Paulo de sustento de sua Justiça. Para mantê-la em situação compatível com as necessidades da população precisa ser retomada a discussão de reservar porcentagem mínima da arrecadação do ICMS, insuscetível de cortes ou de contingenciamento. Nunca se destinaram 6% da arrecadação à Justiça do maior Estado da Federação. Mas é preciso implementar a urgente destinação dos emolumentos dos serviços extrajudiciais exclusivamente ao Judiciário. Por preceito constitucional, é o Judiciário que fiscaliza, disciplina, provê as funções e mantém sob sua direta coordenação os antigos cartórios: tabelionatos e registros públicos. É inconcebível que a parcela que o Estado arrecada com tais imprescindíveis préstimos não seja carreada para a Justiça. Impõe-se revisão da lei de custas, repensar a prodigalização da justiça gratuita, além de outras iniciativas que resultem da criatividade e da boa vontade dos que não temem uma Justiça efetiva, eficaz e eficiente.
Afinal, a Constituição da República, desde 1988, garante ao Judiciário autonomia administrativa e financeira (artigo 99), regra reiterada na Constituição do Estado de São Paulo (artigo 55). Todavia, como uma série de outros preceitos fundamentais, convertida em proclamação retórica, como alegoria a uma Justiça que se pretende seja apenas simbólica.
O problema não se circunscreve ao âmbito restrito da comunidade judiciária, mas interfere na higidez da própria democracia, que não existe de verdade se não houver Judiciário a funcionar com desenvoltura. A carência de condições que tornem viável a regularidade dos serviços gera intranquilidade interna, a traduzir-se em inadequada prestação de um serviço essencial e do qual dependem não apenas a pacificação social, mas o próprio desenvolvimento do Brasil.
Mais uma vez, é a sociedade que deve definir como quer que seja sua Justiça e qual a qualidade dos préstimos que ela deve oferecer a quem arca com seus custos.
*José Renato Nalini é presidente do TJSP.
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