- Investigação sobre restos mortais de desaparecidos na ditadura não será feita no IML
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SÃO PAULO - As mais de mil ossadas encontradas em uma vala clandestina do cemitério Dom Bosco, em Perus, deverão ser transferidas para as dependências da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) onde um grupo de antropólogos forenses vai procurar pelos restos mortais de, pelo menos, 22 pessoas desaparecidas durante o regime militar (1964-1985). A transferência dos restos mortais é uma reivindicação da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que se queixa da proposta inicial do governo federal, de que a investigação dos peritos fosse feita dentro do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo.
No ano passado, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República anunciou a retomada das buscas pelos desaparecidos em meio às ossadas de Perus. Os ossos foram descobertos em uma vala clandestina em 1990, quando a investigação começou a cargo do médico legista Fortunato Badan Palhares, da Unicamp. Badan foi acusado de negligência pelos familiares e pelo Ministério Público Federal, que move um processo contra ele. Ainda no ano passado, especialistas da Equipe Argentina de Antropologia Forense inspecionaram as ossadas e denunciaram as más condições dos ossos, ameaçados por fungos entre outros problemas.
Em janeiro, o GLOBO informou que, 23 anos depois de descobertas, as ossadas voltariam a ser investigadas, desta vez pelo Grupo de Arqueologia e Antropologia Forense (GAAF) montado pelo governo, em parceria com antropólogos da Argentina e Peru, reconhecidos pelo trabalho de buscas e identificação de desaparecidos políticos da América Latina. Apesar da iniciativa, os familiares ficaram descontentes com a possibilidade de que o trabalho forense fosse realizado nas dependências do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo.
- O IML trabalhou no sentido de ocultar os cadáveres (durante a ditadura). Nunca veio a público pedir desculpas por isso. Ele também está sendo processado por negligência pelo Ministério Público Federal- justificou Amélia de Almeida Teles, da comissão de familiares.
A comissão pediu a ajuda da ministra de Política para Mulheres, Eleonora Menicucci, médica e ex-dirigente da Unifesp. Ex-presa política, Eleonora abriu o diálogo com a universidade, que na quarta-feira fechou um protocolo de intenções com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. A articulação entre o governo e a Unifesp contou ainda com a mediação da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo.
- Retomamos a esperança de que, enfim, esse trabalho de reconhecimento das ossadas será feito. Há dez anos, as ossadas estão no cemitério do Araçá. A Unifesp é um espaço seguro para que o trabalho dos peritos seja realizado e também para que essa equipe de antropologia forense seja de fato criada - disse Amelia Teles.
Segundo a representante da comissão, às 1049 ossadas foram somados restos mortais de duas guerrilheiras do Araguaia, uma delas identificada (Maria Lucia Petit), e ossadas do cemitério municipal do Campo Grande. No entanto, além de Maria Lúcia Petit, até agora foram identificados poucos desaparecidos: Frederico Eduardo Mayr, Dênis Casemiro, Sonia Moraes, Antonio Carlos Bicalho Lana, Helber José Gomes Goulart, Flavio de Carvalho Molina, Luiz José da Cunha, Miguel Sabat Nuet, Manoel Lisboa de Moura e Emanuel Bezerra dos Santos.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência assinou o protocolo com a Unifesp, agradando aos familiares, mas ainda não bateu o martelo. Vai submeter a proposta aos parceiros que compõem a comissão criada para acompanhar as investigações, incluindo a prefeitura de São Paulo e o Ministério Público Federal.