segunda-feira, 4 de março de 2013

Um imposto obsoleto



03 de março de 2013 | 2h 08
SUELY, CALDAS, JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR, SUELY, CALDAS, JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR - O Estado de S.Paulo
Na quarta-feira o ministro do Trabalho, Brizola Neto, anunciou novas regras para "endurecer" a obtenção de registro de novos sindicatos no Ministério. Há dez meses no cargo, seria o primeiro grande anúncio da gestão de Brizola, o cumprimento de promessa feita no ato da posse. Mas a notícia não ganhou destaque na mídia. Primeiro, por se tratar de um paliativo: se o governo quer mesmo acabar com a multiplicação de sindicatos fantasmas, que elimine o imposto sindical, que os alimenta. Segundo, porque a novidade em nada muda a arcaica estrutura sindical brasileira, que permanece a mesma há 70 anos e precisa mudar para responder aos avanços tecnológicos nas relações de trabalho e melhor representar e defender os interesses dos trabalhadores.
O País tem hoje 10 mil sindicatos de trabalhadores, centenas de federações, confederações e sete centrais sindicais que, na estrutura sindical, exercem o mesmo papel das confederações. A cada ano o Ministério do Trabalho recebe mais de mil pedidos de registros de novos sindicatos e federações e, hoje, segundo o ministro, há 2,3 mil pedidos parados na fila e mais 1,8 mil espalhados no Ministério.
Essa estrutura sindical foi concebida e opera perseguindo um objetivo central: as entidades apossarem-se de um pedaço do bilionário bolo do imposto sindical, que este ano deve superar a cifra de R$ 2 bilhões. Criado em julho de 1940, na ditadura Vargas, este imposto é pago, uma vez por ano, por 42 milhões de trabalhadores com carteira assinada e seu valor equivale a um dia de salário. Como o débito é feito em março, ao final deste mês esses 42 milhões de brasileiros receberão seus salários reduzidos, sem terem nunca sido consultados. Apesar de ser dinheiro público, originário de tributo, por força de lei sua aplicação não é fiscalizada, nem pelos Tribunais de Contas nem pelo Ministério do Trabalho, que o arrecada, distribui entre as entidades sindicais e desconhece o que dele é feito.
Com tais facilidades, qualquer um pode forjar documentação, ter seu registro homologado e passar a receber dinheiro do imposto. São os sindicatos fantasmas, de carimbo, ignorados pelos trabalhadores que os sustentam e dizem representar. E não só eles. Às entidades degraus acima na hierarquia (federações, confederações e centrais sindicais) interessa multiplicar o número de sindicatos filiados para aumentar a fatia do bolo que recebem do imposto. Funciona como bola de neve de incentivo a fraudes. As centrais sindicais, por exemplo, passaram a receber dinheiro do imposto no governo Lula, há cinco anos. Daí a criar cinco novas foi o passo imediato, juntando-se à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical, que já existiam. As sete recebem anualmente cerca de R$ 400 milhões. Em recente varredura, o Ministério suspendeu os registro de 40 federações e 940 sindicatos, todos fantasmas.
A única voz destoante da mamata é a CUT, que defende a extinção do imposto sindical e sua substituição por uma contribuição não obrigatória, voluntária e aprovada em assembleia da categoria profissional. "Para fortalecer a negociação (com as empresas), é fundamental fortalecer os sindicatos, torná-los atuantes, independentes, com trabalho de base. É preciso acabar com os sindicatos de gaveta. E o fim do imposto sindical é determinante para isso", defende o ex-presidente da CUT Artur Henrique, hoje articulador da entidade junto com sindicatos internacionais. Ele argumenta que a multiplicação de sindicatos põe o Brasil na contramão do sindicalismo mundial: "Na Europa e nos EUA, sindicatos combativos, como os dos metalúrgicos, dos siderúrgicos e dos químicos, discutem a unificação com outras categorias profissionais para fortalecer o poder de negociação e de ação sindical".
Esse deveria ser o caminho do ministro Brizola Neto. Medidas burocráticas, exigência de mais este ou aquele documento para registro do sindicato jamais acabarão com a fraude, pois seu alimento é justamente o imposto que ele insiste em manter. Talvez porque a Força Sindical, ligada ao partido do ministro, é a maior defensora da negociata.

Carro a ar começa a virar realidade



Peugeot Citroën projeta lançar modelo híbrido em 2015, por cerca de 20 mil

03 de março de 2013 | 2h 07
DAVID JOLLY, THE NEW YORK TIMES / PARIS - O Estado de S.Paulo
Que tipo de carro de carro é esse que acabou de passar? É o Hybrid Air - um veículo experimental que o grupo francês PSA Peugeot Citroën vem alardeando como um modelo de economia energética. Embora alguns céticos duvidem de que seja uma tecnologia realmente avançada, os carros protótipos da Peugeot e da Citroën podem ser alguns dos modelos mais interessante no Salão do Automóvel de Genebra.
De acordo com a Peugeot, um carro compacto como o Citroën C3 equipado com a tecnologia pode fazer 100 quilômetros com 2,9 litros, na cidade. Neste caso, isso seria muito mais do que híbridos elétricos existentes, como o Toyota Prius conseguem no tráfego urbano intermitente.
A Peugeot Citroën, segunda maior montadora na Europa, depois da Volkswagen, planeja lançar para venda seus carros híbridos a ar em 2015 ou 2016.
Como o Prius da Toyota, o Hybrid Air da Peugeot recupera energia cada vez que o condutor freia ou desacelera o carro. Mas em vez de usar o freio para carregar a bateria, o que aciona o motor elétrico - como no Prius -, o híbrido da montadora francesa tem uma bomba hidráulica reversível que usa a energia da frenagem para comprimir o nitrogênio no que parece um cilindro de oxigênio de mergulhadores superdimensionado. Quando o condutor do veículo pressiona em seguida o acelerador, o gás comprimido injeta fluido hidráulico na caixa de câmbio para girar as rodas.
A energia armazenada no tanque de nitrogênio é pequena - equivalente a apenas cinco colheres de chá ou algumas dezenas de centímetros cúbicos de gasolina - o suficiente para impulsionar o carro algumas centenas de metros até o motor de gasolina normal começar a funcionar. Mas essas repetidas doses de energia extra durante o dia, trafegando pela cidade, produzem uma grande economia de gasolina por quilômetro rodado.
Tecnologia. A ideia de usar os chamados híbridos hidráulicos já existe há algum tempo, embora a Peugeot prefira chamar de "tecnologia de ar híbrida", porque a energia é armazenada no gás comprimido, e não na hidráulica. Nos Estados Unidos, a Ford Motor e Chrysler analisaram essa proposta, estimuladas pela Agência de Proteção Ambiental.
A UPS, que presta serviços de entregas, já acrescentou diversas vans de entrega com este sistema à sua frota abastecida com combustíveis alternativos. Outras empresas estão aplicando a tecnologia para caminhões de lixo que, como as vans da UPS, são grandes e param com mais frequência para recuperar grande parte da energia desperdiçada. A montadora indiana Tata promete produzir um carro impulsionado apenas por ar comprimido, embora a tecnologia seja diferente da adotada pela Peugeot.
A Peugeot, com uma equipe de 200 membros envolvida no projeto, liderada pelo engenheiro Karim Mokaddem, está avançando mais rápido do que qualquer outra montadora global para aplicar a tecnologia em carros destinados a famílias, ao passo que o setor automobilístico no geral se concentra nos híbridos elétricos como veículos alternativos para reduzir as emissões e economizar combustível.
"A lógica do híbrido elétrico é completamente diferente", diz Andrés Yarce, outro membro do projeto. "Com esta tecnologia, você permite que o veículo rode alguns quilômetros, o motor fica desligado e assim roda silenciosamente com um motor elétrico. Levou tempo para as pessoas entenderem que o Hybrid Air funciona de maneira diferente, mas obtém os mesmos resultados". O carro será comercializado a um preço de 20 mil a 26 mil.
Mokaddem disse que a ideia é tornar o carro viável, financeiramente, nos mercados emergentes como China e Índia, onde os carros híbridos são muito caros para muitos consumidores, e complexos demais para as oficinas e mecânicos locais.
Segundo a Peugeot, ela pode estabelecer preços menores porque o carro não exige baterias e motores elétricos caros, especiais, como o Prius, embora o Hybrid Air empregue uma bateria de carro padrão. O sistema hidráulico também acrescenta 100 quilos ao peso de um carro Citroën ou Peugeot tradicional. E, por causa do calor gerado pelo processo de transferência de energia, os projetistas precisaram adaptar o sistema de esfriamento do carro.
Tanques. A diferença mais clara entre o Hybrid Air e um carro comum é a presença dos dois taques de ar (o segundo, menor, é um receptáculo de baixa pressão) e uma caixa de câmbio especial que controla a transmissão entre a parte hidráulica e o motor de gasolina padrão de 1,2 litro. Segundo os encarregados do projeto, isso deixa espaço para manter um tanque de gasolina do tamanho padrão.
O acumulador, ou tanque de nitrogênio pressurizado, tem 1,3 metro de comprimento, com um volume de 20 litros e uma pressão máxima de 3,6 mil libras por polegada quadrada.
Qualquer ruptura no tanque de aço pressurizado pode ser perigosa, porque pode provocar uma explosão de fragmentos de metal. Mas a equipe de projeto diz que o tanque está isolado e protegido sob a tampa no chão do carro, que atua como uma couraça, e foram instaladas válvulas de escape de emergência. E observaram que o nitrogênio não é inflamável.
Os componentes desenvolvidos para o Hybrid Air são "simples, robustos e mecânicos", afirma Mokaddem, observando que um software controla as complexidades do sistema. "Tudo o que você precisa fazer é apenas dirigir o carro". / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Papa terá de enfrentar crise e definir novos rumos

O novo papa assumirá uma Igreja em crise. O substituto de Joseph Ratzinger terá de definir o que deve e o que pode ser reformado nessa instituição milenar. Será obrigado a enfrentar grandes desafios. Há os religiosos, como o de reafirmar o rumo teológico da Igreja e reanimar a religião católica em uma Europa cada vez mais secular. Existem os temporais, como o de adaptar o governo dessa instituição ao crescimento de fiéis no Terceiro Mundo e reformar a administração da Cúria de Roma e de sua burocracia, além de combater de forma eficaz os casos de pedofilia e de corrupção. Deve ainda enfrentar os temas ligados à moral, à família e à sexualidade. Tudo isso para manter a fé católica como uma realidade inteligível em um mundo em transformação.
O primeiro dos desafios do novo papa será determinar o que não se altera na Igreja, aquilo sobre o qual não se deve transigir em matéria de fé. Os teólogos dizem que esse ponto é o papel central desempenhado por Cristo na fé e o da Igreja como o instrumento divino para a salvação. 'O próximo papa vai reforçar essa linha', afirmou o frei e professor de Teologia Clodovis Boff.
Para ele, um papa pode reexaminar moral sexual, família ou a posição sobre a homossexualidade. 'Mas sempre pressupondo Cristo como o ponto de onde parte o diálogo.' Portanto, é pouco provável que o caminho para uma possível reforma seja uma doutrina como a do cristianismo anônimo do teólogo Karl Rahner. Ele enxerga a substância da fé mesmo entre aqueles que não se dizem cristãos. Basta que seja autêntica e ali estará presente a graça. Se Cristo pode existir sem ser confessado, central não seria mais a fé, mas a ética. Bastaria ser justo e bom para encontrar a salvação - um cristianismo palatável a ateus e agnósticos. Difícil é conciliá-lo com uma fé que deve ser exposta. 'E deve ser mantida até diante do perigo da morte e do martírio', diz Clodovis.
O segundo desafio é o fato de a crise da Igreja ser acompanhada pela erosão do eurocentrismo. Não só o Velho Continente, mas sua filha cultural dileta, a América, assistem à descentralização econômica, social e cultural e à ascensão das potências asiáticas. Esse período é marcado pela descristianização da Europa, por uma fobia da religião, com o fechamento de templos e venda de objetos sacros como souvenirs da época em que fazia sentido chamar a Espanha de 'catolicíssima' - o mesmo valia para Irlanda ou Áustria.
'É verdade que o cristianismo e o catolicismo estão em crise, em parábola descendente, mas não é só eles, a própria cultura europeia vive essa crise', diz Clodovis. Essa cultura em que a racionalidade secularizada é hegemônica não responderia a demandas humanas. Isso ocorria, segundo os teólogos, porque ela exclui o transcendente e, ao negar a espiritualidade, abandona parte da inspiração, da emoção e da vitalidade humana.
Essa razão moderna secular busca em uma lógica do aceitável, na comunicação e no diálogo, a construção de uma ética que pode ser compartilhada por todos os homens a fim de fugir da subjetividade de uma moral baseada nas escolhas ditadas apenas pela consciência individual. Mas ela sofreria as consequências de um secularismo incapaz de suprir a necessidade de esperança que têm os homens. 'Para muitos, a saída foi assumir essa frustração, essa situação de desespero, esse amor estoico ao destino fracassado', afirma Clodovis.
Mas o que deve o novo papa fazer para enfrentar essa crise? 'Certamente deve preparar a Igreja para o fim do eurocentrismo', diz Clodovis. À crise cultural, soma-se a das vocações, da formação de padres na Europa. Cada vez mais marginal no continente, o cristianismo cresce no Terceiro Mundo. É para lá que muitos acham que a Igreja deve se voltar. É nele que se buscam hoje padres para manter abertos templos na França, na Itália e na Alemanha, de onde saíram gerações de religiosos para evangelizar outros continentes.
Espaço
Há resistências, no entanto, a essa mudança de centro do poder na Igreja - fazê-la é outro desafio para o novo pontífice. Para o historiador Kenneth Serbin, o modelo monárquico de governança da Igreja trabalha a favor do eurocentrismo, impedindo que nações com grande número de católicos tenham boa representatividade no conclave, caso do Brasil. 'Em vez de 5, o Brasil devia ter 20 cardeais votantes e a chance de ter um papa. Mas quem tem o poder não quer abrir mão dele.'
Para ele, a renúncia de Bento XVI abre espaço para que se cogite um pontífice sul-americano, africano ou asiático. 'Mesmo porque o futuro do catolicismo está nos outros continentes, não na Europa, que, daqui a cem anos, pressinto que possa ter uma maioria islâmica ou secular', acrescenta Serbin.
Qual seria o efeito de um papa não europeu? Teólogos e estudiosos da Igreja imaginam que ele daria força ao cristianismo e, partir daí, a Europa teria mais condições de se reconverter. 'Um missionário tem de vir de fora, deve ser estrangeiro', diz Clodovis. Foi da margem, de fato, que essa religião surgiu. Pedro escolheu Roma porque era o centro do império, mas não era um grande filósofo nem um patrício. Mesmo Cristo era um profeta saído da periferia do mundo. Em suma, 'santo de casa não faz milagre', concluiu Clodovis.
Cúria
Para Serbin, o momento atual, com a renúncia de Ratzinger, traz à luz uma crise de liderança que não se resolverá com o novo papa, mesmo que ele seja carismático como João Paulo II. Ela impõe mais um desafio ao futuro pontífice. 'Se o novo papa não aproveitar esse momento de crise para reformar a Igreja, será um fracasso.'
Ele defende a convocação de um novo concílio, um Vaticano 3.º. 'Se a ideia parecia inviável há um mês, agora já não é.' O concílio poderia mudar a forma de governo da Igreja. 'Paulo VI chamou vários sínodos, uma prática que foi caindo em desuso, até desaparecer com Bento XVI.'
Assim, a descentralização do poder pode ser uma saída para o novo papa enfrentar a crise temporal da Igreja. Ela não se limita à reforma da Cúria de Roma, mas também à própria forma de administrar. Ele deve ter pulso para pôr a casa em ordem.
'Joseph Ratzinger foi um papa que cuidou do essencial da Igreja, lutou para que o mundo e a cultura se abrissem à transcendência e à Igreja para Cristo como um navio que lança ao mar tudo o que é supérfluo em meio à tempestade a fim de salvar o principal. Aristóteles dizia: ‘Salve o principal, que o principal salva o resto’', diz Clodovis.
Enquanto preservava o essencial, o temporal lhe escapava pelos dedos como mostrariam escândalos de pedofilia, intrigas e corrupção revelados pelo vazamento de documentos do papa no caso Vatileaks.
Na América Latina, muitos esperam um papa cujo olhar para a razão seja mais intenso que o dirigido à fé. São teólogos como o padre João Batista Libânio, que preferem o acento posto na razão, que descobre a injustiça e afirma a centralidade de Cristo e nele, a dos pobres. Apenas um outro matiz, outra receita para levar essa barca.
'O papa deve interpretar a fé cristã para a cultura atual', diz Libânio. O Evangelho deve existir, diz ele, no nível da existência e da inteligência; o testemunho deve ser esclarecido por uma fé que entusiasme as pessoas. 'O homem-bomba dá testemunho, mas ele não é inteligível', lembra.
Adaptar-se ao seu tempo, reformar-se. Para o historiador Serbin, isso significa discutir sem medo o que não é dogma, mas doutrina ou conceitos morais, como o controle de natalidade e o papel da mulher na Igreja. Mostrar que o 'chretién n’est pas un crétin', que o cristão não é um cretino ou um ingênuo em um mundo em profunda mudança, cada vez mais aberto ao aborto, ao uso de contraceptivos, ao divórcio, ao casamento homossexual, a uma vida hedonista e ao relativismo cultural será, por fim, o último, mas não o menor dos desafios do novo papa.