segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Dupla dos mais belos museus


ANTONIO GONÇALVES FILHO - O Estado de S.Paulo
A teoria sem prática não existe para o casal de arquitetos Todd Williams e Billie Tsien. Eles estão juntos há 36 anos, dirigem um escritório que emprega 35 pessoas e dele nunca saiu um traço arbitrário, desses que arquitetos voluntariosos desenham no ar e depois deixam para assistentes resolver no mundo real. O maior exemplo da boa arquitetura da dupla é o recém-inaugurado museu da Fundação Barnes na Filadélfia, belo edifício que não apenas abriga uma coleção de arte inestimável (pinturas de mestres flamengos, italianos e de quase todos os impressionistas) como ilumina uma extensa área no corredor cultural ao norte da cidade. Para Todd Williams, um museu é isso, uma extensão da casa de cada um dos visitantes, cuja construção deve começar de dentro para fora - "pois é mais na área interna que externa onde se passa nossa vida".
Em maio deste ano, a Fundação Barnes abriu as portas de sua nova casa na Filadélfia, apresentando seu milionário acervo disposto de forma acessível ao público. Nesse novo edifício, o caráter íntimo das antigas galerias do museu original em Merion, na Pensilvânia, foi totalmente reproduzido. Ao mesmo tempo, a dupla fez bom uso da luz natural e vidros que deixam à vista os jardins externos. Tudo para ser fiel ao projeto educacional do velho Albert C. Barnes, químico que fez fortuna nos anos 1920 - com um remédio criado para curar doenças venéreas e prevenir cegueira infantil - adquirindo um acervo de 2.500 obras que tem gênios como Cézanne, Matisse e Picasso.
Barnes seguia os ensinamentos do filósofo John Dewey, um dos criadores da psicologia funcional que teve importante papel na reforma educacional americana. Para ele, um museu deveria ser, antes de tudo, uma instituição dedicada à difusão do conhecimento, não um depósito de obras. Todd Williams e Billie Tsien comungam desse credo, rejeitando o conceito de espetáculo que parece comandar a cabeça de Frank Gehry, arquiteto que projetou o Guggenheim de Bilbao. Williams, educadamente, diz que o respeita, mas não vê um museu como uma casa de shows. "Não é o papel dos governos cuidar dos museus no futuro e, portanto, é preciso criar condições para que essas instituições se mantenham de maneira autônoma, oferecendo serviços ao público". Isso inclui, no caso do museu Barnes, um generoso salão de café com 50 mesas, espaços para cursos, teatro e sala de concerto. "Um museu tem de ser caloroso, não um lugar frio de exposição", recomenda Williams.
Talvez sua observação tenha ressonância numa cidade onde o principal museu, que abriga o melhor acervo da América Latina, o Masp, tem um café de rodoviária com carpete vagabundo, uma rampa sebosa da gordura vinda de um restaurante no subsolo, grama crescendo solta no maior vão livre do Brasil e lixo circundando o prédio. Williams, educado, não faz comentários sobre a cidade, mas fica impressionado com a uniformizada arquitetura paulistana. "O mais incrível é que o Brasil tem uma variedade incrível de pedras". E madeiras de antigas construções que poderiam ser reutilizadas. No novo museu da Fundação Barnes, ele usou ipê. "Não consigo pensar num projeto sem desenhar tudo, do prédio aos móveis", diz Williams.
Sua mulher Billie confirma que o primeiro impulso da dupla ao aceitar um projeto é o desafio de criar prédios que sejam espaços de convivência e difusão cultural. "Fizemos poucas residências e aceitamos criar em espaços diferentes como o Museu do Folclore e o Museu de Arte do Arizona porque queremos fazer projetos íntegros, com bons propósitos, que resistam aos anos." Todd Williams acrescenta: "E que, sobretudo, não sejam gestos sem propósito, que saiam da prancheta só como desenhos bonitos ". Ter o nome em evidência não diz nada. Bom mesmo é ser respeitado, como ele.

Os rumos da metrópole


ANTONIO GONÇALVES FILHO - O Estado de S.Paulo
A terceira edição do Arq.Futuro, encontro internacional de arquitetos e urbanistas promovido pela Bei+, braço da Bei Editora, começa amanhã com uma palestra do jovem arquiteto e engenheiro italiano Carlo Ratti, de 41 anos, conhecido por concretizar projetos impossíveis como um pavilhão cujas paredes de água provocaram há quatro anos reações alucinadas dos visitantes da Exposição Mundial de Zaragoza.
Ratti trabalha para o conceituado MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts. É um daqueles arquitetos que tentam colocar no presente o futuro imaginado nos desenhos animados do passado, como Os Jetsons, aquela família com robôs e toda a parafernália eletrônica de um bom lar futurista. O Arq. Futuro, no entanto, não trouxe apenas visionários que pensam no avenir digital. O encontro semestral, realizado desde o ano passado, traz nesta edição premiados arquitetos que lidam tanto com a questão da habitação popular, como o chileno Alejandro Aravena, como o casal americano Todd Williams e Billie Tsien, que vem se especializando na criação de museus, passando por Thaddeus Pawlowski, autor de gulliverianos projetos de infraestrutura em Nova York.
Além desses, o encontro tem arquitetos brasileiros em ascensão, como Ângelo Bucci, e outros com mais anos de estrada, como Isay Weinfeld, que tem no Hotel Fasano o mais completo exemplo da elegância despojada de seus projetos. Weinfeld e o empresário Otávio Zarvos, que também participa do encontro, são responsáveis por prédios que modificaram a fisionomia da Vila Madalena, em São Paulo.
Além dos nomes citados, ainda participam do Arq.Futuro Fernando de Mello Franco e André Corrêa do Lago, que conversam com os arquitetos, além dos mediadores Philip Yan e Karen Stein. Todo esse esforço, naturalmente, para ajudar São Paulo a ter uma arquitetura com menos prédios falsamente neoclássicos e mais criativos, condizentes com a importância da metrópole no cenário mundial. Mas não foi só a expressão artística que motivou a empresária Marisa Moreira Salles, da Bei+, ao criar o Arq.Futuro e trazer ao Brasil, no ano passado, arquitetos premiados com o Pritzker, como Jacques Herzog, sócio do escritório Herzog & De Meuron, que assina o projeto do Complexo Cultural Luz. Foi principalmente a arquitetura como elemento de transformação social que a levou a apostar no projeto, diz ela.
Este ano, o Arq.Futuro ensaia passos para ampliar o projeto e levá-lo a outras capitais. Em março, o Rio de Janeiro já havia recebido estrelas da arquitetura como a iraquiana Zaha Hadid, radicada em Londres, e o japonês Shigeru Ban. Quase 1.500 pessoas participaram das palestras e fóruns. Depois deste novo encontro em São Paulo, será a vez de Belo Horizonte, seguida por Salvador. "Cada metrópole precisa encontrar sua vocação e São Paulo parece que ainda não achou a sua, ao contrário de Nova York, Londres e Tóquio", observa a organizadora do evento. Talvez a passagem de cidade industrial para uma de serviço possa evitar a catástrofe urbanística que se anuncia para a urbe.
O convite à dupla de arquitetos Todd Williams e Bille Tsien, o americano e sua mulher de origem chinesa, justifica-se pela experiência dos dois como nomes de referência quando o assunto é o corredor cultural de uma cidade. Não se recupera o centro só com ele, mas a sua presença é um ponto de partida importante para seu resgate, para a promoção do convívio social e do trabalho educacional na comunidade.
O museu da Fundação Barnes, na Filadélfia, aberto ao público em maio, é uma prova de como uma coleção fabulosa (as melhores obras de Cézanne, Matisse e outros) se tornam acessíveis ao público graças ao projeto generoso do casal. "Colocá-los em contato com estudantes de arquitetura vai mostrar como a inteligência na recuperação de espaços supera amarras que um encontro de políticos e construtores não resolveria", conclui Marisa Moreira Salles.

O papel central da Economia da FGV-SP



Coluna Econômica - 24/09/2012, Luis Nassif

Quando foi criada a Faculdade de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, prognostiquei que em breve marcaria época no país. Com Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano, a escola conseguiria definir uma síntese do melhor do pensamento econômico brasileiro – moldado ao longo das últimas décadas.
Da escola da Unicamp e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), trouxeram os valores do desenvolvimentismo. Dos anos 90, os valores da estabilidade fiscal. Do governo Mário Covas, Nakano trouxe as mais bem sucedidas experiências de inovação tecnológica na gestão pública, até então. E estavam juntos em uma instituição – a FGV – que abriga a melhor escola de gestão pública do país.
Além disso, não compactuava com alguns vícios do pensamento desenvolvimentista, de criar campeões nacionais a qualquer preço. Nem abraçava o radicalismo neoliberal contra a presença do Estado, ou seu oposto, a estatização a qualquer preço.
Além disso, contava com a objetividade nipônica, cirúrgica, de Nakano, um economista sem as firulas que caracterizam os cabeças-de-planilha e com rara capacidade de identificar os fatores essenciais de uma política econômica.
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Um ex-economista da FGV-SP – Guido Mantega – acabou alçado a Ministro da Fazenda, mais por seu histórico com o PT do que com a FGV. Mas as decisões de política econômica adotadas – devolvendo o ativismo à Fazenda – foram muito mais uma reação à crise de 2008.
A eleição de Dilma Rousseff mudou o panorama e permitiu a consagração dos princípios defendidos pela Faculdade de Economia.
Enquanto Ministra de Lula, sabia-se da formação de Dilma Rousseff, aluna de Maria da Conceição Tavares na Unicamp. Mas pouco se sabia sobre o conjunto de princípios que norteariam seu governo dali por diante.
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Uma a uma, as teses da FGV-SP foram se impondo, deixando  mais claro uma identidade de pensamento que Dilma já trazia desde os tempos em que modelou o novo sistema elétrico.
Gradativamente começou a jogar na perna do investimento a responsabilidade pelo crescimento. Reforçou o papel regulador do Estado, enquadrando as agências. Ao mesmo tempo, reabriu as parcerias público-privadas e as concessões públicas – mas sem abrir mão do controle regulatório.
Em setembro do ano passado, deu início ao lance mais ousado, que foi detonar os fetiches em torno de juros elevados. O Banco Central reduziu em 0,5 ponto a Selic – contra todas as apostas do mercado, e venceu.
Depois, mais dois lances capitais para ampliar a competitividade da economia. O primeiro, a redução nas tarifas de energia elétrica, em um setor há tempos acomodado com altas margens de lucro, altas distribuições de resultado e altas tarifas.
O segundo, o início do desmonte da estrutura de títulos públicos herdada do período da hiperinflação, com títulos de longo prazo sendo remunerados pela taxa diária de juros.
Por trás dessa aposta fundamental, reuniões periódicas com dois economistas que aprenderam a chutar a gol: Delfim Neto e Nakano.
Realiza-se, assim, a profecia sobre o papel a ser exercido, no país, pela Faculdade de Economia da FGV-SP.