quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Um juiz que não se dobrou - PEDRO DUTRA


O GLOBO - 20/09


O poder é o poder” bradava o gaúcho Silveira Martins no Senado, ao início da República. Crua, mas exata, a expressão sintetiza a cultura política nativa: o poder político qualifica-se a si próprio, e o seu alcance é ditado pelo seu exercício. Ou seja, só o poder é poderoso, pois entre nós ele não deriva, plenamente como deveria, das instituições criadas para enformá-lo juridicamente, as quais assim acabam por servi-lo e ao seu titular, que o maneja desabridamente.

O poder não é o poder, essa a síntese, inversa, proposta por Rui Barbosa àquela altura: o poder, protestava, é a obediência à Lei. O poder deriva da Lei, porque a Lei emana da vontade popular, e ela é expressa e formulada em assem-bleias livres. Esse processo, dizia, era a grande conquista da cultura política moderna, que ele queria para a nascente república brasileira.

À investidura de Floriano Peixoto na Presidência sucedendo a Deodoro, em 1891, seguiu-se o protesto de 13 oficiais generais por uma nova eleição, como determinava a constituição. Floriano respondeu com a reforma de todos eles, a prisão de senadores, deputados e a demissão de professores universitários que aderiram ao protesto. Rui requereu habeas corpus para 46 dos presos e foi à tribuna do Supremo Tribunal Federal defender a sua concessão.

O julgamento desses habeas corpus é um dos momentos mais nobres da advocacia e um dos mais baixos do Judiciário no Brasil.

Floriano fez chegar aos magistrados a pergunta, rude e sinistra, se eles imaginavam quem a eles daria habeas corpus no dia seguinte à decisão procedente ao pedido patrocinado por Rui.

O Supremo acovardou-se. E os habeas corpus foram negados. Mas houve um juiz que não se dobrou, e concedeu a ordem de habeas corpus. Rui não regateou, pela imprensa, a homenagem devida a Piza e Almeida, vendo "naquele homem modesto... a inquebrantabilidade da coragem moral’! E fulminou os demais juízes do Supremo, ajoelhados ao poder presidencial: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pila-tos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde."

O sóbrio juiz Celso de Mello reverenciou a linhagem de Piza e Almeida ao citar Rui. E o exemplo, vivo e atual, desse grande advogado permite ao Brasil hoje distinguir, e reafirmar a sua escolha, entre duas repúblicas: ou a de Flo-riano Peixoto, ou a de Rui Barbosa.

Governo prepara reforma na CLT, por Luis Nassif


Desde o ano passado, a área econômica do governo optou pela estratégia do fatiamento das decisões de política econômica. Em vez de um projeto amplo, desonerando a folha de pagamentos, por exemplo, avanço cauteloso em alguns setores, para analisar impactos na arrecadação. O mesmo no sistema de alíquotas de importação. Depois disso, avanços maiores, mas sempre gradativos.
Fatiando há mais condições de discutir detalhes da operação e de conferir maior velocidade política aos projetos, explica Nelson Barbosa, Secretário Executivo do Ministério da Fazenda.
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Há dois conjuntos de medidas em pauta: as de competitividade e as de investimento.
No primeiro grupo, o próximo passo será a discussão de uma reforma na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que vigora desde 1942.
Foi montado um grupo de estudos, para discutir proposta apresentada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a chamada proposta “chão de fábrica”.
Hoje em dia, se sindicatos patronal e de trabalhadores fecham um acordo, há risco de ser embargado pela Justiça do Trabalho por ferir procedimentos previstos na CLT.
Nos próximos meses, o grupo irá conhecer os modelos alemão e chinês e, até o final do ano, será enviado um projeto de lei ao Congresso tratando especificamente dessa flexibilização dos acordos e de novos instrumentos de garantia de emprego.
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Para se ter uma ideia de como novos conceitos levam tempo para amadurecer, em 1988 organizei um seminário sobre esses acordos, tendo como palestrante Fernando Henrique Cardoso, autor de uma lei formalizando a distribuição  de lucros.
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Além da CLT, o grupo de medidas de competitividade, inclui também a redução da conta de luz e a desoneração da folha de um grupo expressivo de setores da economia – que começou a vigorar em agosto.
Completam o quadro estudos visando racionalizar o Pis-Cofins, que passará a incidir sobre o chamado valor adicionado (isto é sobre o valor de venda do produto, descontado o que se pagou ao longo da cadeia produtiva).
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No campo dos investimentos, além do pacote de concessões de aeroportos e licitações de campos de petróleo, há um conjunto de medidas visando redirecionar a poupança nacional.
Uma delas, será reduzir gradativamente o peso dos títulos selicados (corrigidos pela Taxa Selic) da carteira dos fundos de aposentadoria fechados e abertos. Além de reduzir os títulos, pretende-se impedir que a Selic seja utilizada como indexador de performance de fundos. Outra medida será a desoneração dos FIDC (Fundos de Investimento em Direito Creditório), abrindo outras possibilidades de acesso a crédito por parte das empresas.
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Haverá um tempo para que os fundos de pensão de adaptem às novas regras. Depois, para atender às necessidades de rentabilidade, terão que partir para o mercado de capitais e demais alternativas de renda variável.
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Na opinião de Nelson Barbosa, no terceiro e quarto trimestre o PIB já estará rodando a 1% ao trimestre. Até meados de 2013, expurgado o primeiro semestre de 2012 do cálculo anual, o PIB poderá registrar de 4 a 4,5% de crescimento.

Luz e escuridão, Claudio J. D. Sales


As medidas recentemente anunciadas por Dilma Rousseff que afetam a conta de luz podem ser divididas em duas categorias. A primeira representa um bom começo, pois reverte décadas de aumentos de carga tributária sobre a eletricidade. A segunda lança incertezas sobre os investimentos no setor elétrico, a qualidade dos serviços e, paradoxalmente, a própria modicidade tarifária.
Ao abolir e/ou reduzir três encargos setoriais sobre a eletricidade (CCC, CDE e RGR), o governo federal começa a diminuir a grande distorção que pesa sobre o setor elétrico: de cada R$ 100 pagos na conta de luz, R$ 45 são de tributos e subsídios que fazem do setor um guichê arrecadatório a serviço dos cofres públicos. A presidente, entretanto, poderia ter aproveitado o momento para zerar o PIS/Cofins sobre a eletricidade (uma promessa de sua campanha eleitoral em 2010 e que representa mais de 8% da conta de luz) e ter colocado mais pressão sobre os Estados: o ICMS responde por 21% dos 45% da carga tributária sobre o setor.
A redução de tributos e encargos poderia ter sido muito maior, e não apenas de 5,3%, no caso de consumidores residenciais. Na prática, o governo resolveu cumprir seu objetivo de redução tarifária concentrando fichas nas novas regras de renovação dos contratos de concessão de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
O potencial de redução aí de fato existe, mas nada justifica que se devesse tratar essa questão sem transparência e sem audiências públicas, rituais consolidados no setor elétrico. O anúncio intempestivo leva o setor a um futuro incerto, a começar pelos números divulgados. Dos 16,2% de redução para consumidores residenciais, 10,9% viriam da diminuição da tarifa média de geração e da Receita Anual Permitida da transmissão. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) precisará calcular os valores de reversão aos quais as empresas teriam direito, uma vez que nem todos os seus investimentos terão sido remunerados ao fim dos contratos que se encerram a partir de 2015. Também precisam ser calculados os valores das novas tarifas a ser impostas aos atuais concessionários para cobrir os custos de operação e manu t enção dos ativos. Nota: nada foi dito sobre os investimentos adicionais constantemente requeridos.
Os detalhes sobre o cálculo dos valores de reversão não são conhecidos e as novas tarifas serão divulgadas apenas em 1.º de novembro, mas o governo acaba de anunciar que os concessionários deverão manifestar seu desejo de prorrogar suas concessões até 15 de outubro. Como tomar uma decisão que sela o passado e o futuro dos investimentos das empresas, se os parâmetros para a decisão são desconhecidos?
Outro exemplo de arbitrariedade é a fixação de maio de 2000 como data-limite para o reconhecimento de ativos de transmissão como amortizados, quando o próprio contrato de concessão estabelece que a indenização deve incluir todos os investimentos não amortizados ou depreciados.
Mais uma arbitrariedade decorre do desprezo para com o direito de prorrogação contido nos contratos de concessão de produtores independentes de energia, sob a alegação de que tal direito teria sido mantido em condições totalmente diferentes. Como se isso fizesse algum sentido...
O mercado livre de energia, caracterizado pela competição e flexibilidade de soluções, foi fortemente abalado, o que tem sido interpretado como sinal de que o governo não acredita na concorrência como instrumento de sinalização de preços a partir do equilíbrio entre oferta e demanda.
O mercado financeiro capturou tal instabilidade regulatória e reduziu em dezenas de bilhões de reais o valor de empresas estatais e privadas.
O Congresso terá muito trabalho para corrigir os rumos da MP 579. E o governo precisa acolher os inúmeros ajustes necessários para que não sejam interrompidos os investimentos no setor, especialmente num momento em que a interrupção ou o encarecimento de aportes representaria um desastre para a nossa economia.