O GLOBO - 20/09
O poder é o poder” bradava o gaúcho Silveira Martins no Senado, ao início da República. Crua, mas exata, a expressão sintetiza a cultura política nativa: o poder político qualifica-se a si próprio, e o seu alcance é ditado pelo seu exercício. Ou seja, só o poder é poderoso, pois entre nós ele não deriva, plenamente como deveria, das instituições criadas para enformá-lo juridicamente, as quais assim acabam por servi-lo e ao seu titular, que o maneja desabridamente.
O poder não é o poder, essa a síntese, inversa, proposta por Rui Barbosa àquela altura: o poder, protestava, é a obediência à Lei. O poder deriva da Lei, porque a Lei emana da vontade popular, e ela é expressa e formulada em assem-bleias livres. Esse processo, dizia, era a grande conquista da cultura política moderna, que ele queria para a nascente república brasileira.
À investidura de Floriano Peixoto na Presidência sucedendo a Deodoro, em 1891, seguiu-se o protesto de 13 oficiais generais por uma nova eleição, como determinava a constituição. Floriano respondeu com a reforma de todos eles, a prisão de senadores, deputados e a demissão de professores universitários que aderiram ao protesto. Rui requereu habeas corpus para 46 dos presos e foi à tribuna do Supremo Tribunal Federal defender a sua concessão.
O julgamento desses habeas corpus é um dos momentos mais nobres da advocacia e um dos mais baixos do Judiciário no Brasil.
Floriano fez chegar aos magistrados a pergunta, rude e sinistra, se eles imaginavam quem a eles daria habeas corpus no dia seguinte à decisão procedente ao pedido patrocinado por Rui.
O Supremo acovardou-se. E os habeas corpus foram negados. Mas houve um juiz que não se dobrou, e concedeu a ordem de habeas corpus. Rui não regateou, pela imprensa, a homenagem devida a Piza e Almeida, vendo "naquele homem modesto... a inquebrantabilidade da coragem moral’! E fulminou os demais juízes do Supremo, ajoelhados ao poder presidencial: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pila-tos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde."
O sóbrio juiz Celso de Mello reverenciou a linhagem de Piza e Almeida ao citar Rui. E o exemplo, vivo e atual, desse grande advogado permite ao Brasil hoje distinguir, e reafirmar a sua escolha, entre duas repúblicas: ou a de Flo-riano Peixoto, ou a de Rui Barbosa.
O poder é o poder” bradava o gaúcho Silveira Martins no Senado, ao início da República. Crua, mas exata, a expressão sintetiza a cultura política nativa: o poder político qualifica-se a si próprio, e o seu alcance é ditado pelo seu exercício. Ou seja, só o poder é poderoso, pois entre nós ele não deriva, plenamente como deveria, das instituições criadas para enformá-lo juridicamente, as quais assim acabam por servi-lo e ao seu titular, que o maneja desabridamente.
O poder não é o poder, essa a síntese, inversa, proposta por Rui Barbosa àquela altura: o poder, protestava, é a obediência à Lei. O poder deriva da Lei, porque a Lei emana da vontade popular, e ela é expressa e formulada em assem-bleias livres. Esse processo, dizia, era a grande conquista da cultura política moderna, que ele queria para a nascente república brasileira.
À investidura de Floriano Peixoto na Presidência sucedendo a Deodoro, em 1891, seguiu-se o protesto de 13 oficiais generais por uma nova eleição, como determinava a constituição. Floriano respondeu com a reforma de todos eles, a prisão de senadores, deputados e a demissão de professores universitários que aderiram ao protesto. Rui requereu habeas corpus para 46 dos presos e foi à tribuna do Supremo Tribunal Federal defender a sua concessão.
O julgamento desses habeas corpus é um dos momentos mais nobres da advocacia e um dos mais baixos do Judiciário no Brasil.
Floriano fez chegar aos magistrados a pergunta, rude e sinistra, se eles imaginavam quem a eles daria habeas corpus no dia seguinte à decisão procedente ao pedido patrocinado por Rui.
O Supremo acovardou-se. E os habeas corpus foram negados. Mas houve um juiz que não se dobrou, e concedeu a ordem de habeas corpus. Rui não regateou, pela imprensa, a homenagem devida a Piza e Almeida, vendo "naquele homem modesto... a inquebrantabilidade da coragem moral’! E fulminou os demais juízes do Supremo, ajoelhados ao poder presidencial: "Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pila-tos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde."
O sóbrio juiz Celso de Mello reverenciou a linhagem de Piza e Almeida ao citar Rui. E o exemplo, vivo e atual, desse grande advogado permite ao Brasil hoje distinguir, e reafirmar a sua escolha, entre duas repúblicas: ou a de Flo-riano Peixoto, ou a de Rui Barbosa.
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