quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Luz e escuridão, Claudio J. D. Sales


As medidas recentemente anunciadas por Dilma Rousseff que afetam a conta de luz podem ser divididas em duas categorias. A primeira representa um bom começo, pois reverte décadas de aumentos de carga tributária sobre a eletricidade. A segunda lança incertezas sobre os investimentos no setor elétrico, a qualidade dos serviços e, paradoxalmente, a própria modicidade tarifária.
Ao abolir e/ou reduzir três encargos setoriais sobre a eletricidade (CCC, CDE e RGR), o governo federal começa a diminuir a grande distorção que pesa sobre o setor elétrico: de cada R$ 100 pagos na conta de luz, R$ 45 são de tributos e subsídios que fazem do setor um guichê arrecadatório a serviço dos cofres públicos. A presidente, entretanto, poderia ter aproveitado o momento para zerar o PIS/Cofins sobre a eletricidade (uma promessa de sua campanha eleitoral em 2010 e que representa mais de 8% da conta de luz) e ter colocado mais pressão sobre os Estados: o ICMS responde por 21% dos 45% da carga tributária sobre o setor.
A redução de tributos e encargos poderia ter sido muito maior, e não apenas de 5,3%, no caso de consumidores residenciais. Na prática, o governo resolveu cumprir seu objetivo de redução tarifária concentrando fichas nas novas regras de renovação dos contratos de concessão de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
O potencial de redução aí de fato existe, mas nada justifica que se devesse tratar essa questão sem transparência e sem audiências públicas, rituais consolidados no setor elétrico. O anúncio intempestivo leva o setor a um futuro incerto, a começar pelos números divulgados. Dos 16,2% de redução para consumidores residenciais, 10,9% viriam da diminuição da tarifa média de geração e da Receita Anual Permitida da transmissão. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) precisará calcular os valores de reversão aos quais as empresas teriam direito, uma vez que nem todos os seus investimentos terão sido remunerados ao fim dos contratos que se encerram a partir de 2015. Também precisam ser calculados os valores das novas tarifas a ser impostas aos atuais concessionários para cobrir os custos de operação e manu t enção dos ativos. Nota: nada foi dito sobre os investimentos adicionais constantemente requeridos.
Os detalhes sobre o cálculo dos valores de reversão não são conhecidos e as novas tarifas serão divulgadas apenas em 1.º de novembro, mas o governo acaba de anunciar que os concessionários deverão manifestar seu desejo de prorrogar suas concessões até 15 de outubro. Como tomar uma decisão que sela o passado e o futuro dos investimentos das empresas, se os parâmetros para a decisão são desconhecidos?
Outro exemplo de arbitrariedade é a fixação de maio de 2000 como data-limite para o reconhecimento de ativos de transmissão como amortizados, quando o próprio contrato de concessão estabelece que a indenização deve incluir todos os investimentos não amortizados ou depreciados.
Mais uma arbitrariedade decorre do desprezo para com o direito de prorrogação contido nos contratos de concessão de produtores independentes de energia, sob a alegação de que tal direito teria sido mantido em condições totalmente diferentes. Como se isso fizesse algum sentido...
O mercado livre de energia, caracterizado pela competição e flexibilidade de soluções, foi fortemente abalado, o que tem sido interpretado como sinal de que o governo não acredita na concorrência como instrumento de sinalização de preços a partir do equilíbrio entre oferta e demanda.
O mercado financeiro capturou tal instabilidade regulatória e reduziu em dezenas de bilhões de reais o valor de empresas estatais e privadas.
O Congresso terá muito trabalho para corrigir os rumos da MP 579. E o governo precisa acolher os inúmeros ajustes necessários para que não sejam interrompidos os investimentos no setor, especialmente num momento em que a interrupção ou o encarecimento de aportes representaria um desastre para a nossa economia.

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