segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Torturas e fantasmas, aqui e além



O advogado Fábio Konder Comparato, esse admirável dom Quixote do mundo jurídico, comemorou a confirmação do rótulo de torturador para o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra com uma frase exagerada:
"A desonra do Estado brasileiro no plano internacional acaba de ser desagravada".
O exagero se vê pela virtual coincidência com outro veredicto, na Argentina, que evidencia o abismo no tratamento das violências praticadas pelos respectivos regimes militares.
Na Argentina, o general Jorge Rafael Videla foi condenado a 50 anos de prisão por ter sido considerado responsável pela organização, durante a ditadura do período 1976/83, do sistemático roubo de bebês nascidos no cativeiro de suas mães.
Ou seja, na Argentina, condena-se à prisão o principal chefe militar do período mais agudo da repressão (Videla foi o comandante do Exército entre 1976 e 1981).
No Brasil, nem um subordinado como Ustra, por importante que tenha sido no esquema repressivo, vai para a prisão. Quanto mais os chefes, embora uma figura respeitável como Paulo Sérgio Pinheiro diga que as torturas foram "uma política de Estado" durante a ditadura 1964/85.
A constatação de Pinheiro, secretário nacional de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso e, hoje, relator da ONU para outro genocídio (o da Síria), é bem parecida com a que levou a Justiça argentina a condenar Videla, ao dar por provada a existência de "prática sistemática e generalizada de subtração, retenção e ocultação de menores de idade, no marco de um plano geral de aniquilação (...) com o argumento de combater a subversão implementando métodos de terrorismo de Estado".
Sou até capaz de entender a diferença no tratamento dessa triste história por causa da aceitação, no Brasil, de uma anistia a meu ver manca. Manca porque foram anistiados os algozes, jamais punidos, e as vítimas, estas sim punidas no marco da lei em alguns casos, mas também à margem dela em tantos outros (não há lei na face da terra que autorize a fazer desaparecer adversários do regime de turno; no Brasil, ainda há 162 desaparecidos).
Aceitemos, de todo modo, que a anistia é irreversível e talvez nem seja útil revê-la. Mas continua inaceitável a demora do Brasil em passar a limpo a história das torturas e das demais violências do regime militar, mesmo que seja só para colar em quem merece o rótulo de torturador. Ou alguém aí acha que só Ustra o merece?
Na Argentina, o governo Raúl Alfonsín, o primeiro pós-ditadura, criou uma espécie de Comissão da Verdade, em 1983. Listou 8.960 casos de desaparecidos e apontou 1.351 responsáveis por sequestros e assassinatos de opositores, conforme levantamento do sítio "Opera Mundi", versão eletrônica da antiga imprensa alternativa.
No Brasil, o trabalho ficou por conta de dois religiosos (dom Paulo Evaristo Arns e o reverendo Jaime Wright, já morto).
Posto de outra forma, só agora o Estado brasileiro tomou coragem de encarar seus fantasmas.
Clóvis Rossi
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O desafio da infraestrutura




Coluna Econômica - 16/08/2012 Luis Nassif

Há décadas, todos os programas de investimento em infraestrutura repetem os mesmos projetos do programa anterior. Nesses anos todos, projetos já definidos foram interrompidos por contingenciamentos orçamentários, problemas de licenciamento, escassez de escritórios de engenharia e planejamento.
Ao colocar 9 trechos de rodovias e 12 de ferrovias em regime de concessão, perfazendo um total de investimentos de R$ 133 bilhões, o Programa de Investimentos em Logística – lançado ontem pela presidente Dilma Rousseff – pretende romper com essa inércia. Até o final do mês serão anunciadas as concessões nos sistemas portuário e aeroportuário.
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Há avanços em relação a momentos anteriores. O principal deles é a visão sistêmica sobre o setor de logística, pouco apurada em outros planos.
Na origem do “Brasil  em Ação” – primeira tentativa de articulação dos investimentos públicos orçamentários – havia um pano de fundo estratégico, absorvido dos trabalhos de Eliezer Baptista. Este propunha articular um conjunto de ações em sete regiões específicas, integrando a América Latina, e criando zonas de circulação de riqueza.
O programa foi menos ambicioso, concentrando-se em projetos. Mas acabou engolfado pelo contingenciamento orçamentário que matou todas as iniciativas de investimento público até o advento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que conseguiu livrar as obras da maldição do controle na boca do caixa.
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Nos programas seguintes – incluindo o PAC – avançou-se nas formas de gestão e de acompanhamento e de liberação de recursos, mas ainda estava verde nos chamados aspectos sistêmicos da logística.
Nesse ínterim, no entanto, houve grande avanço do conhecimento interno, especialmente a partir de trabalhos e estatísticas produzidas no âmbito da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Foram feitos estudos mais meticulosos de origem e destino de mercadorias e estudiosos de diversos setores passaram a enxergar a logística de forma integrada, juntando rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, sistemas de armazenamento etc tendo como foco central o fluxo de mercadorias.
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Além disso, foram feitas algumas mudanças regulatórias relevantes.
No caso das ferrovias, por exemplo, assegurou-se o chamado direito de passagem – ou seja, o direito de qualquer empresa poder passar sua carga pelos trilhos da ferrovia concedida. Acaba com o uso exclusivo de ferrovias por algumas empresas ou com seu sub-aproveitamento, como ocorre hoje.
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Mesmo assim, persistem problemas estruturais que não serão resolvidos com o Plano. Há escassez de projetos executivos – os projetos mais detalhados de cada obra -, o mercado de engenharia ainda não conseguiu crescer para atender a todas essas demandas, permanecem as dificuldades com licenciamento ambiental.
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Por outro lado, o panorama externo é extraordinariamente favorável, com muito recurso disponível. Há que se tomar algum cuidado nos contratos de licitação, especialmente em relação ao capital estrangeiro. É bem vindo, especialmente se acompanhado de serviços de engenharia. Mas infraestrutura não gera divisas, capazes de equilibrar a conta da remessa futura de dividendos.
Governo nega que plano de logística seja uma privatização
A presidenta Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, negaram que o programa de concessão de rodovias e ferrovias seja uma forma de privatização. Segundo Dilma, essa questão é “absolutamente falsa”, e a iniciativa resgata a participação do investimento privado em ferrovias e fortalece a estrutura de regulação e investimento. Mantega reafirmou que os projetos serão conduzidos em PPP (Parceria Público-Privada) no caso da concessão de ferrovias.

Nova estrada deve aliviar tráfego local no litoral norte


rtur Rodrigues e Bruno Ribeiro - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - O governo do Estado de São Paulo obteve licença do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) para construir o Contorno Sul de Caraguatatuba e São Sebastião da Rodovia dos Tamoios. Trata-se de um trecho de 30,8 quilômetros que liga a Tamoios (SP-099), em Caraguatatuba, à Rodovia Doutor Manoel Hipólito do Rego, a Rio-Santos (SP-055), na altura do Porto de São Sebastião.
A licença era a barreira que faltava para a empresa estadual Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) dar andamento à obra. Existia uma grande polêmica sobre o impacto dos trabalhos, uma vez que o traçado passará por cima de uma extensa área virgem de Mata Atlântica no Estado. A Prefeitura de São Sebastião criticou a concessão da licença e o secretário de Meio Ambiente do município, Eduardo Hipólito Rego, afirmou que ela foi obtida com a avaliação de critérios "mais econômicos do que ambientais".
A construção do contorno possibilitará que o trecho da Rio-Santos entre São Sebastião e Caraguatatuba seja usado apenas para o tráfego local, enquanto o novo trecho funcionará como uma via expressa. "Aquele trecho rende um congestionamento famoso em época de temporada. A obra cria um contorno viário para essa parte", diz o diretor-presidente da Dersa, Laurence Casagrande Lourenço. O órgão também espera que a rodovia ajude a diminuir o índice de acidentes na área.
Em três anos. A construção, em formato de arco, terá 31 viadutos, 5 pontes e 4 túneis. A obra está estimada em R$ 1,6 bilhão. Para que os trabalhos comecem, ainda é necessário fazer o projeto executivo e a licitação. A estimativa da Dersa é de que as obras sejam iniciadas em março do ano que vem e fiquem prontas em três anos.
O Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) foram protocolados em janeiro de 2010. O estudo foi discutido e ficou disponível na internet. Após as discussões, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) elaborou o parecer de viabilidade, aprovado nesta quarta-feira, 15. Mesmo assim, o Contorno Sul é criticado por ambientalistas.
Impacto. O parecer da Cetesb determina 59 ações que o governo do Estado terá de adotar para mitigar os impactos ambientais que a obra trará. Entre as exigências estão serviços de reflorestamento e de monitoramento ambiental das áreas afetadas indiretamente pela construção das pistas. São, ao todo, 14 programas ambientais.
O presidente da Dersa rebate os argumentos de desmatamento. "A rodovia foi planejada para ter baixíssimo impacto ambiental", afirma. Lourenço argumenta que, como se trata de uma via expressa, o contorno servirá como barreira natural para a expansão da ocupação que já ocorre no Parque Estadual da Serra do Mar.
O governo também afirma que haverá ganho econômico, pois essa infraestrutura servirá ao Porto de São Sebastião. A ligação deve amenizar o impacto no trânsito da possível ampliação do terminal, que aguarda licenciamento ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Hoje, os caminhões que vão levar produtos passam por dentro de São Sebastião e Caraguá e têm uma série de restrições, de horários para passar. Isso atrapalha o funcionamento do porto."
Lourenço afirma que o contorno também permitirá a construção de um retroporto - onde serão armazenados produtos e haverá logística de transporte - em Caraguatatuba. "São Sebastião não tem área para a construção do retroporto. Com ele, a capacidade operacional do Porto de São Sebastião será maior."
Norte. A Dersa aguarda agora o licenciamento ambiental do Contorno Norte de Caraguatatuba. A intervenção viária terá sete quilômetros e um túnel de 400 metros. O estudo de impacto ambiental da obra foi protocolado em 29 de dezembro de 2001 e teve audiência pública realizada em 5 de junho deste ano.