terça-feira, 13 de março de 2012

O Brasil acorda para a guerra cambial



Coluna Econômica - 13/03/2012 Luis Nassif
Sexta feira passada, 9 de março, será considerada futuramente o dia em que o Brasil acordou oficialmente para a guerra cambial – que há anos corrói o tecido industrial brasileiro.
Na Fazenda, tomaram-se medidas mais fortes contra a entrada de dólares especulativos. Durante a semana, o Banco Central já havia acelerado a queda da Selic – cortando em 0,75 ponto. E, mais importante, Dilma deixou de lado os intermediários e assumiu oficialmente o discurso público para enfrentar o tsunami que se avizinha.
***
Nas últimas semana, aqui da coluna vinha cobrando algumas mudanças de postura no governo.
Primeiro, o de aceitar o estado de guerra na luta contra o câmbio apreciado e a desindustrialização. Depois, a montagem de uma sala de situação, um estado maior para monitorar todos os problemas da economia, decorrentes do tsunami, tomando as medidas necessárias de forma rápida.
Finalmente – e mais importante – sair da falta de comunicação atual e convocar o país para a grande batalha.
Chegou-se finalmente a esse sentido de urgência.
***
Ponto central dessa batalha será a reversão da apreciação cambial. Cálculos do Ministério da Fazenda mostram que, para manter a mesma paridade do início do plano Real, o dólar deveria estar valendo R$ 2,50.
É um desequilíbrio absurdo. Um produto que custasse R$ 1.000,00, por exemplo, com o dólar a R$ 2,50 sairia a US$ 400,00. Com o dólar a R$ 1,70, sairá por US$ 588 – uma alta de 47% em dólares.
Não há programa de produtividade, inovação, melhoria no crédito que resolva um diferencial tão expressivo.
E está se falando na relação com o dólar. Se a comparação for com o yuan (moeda chinesa), o diferencial fica maior ainda.
Não é por outro motivo que a invasão de produtos chineses está tomando todos os elos da cadeia produtiva industrial, de produtos finais até componentes de componentes.
***
Ontem, o próprio Jim O’Neill, da Goldman Sachs – o homem que cunhou a expressão BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China) alertava para o problema de valorização excessiva do real. O risco de uma bolha de ativos no país é real e já está ocorrendo.
***
O governo acorda um pouco atrasado, mas a tempo de reverter a situação.
São bons desafios pela frente.
Há alguns paliativos a serem acionados, medidas de defesa comercial, aumento de imposto de importação sobre alguns produtos chave. Mas será apenas aperitivo enquanto não se reverter o câmbio.
A reversão poderá trazer algum impacto inflacionário. Nada que não possa ser debelado com as chamadas medidas prudenciais (restrição de crédito como substituição ao aumento da Selic).
O risco maior será a necessidade de controlar a inflação impondo achatamento nos preços dos combustíveis. Com a dependência de petróleo e o alinhamento dos preços internacionais, deveria haver uma correção nos preços dos combustíveis proporcional à desvalorização cambial. Certamente não haverá, prejudicando a capacidade financeira da Petrobras para enfrentar os desafios do pré-sal.
***
Justamente por não existirem saídas fáceis, mais do que nunca será fundamental a boa comunicação e, principalmente, a percepção de que o país precisará estar unido para enfrentar o tsunami.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Contardo Calligaris - Morte na avenida Paulista




Perto de onde Juliana morreu, uns idiotas tiram um fino de um ciclista, gritando: "Sentiu o vento?"


Na manhã da sexta passada, Juliana Dias, 33, circulava de bicicleta pela avenida Paulista, entre a faixa preferencial do ônibus (à direita) e a faixa de carros -ou seja, no lugar certo, se é que existe um lugar certo para ciclistas em São Paulo.

As testemunhas contam que, perto da rua Pamplona, ela foi fechada, primeiro por um carro (quem sabe o motorista tenha achado engraçado), logo, por um ônibus. Ela gesticulou e protestou. Nessa altura, segundo uma das testemunhas, de novo, intencionalmente, o ônibus foi para cima de Juliana, que caiu e foi esmagada por um segundo ônibus, que, de fato, não teve culpa.

O motorista do primeiro ônibus foi preso por homicídio culposo (não intencional) e, hoje, ele já está em casa (por sorte nossa, no momento, ele não dirige). Se for verdade que ele fechou Juliana de propósito, ele deveria ser acusado de homicídio doloso -com a intenção de matar.

Segunda, não longe de onde Juliana morreu, na alameda Santos, um idiota do volante passou bem perto de uma bicicleta, acelerando forte, enquanto seu passageiro gritava para o ciclista apavorado: "Sentiu o vento?". Talvez o motorista e seu passageiro temessem ser tão insignificantes quanto um sopro de vento e se consolassem ao ver que, por um sopro, alguém podia se sentir ameaçado.

Da mesma forma, há homens impotentes que se esfregam contra mulheres no metrô lotado: esperam confirmar sua virilidade duvidosa graças à reação indignada que eles suscitam.

Em 1949, W.A. Tillmann e G.E. Hobbs publicaram um dos primeiros estudos de psicologia do trânsito, "The Accident-Prone Automobile Driver - A Study of the Psychiatric and Social Background" (o motorista propenso a ter acidentes - estudo do pano de fundo psiquiátrico e social, "American Journal of Psychiatry", 1949; 106, acesso via http://migre.me/8ae8f). Na hora de autorizar alguém a dirigir, antes de testar seu tempo de reação ou sua visão etc., sugeriam os autores, deveríamos saber quem ele é.

Concordo, em tese: carros, caminhões ou ônibus são armas e, para outorgar um porte de armas, não verificamos apenas que o beneficiário tenha pontaria -queremos saber quem ele é.

O problema é que, na prática, selecionar motoristas por via médico-psicológica significaria quase sempre promover os preconceitos do dia. Por exemplo, Tillmann e Hobbs propunham um perfil do motorista perigoso, que, além de ser instável, insubordinado, imediatista etc., viria "de um lar marcado pelo divórcio dos pais". Tudo bem, hoje, negar a carteira aos filhos de divorciados seria a solução definitiva ao problema do trânsito.

Perfil a parte, Tillmann e Hobbs notaram, justamente entre os motoristas de uma companhia de ônibus, que uma mesma minoria era responsável pela maioria dos acidentes, ano após ano.

Talvez esses motoristas minoritários correspondessem ao perfil que Tillmann e Hobbs tentavam definir. Ou talvez a explicação psicológica da perigosidade no trânsito seja outra (por exemplo, em 1969, Stephen Black, http://migre.me/8ae0k, escrevia que, aparentemente, todos os motoristas são "do bem", mas seu inconsciente é sempre psicopata; numa linha parecida, outros diriam que dirigir é o jeito mais fácil e brutal de compensar qualquer insegurança social e privada).

Seja qual for a explicação, Tillmann e Hobbs mostraram que, fichando cada motorista de uma companhia de ônibus e adicionando constantemente, nessas fichas, o número de acidentes (mesmo menores), as denúncias telefônicas do "como estou dirigindo?" e as infrações relativas à direção arriscada, seria possível chegar a um índice de perigosidade que afastasse do volante aquelas pessoas que nunca deveriam ter se sentado atrás dele.

O afastamento, segundo eles, deveria ser definitivo ou quase: para que um motorista propenso ao acidente se torne um motorista seguro, ele precisaria mudar caraterísticas profundas de seu caráter (possibilidade remota).

Tillmann e Hobbs quiseram mostrar, em suma, que os acidentes não são apenas fruto do acaso e efeito de imperícia ou de bobeiras ocasionais; muitas vezes, os acidentes "refletem a personalidade básica do indivíduo que dirige". E essa ideia ainda não foi levada a sério.

Agora, se Juliana foi mesmo fechada propositalmente por um ônibus, ela não foi vítima do acaso nem da imperícia nem da bobeira ocasional de ninguém.

CONTARDO CALLIGARIS - É fácil desistir de nossos sonhos


GIL PENDER, o protagonista do último filme de Woody Allen, "Meia-Noite em Paris", quer deixar de escrever roteiros de sucesso (que ele mesmo acha medíocres) para se dedicar a coisas "mais sérias" e menos lucrativas: um romance, por exemplo. Ele acumulou dinheiro suficiente para tentar essa aventura por um tempo, em Paris, como um escritor americano dos anos 1920.
Infelizmente, Pender está prestes a se casar com uma noiva que aprecia muito seu sucesso atual, mas não tem gosto algum pela incerteza (financeira) de seu sonho. Tudo indica que ele se dobrará às expectativas da noiva, dos futuros sogros e do mundo, renunciando a seu desejo. Talvez seja por causa dessa renúncia, aliás, que noiva e sogros o desprezam (todo o mundo acaba desprezando o desejo de quem despreza seu próprio desejo).
Mas eis que, na noite parisiense, alguns fantasmas do passado levam Pender para a época na qual poderia viver uma vida diferente e mais intensa -a época na qual seria capaz de fazer apostas arriscadas.
A idade de ouro de Pender é a Paris de Hemingway, Fitzgerald, Cole Porter, Picasso etc. Como disse Gertrude Stein (outra protagonista do sonho do herói), eles são a geração perdida, entre uma guerra terrível e outra pior por vir (isso ela não sabia, mas talvez pressentisse). Por que eles fariam a admiração de Pender e a nossa? Hemingway responde quando explica a Pender que, para amar e escrever, é preciso não ter medo da morte. Claro, não ter medo da morte talvez seja pedir muito, mas Pender poderia mesmo se beneficiar com um pouco mais de coragem; se conseguisse decidir sua vida sem medo da noiva e dos sogros, seria um progresso.
Concordo com o que escreveu Marcelo Coelho, em artigo neste mesmo espaço na edição de 22 de junho: uma moral do filme é que "temos só uma vida para viver -a nossa", ou seja, tudo bem sonhar com a idade de ouro, à condição de acordar um dia.
Agora, o que emperra a vida de Pender não é seu sonho nostálgico, é o presente. A nostalgia, aliás, é seu recurso para não se esquecer completamente de seus próprios sonhos. É como se, para preservar seu desejo, ele o situasse numa outra época. Mas preservá-lo de quem?
Antes de mais nada, um conselho. Acontece, às vezes, que nosso sucesso não tenha nada a ver com nossos sonhos -por exemplo, você queria ser promotor de Justiça, mas fez algum dinheiro com a imobiliária de família e aí ficou, renunciando a seu sonho.
Nesses casos, uma precaução: case-se com alguém que ame seu sonho frustrado e não só seu sucesso; sem isso, inelutavelmente, chegará o dia em que você acusará seu casal de ter sido a causa de sua renúncia. Em outras palavras, é possível e, às vezes, necessário renunciar a nossos sonhos, mas é preciso escolher como parceiro alguém que goste desses sonhos e dos jeitos um pouco malucos que usamos para acalentá-los (no caso de Pender, passeios por Paris à meia-noite e na chuva).
Voltemos agora à pergunta: contra quem Pender precisou preservar seu desejo, mandando-o para outra época? Contra a noiva que desconsiderava seus sonhos? Aqui vem outra moral do filme.
Pender não é nenhum caso raro: todos nós, em média, dedicamos mais energia à tentativa de silenciar nossos sonhos do que à tentativa de realizá-los. Muitos dizem que desistiram de sonhos dos quais os pais não gostavam por medo de perder o amor deles. Mas por que Pender recearia perder o amor da noiva, que ele não ama, e dos sogros, que ele ama ainda menos?
O fato é que somos complacentes com as expectativas dos outros (que amamos ou não) à condição que elas nos convidem a desistir de nosso desejo. É isso mesmo, a frase que precede não saiu errada: adoramos nos conformar (ou nos resignar) às expectativas que mais nos afastam de nossos sonhos. Aparentemente, preferimos ser o romancista potencial que foi impedido de mostrar seu talento a ser o romancista que tentou e revelou ao mundo que não tinha talento. Desistindo de nossos sonhos, evitamos fracassar nos projetos que mais nos importam.
Em suma, da próxima vez que você se queixar de que seu casal afasta você de seus sonhos, lembre-se: foi você quem o escolheu.
E mais um conselho: se você encontrar alguém disposto a caminhar na chuva do seu lado, não fuja; molhe-se.