sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Tarcísio e Marçal correm atrás de Bukele, Alvaro Costa e Silva, FSP

 Ai-jesus da extrema direita global, Nayib Bukele esnobou Pablo Marçal. Deu um toco no boné do seu imitador brasileiro. Tratou o candidato a prefeito como idiota —para usar um termo do próprio Marçal ao definir eleitores que se encantam com tipos como ele.

Na semana passada o coach largou a campanha em São Paulo para fazer uma viagem internacional, garantindo que iria se encontrar com o presidente de El Salvador e dele extrair os "códigos de segurança" que fizeram a taxa de violência despencar no pequeno país da América Central. Passou dois dias lá e gravou um vídeo em frente ao megapresídio de Tecoluca. Só conseguiu reunir-se com o ministro da Justiça, sem a presença do presidente. Bukele lhe aplicou um perdido.

A ministra da Segurança Pública da Argentina, Patricia Bullrich, visita a prisão de Tecoluca, em El Salvador - Secretaria de Imprensa da Presidência/via Reuters

Marçal voltou ao Brasil a tempo de tirar uma casquinha no ato golpista de 7 de Setembro na avenida Paulista, mas com outras duas decepções na bagagem. Tinha a pretensão de conversar com Elon Musk depois da rápida visita a El Salvador. Também sonhava encontrar-se com o ex-presidente Trump.

Reeleito com mais de 83% dos votos válidos, o salvadorenho é o meteoro político que Marçal não alcança ser (recente Datafolha mostra que ele empacou na rejeição). No poder, Bukele conseguiu reduzir a violência estabelecendo um regime de exceção, promovendo encarceramentos em massa, expurgando juízes, restringindo o direito de defesa, empoderando as forças de segurança e financiando uma rede de apoiadores cuja estridência digital encobre as críticas. Sem falar no pulo do gato: fazer um pacto com a maior gangue do país para reduzir o número de homicídios em troca de facilitação nos negócios.

Marçal não é o único disposto a imitar Bukele, que se descreve como "um ditador cool". A ministra da Segurança argentina, Patricia Bullrich, disse que irá adotar o modelo dele no combate ao crime organizado. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas, ao promover a politização dos quartéis da PM, avança no mesmo caminho. Não à toa, Tarcísio, maior cabo eleitoral de Ricardo Nunes, parece ser o mais incomodado —mais até do que Bolsonaro— com o coach que quer roubar a bandeira do impeachment de Alexandre de Moraes.

Nayib Bukele no funeral de oficiais da polícia e do Exército de El Salvador mortos em acidente de helicóptero - Alexander Pena/Xinhua

Morremos todos um pouco com o fim do Twitter, Gustavo Alonso. FSP

 Passadas duas semanas da suspensão do "X", antigo Twitter, já é possível ponderar sobre seus efeitos. Era na rede social de propriedade do megalomaníaco empresário Elon Musk que nossa agressividade era cultivada à flor da pele. Nesse sentido o Twitter não deixou saudades. Mas, como historiador, lamento o fim do acesso de seu arquivo. Jogamos para debaixo do tapete uma parte do que fomos no século 21.

Tela de um celular mostra a mensagem de "tentar novamente" depois que o X, ex-Twitter, foi suspenso no país. - MAURO PIMENTEL/AFP

Já me disseram que o Bluesky vem aí substituir o Twitter. Que bom! Continuaremos a ter um canal para nos odiar. Todos parecem muito preocupados em continuar se odiando no presente. Eu me preocupo em como vamos lidar com nosso passado odiento.

O formato e o algoritmo do Twitter estimulavam nossa tensão constante. Lá amávamos odiar tudo, éramos soberbos, nos colocávamos como especialistas de todas as áreas da vida, gozávamos com a cara dos ignorantes de todas as matérias, nos comprazíamos em atacar uns aos outros e, sobretudo, cancelávamos quem pensava diferente.

Mais grave do que não ter um lugar para projetarmos nossa raiva, o cancelamento do Twitter tornou inacessíveis os arquivos históricos de nossa agressividade. Na volatilidade do mundo digital, as memórias se perdem com um clique.

Nesse sentido é interessante relacionar a suspensão do Twitter ao término de outra plataforma digital, a do finado Orkut, que se foi em 2014. Durante mais de dez anos compartilhamos no Orkut nossos afetos, expusemos parte de nossos desejos e construímos pontes identitárias nas comunidades virtuais. O Orkut era tão importante na primeira década do milênio quanto o são hoje InstagramTikTok e Tinder.

Quando o Orkut foi desativado, houve a possibilidade de os assinantes baixarem seus arquivos pessoais. Mesmo para aqueles que o fizeram, o que restou foi um arquivo morto, ilhado, sem a interação que a rede tinha. O arquivo do Twitter não foi incinerado, e nossa memória digital deve estar em algum lugar na nuvem de Elon Musk, mas sua inacessibilidade nos priva de parte do que fomos desde 2006, quando a plataforma foi criada.

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Lembro-me que quando o Orkut foi desativado, propus a amigos de bar que o Ministério da Cultura comprasse o arquivo da plataforma. Fui solenemente ignorado. No entanto, sou teimoso e sustento a tese.

É fundamental que a noção de cultura seja ampliada em direção ao que produzimos na esfera digital. Cultura não é só o artefato popular, o folclore que resiste ao tempo, o manto indígena histórico, a música inesquecível, a arquitetura original, a literatura relevante ou o quadro refinado. Hoje somos seres digitais. Nossas obras e afetos, bons ou ruins, estão em grande parte localizados na internet. A rede mundial de computadores é nossa praça, nosso mercado e deve ser também nosso museu.

Hoje em dia, nossas memórias coletivas são construídas nas redes sociais. Por redes sociais entenda-se empresas privadas virtuais de comunicação que não têm nenhuma responsabilidade com a preservação da memória. É nessas horas que a sociedade precisa de um Estado que preserve o legado. Hoje as novas gerações não têm como saber como fomos através do Orkut. Tudo se apagou. E se o doido Elon Musk resolver apertar o delete de sua nuvem, quem irá defender nossa memória?

O bilionário Musk se recusou a pagar a multa determinada pela justiça pelo não cumprimento das ordens do STF e não apresentou representante legal no país. Não deixou outra saída aos ministros da Suprema Corte que não o fechamento da plataforma no Brasil. Mas, num ato jurídico altamente questionávelAlexandre de Moraes foi além e cobrou a dívida de outra empresa de Musk, a Starlink, abrindo precedente perigoso.

Em minha utopia arquivista, eu proporia ao bilionário que, pelo perdão da dívida do Twitter, transformássemos sua plataforma no sonhado museu digital. Musk insiste em dizer que o Twitter é um bastião da liberdade de expressão. Se pensa de fato assim, ele não deveria se opor a que preservássemos nossa memória lá depositada. Talvez houvesse aí uma brecha para cessarmos a atividade no Twitter e ainda sim manter intacta nossa memória coletiva digital.

Tem sido comum se perguntar como contaremos a história do Brasil das últimas décadas. Sem o arquivo do Twitter será ainda mais difícil. Não devemos esquecer o que fomos. Até porque ainda somos o que fomos.