terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca - Imprensa e Justiça precisam reconquistar sua legitimidade, FSP

 "Biografia do Abismo", de Felipe Nunes e Thomas Traumann, nos dá uma boa ideia do clima político que o Brasil entra em 2024, se é que a mera convivência com seus estimados concidadãos já não mostrou isso. Um país não apenas dividido como calcificado em suas diferenças políticas e tomado pela polarização afetiva: o eleitor ama quem está do seu lado e, cada vez mais, odeia quem está do lado contrário.

Como os próprios autores indicam, não devemos sair dessa polarização tão cedo. Eu também acho que ela veio para ficar. E dado que a polarização está aí, lanço outra preocupação: como fortalecer as instituições que, por não estarem engajadas na luta política, desempenham um papel central na manutenção da democracia liberal? Imprensa, universidades, institutos, Ministério Público, Justiça, partidos, Forças Armadas. Quanto mais odiamos uns aos outros, mais importante é ter um chão mínimo de fatos comuns que limite as posições de ambos os lados. Vacinas funcionam ou não? Existe déficit público? Que candidato recebeu mais votos? A sociedade precisa ter amplo consenso nisso; e só o terá se a resposta vier de instituições vistas como objetivas e não politizadas.

Produtos com estampas de Lula e de Bolsonaro vendidos em meio às eleições de 2022 - Rubens Cavallari - 19.out.22/Folhapress

O populismo de direita que ascendeu nos últimos anos por todo o mundo faz da crítica às instituições parte central de seu discurso (assim como uma extrema esquerda que tem se tornado mais popular). Elas estariam nas mãos de elites progressistas desconectadas do povo e que militam contra os valores do cidadão comum.

Um tipo de resposta possível é a tentativa de proibir o questionamento. Limitar por determinação judicial fake news sobre as urnas eletrônicas pode fazer sentido às vésperas das eleições, para evitar uma intentona golpista. Mas cada vez que uma ação assim é tomada, a Justiça Eleitoral queima parte de sua legitimidade e fortalece o discurso contrário a ela.

Outra é a de desqualificar os autores de críticas. São ignorantes, burros, analfabetos, fascistas. Isso só reforça o sentimento de que essas instituições estão contra grande parte da população, e, portanto, obedecendo aos interesses da elite cultural. Nenhuma instituição é infalível. Portanto o questionamento é válido. Ninguém sabe tudo. É no debate, defendendo posições e enfrentando argumentos contrários, que aprende mais sobre o tema. E hoje, ao contrário do passado, as vozes contrárias não dependem do megafone da imprensa.

Há um elemento de verdade na crítica populista: todas elas dependem de especialistas cuja formação é acessível a poucos, e que facilmente se deixam levar pela impressão de que devem decidir os rumos da sociedade. Antes das redes sociais, todas elas se acostumaram a pontificar sem oposição por muitos anos. Como pode um reles leigo, sem acesso aos dados, questionar um especialista com anos de estudo?

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Além disso, falta diversidade ideológica. No jornalismo isso é claro: há uma evidente preponderância da esquerda nas Redações. Assim como a homogeneidade racial pode gerar um viés inconsciente nas questões raciais, o mesmo vale para a uniformidade ideológica.

Em tempos de redes, a fala impessoal —com as mesmas imperfeições que todos nós temos— convence mais do que o discurso impessoal e sem arestas, e por isso mesmo fabricado. Conhecer as pessoas dentro da instituição, reconhecer-se nelas e ver suas próprias objeções respondidas levadas a sério e respondidas ajudará mais do que fechar-se si mesma e lamentar a maldade do mundo que não aceita sua superioridade.

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