Ao contrário do que pensam muitos diretores contemporâneos, telas de notebook ou celular não são fotogênicas. Alguns cineastas aprenderam a usar uma tela dentro da outra, sobretudo Brian De Palma com imagens da televisão.
Quando se trata de aparelhos mais modernos, contudo, a coisa tende a ficar fria, ou cair numa vontade um tanto infantil de afirmar uma certa contemporaneidade.
"Vidas Passadas", indicado ao Oscar de melhor filme e melhor roteiro original, convence justamente onde muitos outros filmes fracassam: na comunicação à distância, por meio de notebooks, entre duas pessoas que sempre se amaram.
Na Young, vivida por Greta Lee, e Hae Sung, interpretado por Teo Yoo, são amigos inseparáveis desde a infância. Até que os pais de Na Young resolvem se mudar da Coreia do Sul para o Canadá, provocando um rompimento que os pré-adolescentes não têm condições de contornar.
O tempo passa e cada um cresce separadamente. Hae Sung procura Na Young no Facebook do pai dela, um cineasta. Ela, que agora é escritora, atende pelo nome de Nora Moon e mora em Nova York, descobre a tentativa e entra em contato com ele.
Começam então a se comunicar pela internet, até que Nora percebe que essa relação, pelo menos por enquanto, está fadada ao fracasso, e sugere que parem de se falar.
Cada um se envolve com outras pessoas, conforme os anos passam. Nora se casa com um escritor, enquanto Hae Sung arruma uma namorada, mas a relação não é duradoura. Os laços que unem esses amigos de infância são muito fortes. O difícil é dar vazão a essa união sem magoar outras pessoas.
A história é meio autobiográfica, já que os pais da diretora, Celine Song, também se mudaram da Coreia do Sul para o Canadá e seu pai também é diretor de cinema. Por fim, Song se casou com um escritor e vive em Nova York, como sua protagonista.
Mais importante que ficar procurando o que é autobiográfico e o que vem de sua imaginação é entender que a realidade, por si só, pode dar ótimos filmes, mas também pode dar em coisa alguma. Boa parte do sucesso ou fracasso de uma obra depende, principalmente, das escolhas da direção. É nesse aspecto que "Vidas Passadas" se mostra forte.
É uma comédia romântica que desvia da maior parte dos clichês do gênero. Nada de reviravoltas sentimentais, pessoas aplaudindo declarações de amor em público ou desencontros do acaso. Tudo acontece às claras, entre pessoas maduras, com uma sensibilidade de direção que impressiona também pela discrição. Sem espalhafato, o filme nos conquista aos poucos.
Hae Sung, a certa altura, resolve ir para Nova York. Lá reencontra Nora e conhece o marido dela, Arthur, um escritor judeu vivido por John Magaro, numa interpretação tão fundamental para o sucesso do filme quanto a de Greta e Teo.
Numa comédia romântica tradicional, a rivalidade entre os dois homens que amam Nora seria tratada com algum humor, e o espectador seria levado a torcer por um deles.
Não é bem o que acontece aqui, ainda que cada um possa ter sua preferência. Arthur percebe o risco que corre e nos corta o coração com suas falas trêmulas, a sensação de que não há muito o que fazer a não ser torcer para não perder a esposa. E Hae Sung nos conquista pelo charme e tempo de tela.
Celine Song, a diretora, é muito feliz em pontuar os momentos mais sensíveis da trama com passagens visuais tocantes, como no reencontro diante de um monumento em Nova York que evoca, para Nora e para nós, o dia em que brincavam em um monumento de Seul.
Cenas como essa e outras, que mostram a beleza da cidade, denotam uma crença no poder de narrar com imagens, em associações cuidadosas e atenção especial aos detalhes.
Que Celine Song, num primeiro longa, tenha sido bem-sucedida nesse aspecto e nos diálogos por notebooks diz muito de sua habilidade no alcance de um tom preciso das atuações, na boa escolha dos cenários e no ritmo certo dos cortes.
Sua direção valoriza silêncios, olhares e hesitações com rara maestria, culminando na conversa a três num balcão de bar, cena que nos remete ao instigante começo do filme e nos devolve aos grandes mistérios do coração.
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