segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Baterias em estado sólido chegam no fim desta década para dobrar autonomia de carros elétricos, FSP


SÃO PAULO e YOKOHAMA (JAPÃO)

Os dois pacotes prateados que estão sobre a mesa mostram o óbvio: uma bateria em estado sólido é menor e mais densa que a de íon-lítio usada atualmente nos carros elétricos. A exibição ocorre na sede da Nissan em Yokohoma, no Japão.

Kiyoshi Takagi, gerente geral do laboratório de materiais avançados da montadora, enumera as vantagens e embaralha presente e futuro. "A bateria sólida vai dobrar a autonomia dos veículos e poderá ser recarregada mais rapidamente", afirma.

Unidade de bateria de estado sólido para carros elétricos desenvolvida pela Nissan
Unidade de bateria de estado sólido para carros elétricos desenvolvida pela Nissan - Divulgação

A principal diferença física está na ausência das substâncias pastosas ou gelatinosas que compõem os acumuladores usados hoje. Por isso não há chance de vazamento, o que também reduz o risco de incêndio em condições extremas.

Ao ouvir o engenheiro japonês, fica impossível não pensar: se os principais problemas dos veículos elétricos deverão ser resolvidos por esses novos acumuladores, por que adquirir um carro elétrico agora? Essa história, contudo, é mais complexa.

"As baterias atuais de íon-lítio já são uma tecnologia madura e que vai continuar evoluindo, embora não exista muito mais o que avançar", diz Flávio Sakai, diretor de eletrônica e conectividade da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva). "As de estado sólido ainda estão em desenvolvimento."

O assunto não é novo. Promessas sobre a revolução dos acumuladores sólidos têm sido ouvidas nos últimos dez anos, com destaque para iniciativas de marcas japonesas. A Nissan pretende lançar um veículo elétrico dotado dessa tecnologia por volta de 2028, enquanto a Toyota fala em a partir de 2027, após alguns adiamentos.

O grupo Stellantis e a alemã Mercedes-Benz já confirmaram investimentos nessa tecnologia, assim como a sul-coreana Samsung e a chinesa Xiaomi.

"Pelo andamento, não haverá mais atrasos significativos, agora é uma questão de custos. Os processos produtivos já estão em planejamento", diz Sakai. "Se o custo não fosse muito superior [ao das baterias de íon-lítio], as de estado sólido entrariam rapidamente em linha, com maior presença nos veículos premium."

Será um movimento semelhante ao que acontece com a maioria das novas tecnologias que chegam ao mercado automotivo. A primazia cabe aos supercarros, com preços sempre acima de R$ 500 mil. Nos anos seguintes, com o aumento da escala de produção, modelos mais em conta começarão a receber as novidades.

As diferentes tecnologias deverão conviver por muitos anos no mercado de modelos novos, como acontece hoje. Por exemplo: o Toyota Corolla híbrido ainda usa uma solução desenvolvida nos anos 1990, mas que foi sendo aperfeiçoada e ainda oferece boa eficiência energética.

No caso dos 100% elétricos, as baterias de íon-lítio terão seus custos de produção reduzidos com o ganho de escala –o que vai possibilitar a redução de preços desses modelos, criando um novo segmento de entrada.

Portanto, não se deve esperar que hatches compactos como o Byd Dolphin Mini, que estreia neste trimestre por aproximadamente R$ 100 mil, recebam baterias de estado sólido antes de 2030. E quando isso acontecer, o desenho desses carros poderá parecer tão vintage quanto um BlackBerry.

Segundo Sakai, a tecnologia sólida vai permitir não só uma redução de volume entre 20% e 30%, mas também a possibilidade de novos formatos de acumuladores, liberando o espaço na cabine e a criatividade dos designers.

Quem já viajou no banco traseiro de um veículo elétrico –principalmente dos compactos– sabe que a instalação dos acumuladores sob a carroceria faz o assoalho ficar mais elevado. Dessa forma, os joelhos ficam em posição mais alta, o que prejudica o conforto a bordo. Esse é um dos pontos que devem melhorar com as futuras baterias.

Funcionários da Nissan trabalham em laboratório que desenvolve baterias de estado sólido para carros elétricos
Funcionários da Nissan trabalham em laboratório que desenvolve baterias de estado sólido para carros elétricos - Divulgação

Outra vantagem destacada por Flávio Sakai é a maior durabilidade. Enquanto as baterias de íon-lítio suportam cerca de 2.000 ciclos de recarga sem apresentar problemas, os testes com as de estado sólido indicam capacidades entre 5.000 e 10 mil recargas. Mas devem ocorrer variações devido à potência do carregador usado rotineiramente.

"Parece tudo lindo e maravilhoso, mas isso precisa ser gerenciado. Pelo fato de ter riscos menores de acidentes, as baterias de estado sólido permitem recargas super-rápidas, mas isso provoca aquecimento e pode reduzir os ciclos", diz o diretor da AEA.

Garantir a durabilidade é também uma questão ambiental. A extração de minerais e o descarte de acumuladores são problemas que crescem junto com a expansão dos carros eletrificados mundo afora.

O jornalista viajou a convite da Nissan do Brasil

 

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