Os dois pacotes prateados que estão sobre a mesa mostram o óbvio: uma bateria em estado sólido é menor e mais densa que a de íon-lítio usada atualmente nos carros elétricos. A exibição ocorre na sede da Nissan em Yokohoma, no Japão.
Kiyoshi Takagi, gerente geral do laboratório de materiais avançados da montadora, enumera as vantagens e embaralha presente e futuro. "A bateria sólida vai dobrar a autonomia dos veículos e poderá ser recarregada mais rapidamente", afirma.
A principal diferença física está na ausência das substâncias pastosas ou gelatinosas que compõem os acumuladores usados hoje. Por isso não há chance de vazamento, o que também reduz o risco de incêndio em condições extremas.
Ao ouvir o engenheiro japonês, fica impossível não pensar: se os principais problemas dos veículos elétricos deverão ser resolvidos por esses novos acumuladores, por que adquirir um carro elétrico agora? Essa história, contudo, é mais complexa.
"As baterias atuais de íon-lítio já são uma tecnologia madura e que vai continuar evoluindo, embora não exista muito mais o que avançar", diz Flávio Sakai, diretor de eletrônica e conectividade da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva). "As de estado sólido ainda estão em desenvolvimento."
O assunto não é novo. Promessas sobre a revolução dos acumuladores sólidos têm sido ouvidas nos últimos dez anos, com destaque para iniciativas de marcas japonesas. A Nissan pretende lançar um veículo elétrico dotado dessa tecnologia por volta de 2028, enquanto a Toyota fala em a partir de 2027, após alguns adiamentos.
O grupo Stellantis e a alemã Mercedes-Benz já confirmaram investimentos nessa tecnologia, assim como a sul-coreana Samsung e a chinesa Xiaomi.
"Pelo andamento, não haverá mais atrasos significativos, agora é uma questão de custos. Os processos produtivos já estão em planejamento", diz Sakai. "Se o custo não fosse muito superior [ao das baterias de íon-lítio], as de estado sólido entrariam rapidamente em linha, com maior presença nos veículos premium."
Será um movimento semelhante ao que acontece com a maioria das novas tecnologias que chegam ao mercado automotivo. A primazia cabe aos supercarros, com preços sempre acima de R$ 500 mil. Nos anos seguintes, com o aumento da escala de produção, modelos mais em conta começarão a receber as novidades.
As diferentes tecnologias deverão conviver por muitos anos no mercado de modelos novos, como acontece hoje. Por exemplo: o Toyota Corolla híbrido ainda usa uma solução desenvolvida nos anos 1990, mas que foi sendo aperfeiçoada e ainda oferece boa eficiência energética.
No caso dos 100% elétricos, as baterias de íon-lítio terão seus custos de produção reduzidos com o ganho de escala –o que vai possibilitar a redução de preços desses modelos, criando um novo segmento de entrada.
Portanto, não se deve esperar que hatches compactos como o Byd Dolphin Mini, que estreia neste trimestre por aproximadamente R$ 100 mil, recebam baterias de estado sólido antes de 2030. E quando isso acontecer, o desenho desses carros poderá parecer tão vintage quanto um BlackBerry.
Segundo Sakai, a tecnologia sólida vai permitir não só uma redução de volume entre 20% e 30%, mas também a possibilidade de novos formatos de acumuladores, liberando o espaço na cabine e a criatividade dos designers.
Quem já viajou no banco traseiro de um veículo elétrico –principalmente dos compactos– sabe que a instalação dos acumuladores sob a carroceria faz o assoalho ficar mais elevado. Dessa forma, os joelhos ficam em posição mais alta, o que prejudica o conforto a bordo. Esse é um dos pontos que devem melhorar com as futuras baterias.
Outra vantagem destacada por Flávio Sakai é a maior durabilidade. Enquanto as baterias de íon-lítio suportam cerca de 2.000 ciclos de recarga sem apresentar problemas, os testes com as de estado sólido indicam capacidades entre 5.000 e 10 mil recargas. Mas devem ocorrer variações devido à potência do carregador usado rotineiramente.
"Parece tudo lindo e maravilhoso, mas isso precisa ser gerenciado. Pelo fato de ter riscos menores de acidentes, as baterias de estado sólido permitem recargas super-rápidas, mas isso provoca aquecimento e pode reduzir os ciclos", diz o diretor da AEA.
Garantir a durabilidade é também uma questão ambiental. A extração de minerais e o descarte de acumuladores são problemas que crescem junto com a expansão dos carros eletrificados mundo afora.
O jornalista viajou a convite da Nissan do Brasil
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