terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Bernardo Guimarães Nova indústria, velhos subsídios, FSP (definitivo)

 Estima-se que existam cerca de 5.000 tigres livres nas florestas da Ásia e um número maior que esse de tigres em cativeiro (talvez 8.000, há muitas estimativas distintas).

Pode parecer que se pudéssemos tirar esses tigres do cativeiro, adaptá-los para a vida selvagem e reintroduzi-los nas florestas, o número de tigres livres na natureza mais do que dobraria. Isso, porém, seria verdade apenas no curtíssimo prazo. Em pouco tempo, o número de tigres voltaria a ser o que era antes.

Afinal, o número de tigres na natureza é determinado pelas condições ambientais, que incluem o tamanho e o estado das florestas, a atividade humana e uma miríade de fatores que afetam as possibilidades de animais sobreviverem, se alimentarem e procriarem.

Pães são feitos em fábrica em São Paulo
Indústria terá plano com R$ 300 bilhões até 2026 - Paulo Whitaker/Reuters

É claro que ecossistemas são afetados pela ação humana, mas introduzir magicamente milhares de tigres nas florestas existentes sem modificar os incentivos que as pessoas têm para preservar ou destruir o meio ambiente não muda a população de animais que o ecossistema consegue sustentar.

Assim como nos ecossistemas, as quantidades produzidas de cada bem, os empregos e os preços em uma economia também não são magicamente alterados por leis e decretos.

Essa comparação me veio à mente com o anúncio do governo de seu plano de estímulo à indústria, com R$ 300 bilhões de financiamento nos próximos anos.

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A quantidade de investimento em uma economia é igual à quantidade de recursos poupados pelas famílias mais o superávit fiscal e mais o déficit externo. Essa é uma relação contábil. Vale sempre.

VEJA OS 17 SETORES AFETADOS

  • calçados

  • call center

  • comunicação

  • confecção e vestuário

  • construção civil

  • couro

  • empresas de construção e obras de infraestrutura

  • fabricação de veículos e carrocerias

  • máquinas e equipamentos

  • projeto de circuitos integrados

  • proteína animal

  • têxtil

  • tecnologia da informação

  • tecnologia de comunicação

  • transporte metroferroviário de passageiros

  • transporte rodoviário coletivo

  • transporte rodoviário de cargas

Subsídios ao crédito não criam tigres, nem poupança de recursos, nem superávits fiscais (o efeito direto é aumentar o déficit). Portanto, não aumentam, pelo menos de imediato, o total investido.

O efeito direto de subsídios a determinados setores é mudar a alocação do crédito na economia: alguns recursos fluem para empresas que não estariam dispostas a pagar os juros de mercado e não para outras que topariam os juros altos.

Os defensores da medida devem acreditar que o investimento nos setores beneficiados gerará ganhos para a sociedade maiores do que os outros setores gerariam, apesar das empresas beneficiadas estarem dispostas a pagar juros menores que as outras.

Em teoria, isso é possível.

Alguns setores da economia podem gerar mais aprendizados e ganhos sociais do que outros. Setores que hoje não são muito lucrativos podem crescer e se tornar muito produtivos com esses estímulos iniciais. Isso geraria mais produto e investimento no futuro.

O sucesso dessas políticas, portanto, depende fundamentalmente de como os beneficiados são escolhidos. Direcionar para os setores errados leva a uma redução na produtividade.

O governo precisaria identificar setores que gerarão produtividade no futuro com estímulos hoje. Seria fundamental avaliar efeitos de políticas de estímulo na produtividade, medir os ganhos de estimular os diversos setores da economia, para criarmos políticas baseados em evidências.

Contudo, as políticas foram traçadas com a participação dos caciques da indústria e sindicatos mais poderosos. Para surpresa de ninguém. Com tanto subsídio na mesa, quem esperaria que poderia ser diferente?

Como no passado, os favores aos mesmos setores da economia vêm com uma forte retórica nacionalista. A ideia parece ser errar tudo exatamente igual.

O resultado é que mais crédito fluirá para quem faz mais lobby e tem mais poder político. Aí, não há motivo para esperar que os setores com maior potencial para gerar produtividade serão estimulados.


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