A histeria que se seguiu à apresentação do pacote inicial de medidas pelo MDIC/BNDES revela o atraso de economistas liberais brasileiros; na sanha de perpetuar o atual modelo extrativo-agrofinanceiro, prendem-se a ideias obsoletas.
A pandemia e a temporada de guerras quentes catalisaram profundas mudanças geopolíticas, as quais exigem um olhar renovado sobre a economia, como destacou estudo recente do FMI (2024).
A prestigiada Harvard Business Review destacou a "nova era da política industrial". O plano Biden prova que até Washington abandonou o consenso dos anos 1990, com seu trilionário pacote de subsídios e incentivos setoriais.
A revista The Economist (02/01) desnudou o novo espírito do tempo com sua típica objetividade: "uma economia deve evoluir da pobreza agrária para indústrias diversificadas [para] que possam competir com países rivais que são ricos há séculos."
Para isso, "são necessárias infraestruturas, pesquisa e capacidades estatais", bem como "empréstimos a taxas subsidiadas", o que torna "inevitável um certo envolvimento do Estado no processo". A revista reconhece que muitos países "perderam a paciência com o consenso de Washington", cujas promessas não foram cumpridas (FMI 2016).
É neste contexto que se deve avaliar o programa "Nova Indústria Brasil" do governo federal. Com impacto fiscal ínfimo, o plano promove uma agenda de Estado, apoiando o setor industrial brasileiro por meio de diferentes linhas de crédito, equity e recursos não reembolsáveis para alavancar a produção e a inovação industrial.
O plano se orienta por missões transversais que atacam problemas com alta sensibilidade social. Em vez da indução de setores e empresas do passado, o plano fomenta novos ecossistemas produtivos. O foco reside na articulação público-privada para o fornecimento de infraestruturas física e social para a alavancagem de novas atividades ligadas à sustentabilidade ambiental.
Os eixos desta política de inclusão produtiva e resiliência econômica são: a digitalização da indústria e das pequenas e médias empresas, o fomento das cadeias agroindustriais e da bioeconomia, a mobilidade urbana, a internalização da produção de insumos da saúde e de tecnologias críticas de defesa nacional.
A natureza "pré-distributiva" da iniciativa aparece na geração de empregos de melhor qualidade, bem como na oferta de bens públicos básicos, complementando os programas sociais e fornecendo bases para o crescimento de longo prazo.
A política usa subsídios financeiros (e não fiscais) apenas nas atividades claramente focadas em inovação, instrumento largamente usado pelas potências ocidentais. Ademais, o BNDES lançou letras de crédito, títulos verdes e fundos e pode dar garantias a projetos privados, canalizando recursos privados ociosos para projetos socialmente relevantes.
O aprendizado tecnológico e a rentabilidade em atividades intensivas em capital dependem de elevadas economias de escala e de demanda previsível, caso do complexo industrial da saúde. Com efeito, o plano recorre à exigência de conteúdo local e às compras governamentais —instrumento ainda aceito pela OMC (Organização Mundial do Comércio).
É estapafúrdia a alegação de que o plano impedirá nossa integração às cadeias globais de valor. André Nassif e Paulo Morceiro (2022) mostraram que o Brasil aumentou a dependência de manufaturados importados de 69% para 91%, entre 1990 e 2020. Já as exportações de produtos primários aumentaram de 17% para 45% em igual período. Estamos bem integrados numa faixa nada nobre das cadeias globais de valor. Superar esta condição exige políticas estruturantes.
O plano pode se beneficiar de críticas construtivas, como a definição de metas mais concretas. Porém, tratar a transição coordenada como custo —em vez de investimento— é a receita para o imobilismo.
Em farialimês: é preciso atualizar o "mindset" para a nova era!
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