A principal anomalia da eleição presidencial dos Estados Unidos em 2016 não foi a vitória de Donald Trump. O triunfo de um candidato republicano, naquele sistema bipartidário altamente competitivo, não constitui surpresa nenhuma.
O fato incomum ocorreu alguns meses antes do pleito, quando um empresário desaforado, sem credenciais, trajetória nem compromissos na política partidária, atropelou nas primárias todo o establishment da agremiação de Lincoln, Eisenhower e Bush para sagrar-se candidato pela legenda.
O acontecimento marcou a entrada do populismo de direita na disputa frontal pelo poder na maior potência econômica e militar do planeta, berço da democracia moderna. Na Casa Branca, Trump praticou a cartilha iliberal e promoveu confusão, atritos e instabilidade.
Despediu-se do governo recusando-se a admitir a derrota nas urnas, dando azo a teorias conspiratórias e incitando uma multidão a tentar reverter à força o resultado. O Congresso foi depredado, e se seguiu uma dura reação judicial, que não poupou o ex-presidente.
Dezenas de acusações e três anos depois, Trump está prestes a tornar-se de novo o presidenciável republicano. O provável êxito nas prévias contrariaria mais uma vez o hábito nos EUA, onde o retiro da política costuma ser o destino de presidentes que perdem a reeleição.
Mais que filiações a ideias ou a plataformas, uma conexão emocional quase religiosa com o líder caracteriza o populismo. A impressão é que Donald Trump pode dizer e fazer tudo, e seu contrário, que ainda assim continuaria altamente popular para cerca de metade do eleitorado norte-americano.
Vencer as primárias republicanas não confere ao empresário exótico um bilhete garantido para retornar à Presidência. A metade dos eleitores que não o idolatra em geral também o rejeita fortemente.
Por isso, apesar da impopularidade de seu provável adversário, o presidente democrata Joe Biden, a eleição de novembro tende a ser tão disputada quanto as anteriores, que foram definidas por margens estreitas em estados-chave para o sistema indireto de escolha.
Ainda assim, é preocupante a possibilidade, agora mais concreta, de um segundo mandato para uma figura como Trump —que não esconde de ninguém o seu ressentimento nem o desejo de se vingar de agências governamentais e instituições que tolheram as suas investidas cesaristas.
A deterioração geopolítica dos últimos anos ganharia um impulso poderoso, para citar um dos efeitos indesejáveis de um segundo capítulo da aventura trumpista. Líderes autocratas, populistas e extremistas de todo o planeta teriam um aliado na Casa Branca.
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