O presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou 2024 levando uma goleada, como se diz no jargão do futebol. Embora a narrativa oficial procure transformar qualquer derrota em vitória acachapante, o placar no primeiro mês do ano, pelas minhas contas, já está em 6 x 0 para os adversários de Lula. E, do jeito que a coisa vai, o resultado pode se transformar numa “surra” histórica para o governo nas próximas semanas, com a retomada das atividades do Congresso, no dia 5.
Os “gols” sofridos pelo presidente desde a virada do ano resultaram de “jogadas” que se desenrolaram nos “gramados” do Brasil e do exterior e colocaram em xeque o mito cultivado pelo PT e por seus aliados de que, com sua “lábia” e “capacidade de articulação”, Lula é imbatível e acaba levando sempre a melhor.
É certo que ele ainda pode contar com a ajuda do VAR, no caso do STF (Supremo Tribunal Federal), para anular os gols tomados até agora – ou pelo menos alguns deles – e acabar vencendo o jogo. Mas, no que depender da performance dentro das quatro linhas, foi um começo de ano para Lula esquecer – ou, se não for esperar demais, para ele tirar lições que possam ser úteis nos três anos que restam de seu mandato, evitando novas adversidades embaraçosas.
Mantega na Vale
O “chocolate” levado por Lula teve gol de tudo que é jeito. Teve a decisão da Corte Internacional de Justiça, ligada à ONU, de não considerar como “genocídio” a reação de Israel em Gaza, como pedia a África do Sul em processo apoiado pelo governo brasileiro, nem determinar um cessar-fogo imediato no conflito, como tem defendido o presidente desde o princípio.
Houve também os reveses sofrido por Lula em sua tentativa de colocar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando da Vale, para “aparelhar” a mineradora, privatizada em 1997, e na incorporação de Furnas – que atua na geração, transmissão e comercialização de energia elétrica – pela Eletrobras, cuja privatização, realizada em 2022, está sendo questionada pelo governo no STF, sob a alegação de que a operação limitou o poder de decisão da União, que detém 42,6% das ações da empresa.
Além disso, Lula viu o bordão “o Brasil voltou” ser colocado na berlinda no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, com a divulgação de uma pesquisa feita com 4.700 CEOs de cerca de cem países pela PwC, uma das principais empresas internacionais de consultoria. Pela primeira vez em dez anos, o Brasil ficou fora da lista dos dez países preferidos pelo grupo para realização de investimentos na produção.
A “goleada” incluiu ainda a péssima repercussão da retomada dos investimentos na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e da nova política industrial lançada pelo governo, anunciadas com pompa por Lula, em linha com as políticas adotadas no passado pelo PT.
No caso de Abreu e Lima, um exemplo emblemático da aplicação inadequada de recursos públicos e de corrupção nos governos petistas, a reação negativa levou o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência, Paulo Pimenta, a acusar o golpe, ao dizer que a “grande mídia corporativa” age em “sincronia e articulação”, para sabotar a “tentativa soberana do Brasil de retomar o controle de sua política energética, em especial na área de petróleo e gás”.
‘Neoliberalismo anacrônico’
Já no caso da nova política industrial, que repete a estratégia protecionista que deu errado nas gestões anteriores do PT, centrada na concessão de subsídios e na exigência de conteúdo local dos beneficiados por financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), quem “passou recibo” foi o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, ao afirmar que as críticas são fruto de um “neoliberalismo anacrônico” – um dos “xingamentos” preferidos pelos petistas, quando não têm outro argumento, para tentar desacreditar os adversários.
Para completar a “goleada”, a solenidade convocada por Lula, para marcar o aniversário de um ano dos atos de 8 de janeiro, que deveria ser um momento de catarse coletiva “em defesa da democracia”, acabou revelando as fissuras existentes em torno da narrativa de que eles representaram uma “tentativa de golpe” de Estado, propagada pelo presidente, pelo PT e por seus aliados históricos e ocasionais contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Não apenas pelas ausências do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e de 15 governadores de Estado na cerimônia, entre eles os mandatários dos três maiores colégios eleitorais do País – Tarcísio Gomes de Feitas, de São Paulo, Romeu Zema, de Minas Gerais, e Cláudio Castro, do Rio de Janeiro. Mas também porque a narrativa da “tentativa de golpe” passou a ser contestada até por vozes da esquerda, como o ex-deputado federal, ex-presidente da Câmara e ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo e o ex-deputado federal e ex-ministro das Comunicações de Lula (2003-2004) Miro Teixeira.
Até o atual ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, questionou a versão predominante, ao afirmar em entrevista ao Estadão que “havia pessoas que desejavam o golpe” entre os manifestantes, mas o que acabou acontecendo foi um ato de vandalismo.
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Nas próximas semanas, com a retomada das atividades do Congresso, a goleada pode aumentar, com a derrubada dos vetos de Lula à destinação de R$ 5,6 bilhões do Orçamento de 2024 a emendas parlamentares e ao dispositivo que proíbe o governo de cortar recursos arrecadados pelo Ministério do Esporte com apostas esportivas, e com a eventual devolução da Medida Provisória que passou por cima do Congresso, ao ignorar a derrubada do veto presidencial à prorrogação da desoneração da folha de pagamento das empresas de alguns setores da economia.
De quebra, o governo ainda pode levar mais um “gol” se a proposta articulada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para transferir a fiscalização da instituição do CMN (Conselho Monetário Nacional) para o Congresso, se concretizar e for aprovada pelo Legislativo.
Dependendo de como tudo isso evoluir, o “chocolate” sofrido pelo presidente neste início de ano deve se tornar ainda mais dolorido, por mais que o governo tente mostrar que, apesar de tudo, ele é que saiu ganhando.
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