Certa vez me hospedei numa fazenda no interior da Argentina, província de Mendoza. Um lugar perdido no deserto, colado à cordilheira dos Andes, onde o único passatempo era cavalgar.
Todos os almoços e jantares consistiam em churrasco, pão, tomate e vinho; nos desjejuns, o cardápio era pão, doce de leite e café. Eu não reclamo dessa dieta, pelo contrário. Então soube que duas agentes de viagem da cidade de Mendoza chegariam na manhã seguinte. Uma delas era vegetariana.
Perguntei ao fazendeiro se estava preparado para receber hóspedes que não comem carne. Ele pensou por um segundo, esboçou um sorriso e, sem cerimônia, respondeu que tinha pão e tomate para os vegetarianos.
E assim foi, quando a hóspede vegetariana chegou.
Fiquei pensando na dureza que deve ser a vida de um vegetariano na Argentina. As ruas de Buenos Aires, sem exagero algum, têm cheiro de carne e carvão.
E agora os argentinos estão deixando de comer seu asado, não porque ficou com pena das vaquinhas. Simplesmente não pode mais pagar por carne. Passamos por isso no Brasil, mas nossa alimentação é mais variada. Seguramos bem a onda com outras comidas.
Sempre me disseram que o argentino tolera quase qualquer perrengue –o país, afinal, vive em crise permanente–, desde que não mexam no seu churrasco. Governo atrás de governo segurou artificialmente o preço da carne bovina, com receio de uma revolta popular incontrolável.
Agora o doido do Milei pagou para ver e mandou às favas o pacto social parrillero argentino, a Pax Argentina.
Óbvio que a queda livre da Argentina é bem mais grave do que um racionamento de bife de chorizo. Milei aperta o garrote no limite do estrangulamento fatal. Um comentarista chegou a sugerir, ao vivo na TV, que o povo pulasse uma refeição por dia até o pior passar.
O exemplo do churrasco, contudo, é simbolicamente destruidor. Fere a alma dos argentinos.
Por enquanto não há sinal de guerra civil. A acompanhar os próximos meses.
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