quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

São Paulo e seus possíveis futuros, Mauro Calliari, FSP

 O desafio é instigante –pensar na São Paulo no seu aniversário de 500 anos– e algo amedrontador. Há milhões de futuros possíveis, mas à moda do filme "De Volta Para o Futuro", pensei em propor apenas dois cenários extremos e antagônicos.

O primeiro cenário é o da cidade que junta suas forças individuais e coletivas em uma direção comum.

Movimentação de pedestres em Pinheiros - Rubens Cavallari/Folhapress

Estamos conseguindo controlar o efeito das mudanças climáticas. As águas das represas estão mais preservadas. Tietê, Pinheiros e seus afluentes estão limpos. Navega-se ao longo de seu curso e brinca-se em suas margens. Riachos foram destampados e nascentes ressurgiram. Não há desperdício de água ou lixo. Os resíduos orgânicos são tratados na composteira e usados nas hortas que existem em cada quarteirão. Os novos parques lineares e os jardins de chuva aumentaram a resiliência às inundações.

Todos os ônibus são elétricos. Trens e metrô conectam os municípios da Grande São Paulo. Eles saem e chegam na hora. A necessidade do carro e moto diminuiu. As ruas têm mais espaço para ciclovias, faixas exclusivas e calçadas. Quase 30% das viagens são feitas em bicicletas, contra menos de 1% em 2024. Nenhuma pessoa perdeu a vida no trânsito da cidade no último ano.

A tecnologia melhora a qualidade de vida. As pessoas usam seus "devices" para reservar creche, marcar consultas e andar no transporte público. Quem não pode pagar, anda de graça, O "mobility as a service" permite a troca fácil de modais.

Os planos de bairro deram certo. Crianças andam a pé até a escola, idosos sentam na praça e cadeirantes acessam o ponto de ônibus em segurança. As antigas periferias receberam investimentos especiais que melhoraram a habitação e os espaços públicos. O voto distrital aproximou os vereadores dos problemas locais e de suas soluções. Legisladores usam big data para simular resultados de políticas públicas.

Nenhuma pessoa mora mais em áreas de risco. A reurbanização de favelas está trazendo a cidade para dentro das comunidades. Há muitas calçadas novas depois que a prefeitura assumiu a responsabilidade por manutenção nos lugares mais pobres e obrigou as concessionárias de energia a enterrar os fios.

A população da cidade parou de crescer. Parte do crescente número de idosos está indo para as novas "cohousings" construídas no antigo aeroporto do Campo de Marte, que foi desativado. Pessoas que moravam nas ruas há trinta anos foram há muito relocadas em habitações sociais. A cracolândia, depois de um trabalho consistente de décadas, sumiu.

No centro, os principais prédios históricos estão conservados e usados. O bonito bulevar que surgiu com a derrubada do Minhocão atrai novos moradores e frequentadores. Dá para caminhar com segurança pelo comércio vibrante entre o Anhangabaú, a Sé, a Praça da República e o Parque Dom Pedro.

Os grandes eventos continuam trazendo turistas. Grandes e pequenos negócios atraem talentos interessados na vitalidade urbana. O antigo palácio dos Bandeirantes virou um importante centro de convenções, quando o governo estadual migrou para os casarões dos Campos Elísios. As autoridades andam de transporte público e bicicleta depois que foi aprovado o novo código de ética pública, que troca o automóvel blindado pelo vale-transporte.

O segundo cenário é quase distópico.

Nele, falta água e sobra violência. Quem pode sair da cidade já fugiu há tempos. Ninguém se candidata para cargos públicos por medo. Os prédios gigantescos se defendem com milícias próprias e contrabando de comida.

Prefiro poupar o leitor dos detalhes, cada um é capaz de imaginar o que pode acontecer com uma cidade quando ela fica doente e nada é feito.

Estranhamente, os dois cenários parecem possíveis a partir do ponto de vista de hoje. A diferença está nos próximos passos, quando ainda é possível pensar na união de segmentos públicos e privados em torno de uma visão de futuro.


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