quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Marta Suplicy é ponto fora da curva nos festejos do aniversário de São Paulo, Tom Farias, FSP

 Os 470 anos de São Paulo são marcados por um assunto que dominou a atenção dos paulistanos: o anúncio da candidatura de Marta Suplicy para vice na chapa do deputado federal Guilherme Boulos à prefeitura da cidade. Quando ela foi candidata a prefeita, há 20 anos, o clima era outro.

Marta Suplicy, ex-secretária de Relações Internacionais na gestão do prefeito Ricardo Nunes, é o ponto fora da curva se tratando de mulher na política: foi deputada federal, prefeita, senadora, e duas vezes ministra —do Turismo e da Cultura. Mesmo fora do Partido dos Trabalhadores (PT), manteve o alinhamento ao presidente Lula e o apoiou na corrida ao Planalto nas eleições de 2022.

Nunca me surpreendo com a política, na acepção aristotélica, mas com as pessoas que a praticam. A trajetória de Marta Suplicy, no entanto, induz a esse pensamento. Lembro-me dela, psicóloga, na década de 1980, apresentando o quadro "Comportamento Sexual", no programa TV Mulher, da Rede Globo.

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Marta Suplicy, ex-secretária de Relações Internacionais da cidade de São Paulo, em entrevista no estúdio da TV Folha - Bruno Santos/Folhapress

Marta tratava de assuntos espinhosos para a época na televisão brasileira, falando abertamente de sexo e relacionamentos afetivos, até ser proibida pela censura militar, o que provocou protesto do público. A gritaria fez os censores voltarem atrás. E J. B. Oliveira Sobrinho, diretor da emissora, festejou a liberação, desejando à equipe e "à psicóloga Marta Suplicy a manutenção do alto nível do programa".

Marta escreveu best-seller sobre essa participação, "Conversando Sobre Sexo", com reflexões preciosas sobre o papel da adolescência e vivência sexual, menstruação, virgindade, nudez, tabus, puberdade e "falsas verdades", onde trata de estereótipos sociais sobre homem e mulher.

Com o anúncio de sua candidatura, outro livro de Marta sai da estante para mesa de leitura: "Minha Vida de Prefeita – O que São Paulo me Ensinou" (Agir, 2008), escrito por ela após deixar a governança da cidade, entre 2001 e 2004.

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Este não é um livro de regozijo, embora o título sugira. Quando muito, assemelha-se a um manual de como lidar e não com a coisa pública. Em minucioso relato, Marta faz um balanço de sua gestão e da vida política —o livro abre com discurso de posse e encerra com o de despedida do cargo, em nítida diferença de tom.

Ela revela ainda que começou na política como deputada federal, em 1995. Na vida privada, descreve as dores da perda da mãe e o fim do casamento de 37 anos com Eduardo Suplicy.

Longe de ser a exposição de boas práticas para os novos administradores, o livro traz um panorama de como é dura a vida de quem senta na cadeira da cidade mais poderosa do país, ainda mais sendo mulher. Aliás, na Prefeitura de São Paulo, em 400 anos de história, Marta foi a segunda mulher a ocupar o lugar —Luiza Erundina foi a primeira, de 1989 a 1993, e ambas não se reelegeram.

Marta deixou marcas visíveis para os paulistanos. São realizações dela os CEUs (Centros Educacionais Unificados), sucesso de público até hoje; o Museu Afro Brasil; o feriado de Zumbi dos Palmares; a reforma do sistema educacional; a nova sede da prefeitura; o Bilhete Único; e os corredores expressos. Além disso, ela encarou o que denominou como "guerra dos transportes" —série de greves que paralisaram a cidade com quebra-quebras e queimas de ônibus.

Marta rememora no livro também a visita de Lionel Jospin, o primeiro-ministro francês, em abril de 2001. Ela pretendia levá-lo para conhecer o centro da cidade, mas tudo estava parado, um caos. Diante do desconforto, mudou de ideia, gesto notado pelo chefe do governo francês, que a acalmou: "Pas de problème, madame, en France on en est habitué", ou seja, "Não tem problema, senhora, na França estamos acostumados".

São Paulo ensinou muito a Marta, como ela escreve em "Minha Vida de Prefeita". O livro não é apenas uma prestação de contas na visão de quem passou pelo poder, é a forma de ver o outro lado "da moeda política" de uma cidade como São Paulo, mas pela perspectiva de uma mulher.

Obra corajosa do ponto de vista do conceito e da escrita, submete a autora a críticas e autocríticas, mea culpas e puxões de orelha públicos, por situações inadequadas e inconsistentes. Ao que parece, ela venceu travessias na marra, longe de ser como as "damas de ferro" —citando Golda Meir, Margaret Thatcher, Indira Gandhi—, deixa uma mensagem reflexiva para mulheres do século 21.

"Quando teremos o direito de ser feministas, inteligentes e competentes, sem ameaças? Quando aprenderemos a utilizar a sabedoria acumulada que tanto custou às nossas avós, de uma forma nova, totalmente feminista? Não somos nem melhores, nem piores. Somos diferentes."

A impressão é que "Minha Vida de Prefeita" serve como referência para quem pretende ser o arauto da política da cidade paulistana, essa gigante de 12 milhões de habitantes, 17ª economia do mundo globalizado, 9% do PIB nacional e 34% do estado.

Sem dúvida, a metrópole dos negócios e a produtora de bens culturais, turismo, artes, ciência e serviços. Em linhas gerais, a quatrocentona cobiçada, não é para amadores e principiantes. E Marta Suplicy sabe disso.

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