Uma chapa presidencial "Jesus Cristo-Ronald Reagan-2024 teria perdido para Donald Trump em New Hampshire." Este foi o lamento de um articulista conservador após o resultado das primárias no estado nesta quarta (24).
New Hampshire, onde 94% da população completou o ensino secundário e mais de 40% têm ensino superior, serve como alarme para o estado da política eleitoral e do zelo pela democracia nos Estados Unidos. O Partido Republicano abdicou de qualquer iniciativa de se preservar como agremiação dentro desse sistema.
Na esteira da surpreendente vitória de Donald Trump, em 2016, a imprensa americana, envergonhada por não ter previsto a mudança de ventos, se embrenhou pelo interior do país. Decidiu que precisava dar voz aos eleitores, predominantemente brancos e conservadores, que preferiam ver na Casa Branca um cliente de atrizes pornô, um sonegador fiscal, associado de mafiosos e devasso frequentador da esbórnia pródiga em drogas da vida noturna de Manhattan.
Nascia o que ficou conhecido como a entrevista no "diner". O "diner" é a lanchonete americana que não varia de estado para estado, uma instituição que continua enraizada nos anos 1950, embora hoje sirva abacate na torrada, um sinal inconfundível de capitulação à onda pornográfica de novidades gastronômicas.
Pois os repórteres urbanos da mídia tradicional, mergulhados em culpa por gostar de música, cinema, teatro (e, imaginem, livros!) foram tomar o pulso do eleitor revoltado que elegeu Trump. Passamos anos ouvindo platitudes sobre esses eleitores esquecidos pela elite das costas Leste e Oeste.
Mas havia uma distinção clara –e que não foi propriamente destacada— entre um ex-mineiro de carvão desempregado na Virgínia Ocidental, cuja vida foi destruída pelo vício em opioides prescritos de forma criminosa após um problema de saúde, e personagens como o coronel que se tornou a celebridade da semana das primárias de New Hampshire.
O Coronel Ted Johnson, entrevistado pelo site Politico, foi eleito por uma mídia que cobre política como se estivesse numa corrida de cavalos o farol que explica a insistência de eleitores americanos em votar num criminoso indiciado 91 vezes com mais que evidentes sinais de demência.
Ted Johnson é um militar reformado que acredita que os EUA estão no meio de uma guerra civil e precisam de Donald Trump para "arrebentar com o sistema". Um cabra que passou décadas obedecendo às ordens de comandantes militares até entrar para a reserva, e que está tão entediado com sua casa confortável e sua pensão segura que admitiu a um repórter: "Trump expõe o Estado profundo, e vamos ter quatro anos miseráveis."
É o eleitor de Trump que defende punir o país todo —ou "quebrar tudo" (entre nós, reprimir minorias). O problema é que o coronel não vai sofrer miséria alguma. A economia do odiado Joe Biden vai bem para ele e continua a melhorar. E o que ele considera "arrebentar com o sistema" é um rol de crueldades contra imigrantes, negros, mulheres e crianças.
É necessário ouvir o coronel Johnson e admitir que sua bolha de pensamento é real. Mas é preciso agir para que esses niilistas privilegiados e entediados com o status quo não sejam elevados a oráculos da distopia trumpiana.
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