quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Se tiverem que escolher entre segurança e direitos humanos, poucos terão dúvida, Joel Pinheiro da Fonseca, FSP

 Em pouco mais de um ano, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, conseguiu cortar pela metade os homicídios no país, bem como dar à população a segurança de andar pelas ruas sem prestar satisfação a nenhuma gangue. Como o continente todo sofre com a violência e com as gangues —o Brasil, nem se fala— é inevitável que seu modelo queira ser copiado.

Bukele declarou estado de exceção em março de 2022 e passou a prender jovens suspeitos de integrar as gangues que mandavam no país; sem acusações formais, sem julgamento, às vezes a partir de uma simples denúncia anônima. A data do julgamento é marcada para dali seis meses, depois é adiada, remarcada; de modo que os jovens continuam presos por quase dois anos sem perspectiva de quando serão julgados. No máximo, passaram por alguma audiência coletiva. Foram mais de 70 mil presos até o momento. Menos de 10% foram soltos. O regime de exceção deveria durar um mês, mas já foi estendido 15 vezes.

Prisão em Tecoluca, a 74 km da capital de El Salvador, San Salvador - Divulgação Governo El Salvador via AFP - 15.mar.23

A primeira pergunta é factual, sem qualquer juízo de valor: a política é sustentável? A redução drástica da violência continuará enquanto durar o encarceramento em massa ou ela apenas causou uma desorganização temporária nas gangues, que logo encontrarão meios de se erguer e recrutar novos adeptos? Por enquanto, ninguém sabe.

Setenta mil num país de 6,3 milhões de pessoas são pouco mais de 1% da população. Se o Brasil quisesse fazer igual, teria que prender 2,1 milhões de homens jovens. Difícil saber onde enfiar tanta gente, mas imagino que condições prisionais não figurem entre as prioridades dos defensores da política.

Outra pergunta: quantos dos presos —que estão passando privação, com pouco alimento e condições insalubres— são inocentes? Provavelmente muitos. A defesa acrítica da política de segurança de Bukele só é possível por parte de quem sabe —devido à sua condição social— que não estará entre esses presos.

A partir de um ponto, a percepção de violência é tão opressora que a população passa a se segurar na violência policial indiscriminada como pedra de salvação. Assim como Bukele é enormemente popular em El Salvador, engana-se quem acha que Tarcísio em São Paulo (ou Jerônimo Rodrigues na Bahia) irá perder votos por celebrar ações da PM que resultam em mortes.

A verdade é que boa parte da população não vê problema na execução de membros de facções. Por isso a revolta contra órgãos de imprensa quando denunciam as mortes causadas por policiais omitindo o fato de que as vítimas eram criminosos.

Não há aula de direitos humanos que vá mudar isso. É preciso políticas reais que entreguem resultado. E enquanto a direita vai se entregando à pura truculência, a esquerda segue sem proposta nenhuma quando o tema é segurança pública. Desconversa, fala de educação e combate à desigualdade. Trata qualquer medida que envolva a polícia como suja, má; quando sabemos que a polícia é imprescindível na garantia da ordem e no combate ao crime. As cidades americanas que apostaram na loucura do "defund the police" logo aprenderam sua lição.

Permitir a expansão do poder do crime organizado é violar os direitos humanos de quem será por ele vitimado. Se tiverem que escolher entre uma abstração como direitos humanos e o sentimento de segurança, poucas pessoas terão dúvida. Ante a barbárie de uma política de segurança baseada na violência indiscriminada, é preciso apresentar não sentimentos humanitários, e sim alternativas que funcionem. De preferência, antes que o pacote Bukele chegue por aqui.

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